27/10/2010

aberrações - poesia e ação política

Valdeci Batista de Melo encaminhou para o grupo de discussão "Opiniões Cênicas" (Vitória, ES) a curta mas vibrante mensagem abaixo (com o título original de Aberrações), seguida de dois poemas do belorizontino Ricardo Aleixo e um de Mário de Andrade, o famoso Ode ao Burguês, que cai bem nesta reta final da Batalha de 2010.
Tomei a liberdade (também em razão deste clima de Batalha ) de destacar  com uma fonte maior  alguns versos desse poema de Mário.

No mais, já que o disciurso morqalista e religioso tomou o lugar do debate político sério, vamos de citações bíblicas:
Pai, perdoai-os e perdoai-as, eles e elas não sabem o que dizem sobre a Dilma.

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Aberrações
Senhores
Nada é mais aberrante do que um artista, um professor ou um trabalhador alienado e em pleno conluio com o que há mais retrógado, preconceituoso, fundamentalista, homofóbico, misógino como o Serra e seus asseclas.

Brecht e Bernardo Santareno devem estar se revirando no túmulo. Oduvaldo Viana Filho, Jorge Andrade, Oswald de Andrade e tantos outros dramaturgos e artistas também devem estar fulos de fulos. A lista poderia ser acrescida ad infinitun. Dos gregos à atualidade coube sempre a Arte ser iconoclasta. Alguns poucos exemplos de primeiríssima plana.
Valdeci Batista de Melo

paupéria revisitada
Putas, como os deuses,
vendem quando dão.
Poetas, não.
Policiais e pistoleiros
vendem segurança
(isto é, vingança ou proteção).

Poetas se gabam do limbo, do veto
do censor, do exílio, da vaia
e do dinheiro não).
Poesia é pão (para
o espírito, se diz), mas atenção:
o padeiro da esquina balofa
vive do que faz; o mais
fino poeta, não.

Poetas dão de graça
o ar de sua graça
(e ainda troçam
— na companhia das traças —
de tal “nobre condição”).

Pastores e padres vendem
lotes no céu
à prestação.
Políticos compram &
(se) vendem
na primeira ocasião.

Poetas (posto que vivem
de brisa) fazem do No, thanks
seu refrão.
ricardo aleixo - minas

rondó da ronda noturna

q   uanto +
p   obre +
n   egro
q   uanto +
n   egro +
a   lvo
q   uanto +
a   lvo +
m  orto
q   uanto +
m  orto +
u   m
ricardo aleixo - minas

ode ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"–Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
–Um colar... –Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!

Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!

Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...
mário de andrade, em  'paulicéia desvairada' (1922)

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