18/02/2009

flecheira libertária I

flechadas nas couraças da ordem
flecheira - substantivo feminino; pequena abertura nas muralhas, pela qual se lançavam setas contra os inimigos ou sitiantes; frecheira, frecheiro, seteira (dcionário Houaiss)
"Flecheira Libertária" é uma seção do endereço libertário nu-sol. É um espaço de onde são lançadas flechadas certeiras e cortantes contra as tribos do senso comum ou contra os mecanismos de domesticação e captura de nossa liberdade. É uma abertura, um buraco nas muralhas da engrenagem e na nossa tendência para a aceitação da ordem, nossa necessidade inconsciente de se entregar a uma leitura sempre tranquilizadora do mundo e da história, mesmo que essa leitura tenha o máximo cuidado para se fazer transformadora, ou simplesmente crítica e lúcida.
Flechadas que, geralmente através de um ou dois parágrafos, atingem em cheio e despertam para o risco de não nos aquietarmos nas certezas estabelecidas, ainda que sejam aquelas mais dura, honesta e lucidamente conquistadas. Vale a pena ficar na linha de tiro dessas flecheiras, mesmo que seja só pra acompanhar o seu ousado e inusitado percurso.
Selecionamos algumas 'Flecheiras' com mais atualidade e concisão. Começamos pela edição nº 90, já que trata de um tema recorrente: flechadas que buscam atingir exatamente a complexa realidade das escolas e das revoltas juvenis. A seguir, outras edições, que falam da crise capitalista, do nadador Michael Pelps e seu baseado e terminamos com um retrato ácido, embora um tanto caricatural, da forma como o cotidiano sas dondocas e peruas dos 'financistas' foi 'afetado' pela crise.
Subindo no telhado
Numa escola da cidade de São Paulo, alguns estudantes subiram no
telhado, arremessaram telhas e a polícia desceu o cacete.
Especialistas, jornalistas e autoridades falam em punição e
reformas: expressão da guerra em torno dos resíduos de
instituições disciplinares. Aqui e ali a acomodação desse embate
se traduz numa nova institucionalização, que leva o nome de escola
democrática para as escolas preferenciais dos governos, e noutros
casos a agenciamentos de guetos e miséria cultural nada incomum em
grandes cidades de países desenvolvidos. No entanto, onde está a
coragem dos estudantes diante da urgência em abolir a escola?
Vã escola
As garotas brigam. Motivo: uma delas é do bairro vizinho. Os alunos se divertem e se dividem em bandos, bondes, famílias, e demais nomenclaturas conservadoras que reforçam identidades e
comunidades. Amam a merda em que vivem. Não querem ultrapassá-la, mas governá-la. Detonam o espaço da escola; são aviltados pela polícia; explodem. Já vimos esse filme norte-americano, funcionando tanto para disseminar valores punitivos como a vã esperança no professor paciente e bonzinho capaz de normalizar a ortopedia escolar.
Se fosse ...If e Zero de conduta
O tumulto não anunciou demolições inventivas dos estudantes como as expressas em filmes libertários como 'If' e 'Zero de Conduta' (viram? não?). Ao contrário, estes alunos pretendem dominar as escolas com táticas similares às do PCC e CV. E os professores, amontoados em procedimentos, sob rebaixados salários e precária formação clientelista no sistema de ensino superior, transformam-se de temidas autoridades punitivas em alvos da força transbordante de alunos reativos e violentos.
Eu não agüento mais!
(...) Será que esses jovens expressam uma saudável ânsia em enterrar algo que há muito está morto e podre?
O que você está fazendo de si?
Os estudantes, interessados na potência da vida, querem demolir a escola: abandonam o prédio ou ignoram seus comandos, não se deixam apanhar, desfiguram. Os alunos assimilam as violências de pais e autoridades, se integram no sistema de castigos e almejam ser algozes.('Flecheira Libertária' 90, de 18/11/2008)
“ Respire! Sinta o hálito do mundo em sua pele! Aproveite o dia! Respire! Respire!” (hakim bey)
Obrigatoriedades
Um menino vivo de 6 anos berra, grita, esperneia ao ser obrigado a entrar na sala de aula. Uma funcionária da escola corre até ele e tenta convencê-lo em vão. Ele se mostra irredutível. Ela, então, escondida da funcionária superior o convence a ficar no corredor próximo de sua mesa, lhe dá papel para desenhar e inicia uma conversa. Ele, sem meias palavras, diz que não quer estar na escola e que está imaginando uma menina linda em um parque de diversões. A funcionária sugere que ele desenhe o parque. Ele se nega e diz não poder desenhar. Ela lhe pergunta por que? Afinal ele não está também no parque? Ele sério se volta e encerra a conversa ao dizer: Não, não estou lá, porque eu estou aqui.(Flecheira 85, 14/10/08)
Capitalismo e morte!
Hades. É a tal da crise recorrente do capitalismo. É uma nova oscilação em direção a um novo modo de dar continuidade ao mercado capitalista com mais ou menos Estado. Mas sempre com Estado para repassar encargos, taxar impostos, proteger mercadorias, acolher negociatas, cobrir as apostas, os riscos e a liberdade dos capitalistas com o dinheiro seqüestrado dos cidadãos e a dívida pública. A mesma velha coisa renovada: o capitalismo é uma multidão de miseráveis, de serviçais aos superiores, às máquinas, aos programas, à morte. Uma coisa é inédita: o capitalismo não é mais planetário, é sideral. Ele, o Estado e o patriarca vivem do amor à obediência, da morte entre os súditos, das instituições para matar.
Mercado, anarquia e liberdade
Moiras. Quer liberdade de mercado? Faça anarquia, autogestão, invente, viva sem Estado, desobedeça, seja indisciplinado. Não queira saber tudo, mandar, vigiar, persuadir, amar o consenso. Aproveite a democracia para viver mais livre. Esqueça a utopia; faça já. Não seja prisioneiro do amor; não tente ser esperto; liberte-se do segredo e do controle que dão poderes aos pais, burocratas, encarceradores, governantes... Deixe de pensar neles ou por eles, nessa mesmice, numa identidade. Note os novos espaços de liberdades e não tente governá-los. Desgoverne-se. Lide com direitos livres de deveres. Não dê as costas aos inimigos, contorne os lisonjeadores, não tente ser esperto, evite a cólera, experimente, entre. (Flecheira 85, 21/10/08)
"Revolta? Como? Irromper fora da prisão, do teatro, para dentro do mundo" (julian beck)

A delação transparente
Ele foi o grande nome das Olimpíadas de 2008. Saudável, recordista, o grande fôlego, a maior velocidade na água, a elegância do nado, o preferido da mídia e das boas famílias. Apesar de tudo ele também é uma pessoa comum. Come, dorme, bebe, treina e às vezes mente. Isso é insuportável tanto para o delator, que o fotografa em festa, fumando maconha, quanto para a mídia, a federação e os patrocinadores irmanados na atual idiotia transterritorial. Ele foi suspenso por doping moral. Não serve mais aos Estados Unidos, aos bons cidadãos, aos tolerantes, aos responsáveis, aos empresários, aos adoradores de exemplos? Aplica-se a sanção: suspensão temporária. Depois virão mais arrependimentos e a dívida infinita.(Flecheira 97, 11/02)
I’ sorry
Esta é a frase que o nadador celestial profere dia e noite para se desculpar do uso festivo da sua maconha. O jovem nadador constata que é um produto valioso da eficiência individualista no capitalismo e se prepara para aceitar as punições. Os contratos não serão renovados sem pedidos de perdão eterno. Em breve, ele, rico e arrependido, se transformará em encenador de devoções religiosas e do bom-mocismo cidadão como já ocorreu com vários outros esportistas. Aprendeu que a ilegalidade impune e lucrativa se comete na surdina. I’ sorry, mesmo!(Flecheira 98, 18/02)
Capitalismo em crise: as dondocas top
Em Manhatan as dondocas-adornos de financistas de Wall-Street fundaram um grupo de apoio às suas colegas, o DABA (Namoradas de Banqueiros Anônimas) tipo A. A. , mas sem abrir mão do acesso restrito, é claro, para se solidarizarem e trocarem desabafos sobre a crise, lamentando “ de gastos em seus cartões de crédito” ou “ o sexo passou a ficar horrível!” ou “ estão entediadas”. Suas vidinhas de mulherzinhas seguem impecáveis.
as aspirantes
Em São Paulo, noivas e esposas de investidores bem sucedidos do mercado financeiro, que aspiram ser como as do top de Manhatan, comentam na coluna social como sofreram abalos indescritíveis, “ como ficar sem uma babá para o filho, que só dá para pensar em ter após ter feito o primeiro ou segundo milhão de dólares? E o que é pior como viver sem uma babá e uma enfermeira?” Rindo, começam “ a pensar em vender a mãe para recuperar investimentos...” Suas vidinhas de mulherzinha seguem incólumes.

e as periféricas
Numa roda de peruas classe média periféricas, que desejam um dia ascender a aspirantes e a top, uma delas diz às outras: “ não agüenta mais ter de vender tudo para pintar o cabelo, lembrando que seu ex-marido a alerta: por favor só não venda as crianças!” Ela, solícita, o tranqüiliza, dizendo que caso as venda, não as entregará. Os seus cabelos e a sua vidinha de mulherzinha seguem intactos.

Enquanto isso:
Uma enquete com jovens estudantes de Economia que acabam de ingressar na universidade, aponta que eles escolheram o curso porque “ trabalhar na área de investimento financeiro.” (Flecheira 98, 18/02)
“ Prefiro ser uma loba faminta a ser um cão gordo encoleirado.” (nise da silveira)

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