28/02/2010

saudações poéticas e militantes

Desvelar retorna, após três meses de invonluntária suspensão, mas de merecido descanso. Grato aos generosos visitantes que por aqui passaram, mesmo não tendo havido nenhuma postagem desde novembro

Nesse retorno, em poesia Desvelar publica Abdo Xavier, poeta de Viçosa, Minas. Três peças misto de candentes e amargas, com os versos lembrando um pouco a poesia simbolista, trazendo um quê de vago e transcendente, sem que o poeta defina objetivamente aquilo que o perturba, que o atrai ou o espanta, essa discreta delicada percepção de uma atmosfera entre melancólica e nebulosa, que era uma das marcas dos poetas simbolistas.
Presente até mesmo aquela marca dos poetas simbolistas, de colocar em maiúsculas algumas palavras do poema, como se com esse destaque a palavra em questão ganhasse mais mistério ou poder de expressão.
Acompanhando o poeta Abdo neste retorno poético, alguns poemas de Portugal. Portugal com a sua sempiterna melancolia e saudade, a também sugerir uma certa bruma simbolista, mesmos que os poemas abaixo publicados nada fiquem a dever à modernidade. Interessante o diálogo - mesmo que fragmentado - de imagens e de situções entre o poema do mineiro Abdo Xavier e o do português Rui Pires Cabral.

Já em política Desvelar traz um comentário, América Latina: lúcida e ousada..., e indicação de textos sobre a militarização da América Latina e do mundo, promovida pelo elite dos EUA através de seu comandante e comandado Barack Obama, que chegou a despertar reais esperanças em grande parte dos povos do planete, por ocasião de sua eleição e posse.
A esse respeito, mesmo não negando o benefício da dúvida, Desvelar não surfou inocentemente na onda da esperança ingênua e tranquilizadora. Ao menos publicamos uma espécie de alerta através de breve comentário e da Carta Aberta a Barack Obama (transcrita do site Carta Maior), postados em novembro de 2008.
Boa leitura. E espero que continuemos ainda por muito tempo a tentar desvelar juntos a poesia deste mundo e para este mundo, seja através de palavras e versos, seja através do bom e implacável combate àquilo que deve ser enfrentado e superado, rumo à construção do reino da lucidez, do afeto e da irmandade entre povos e indivíduos (lucidez vem de luz: 'vós sois a luz do mundo', como sugeriu talvez o nosso mais lúcido e afetuoso poeta-revolucionário).

o negro espelho da retina


havia uma Estrela no Céu
que quando eu era criança me apaixonava
era o menor pingo no Espaço
foi por causa dela que surgiu a minha chaga

eu era pequeno, eu sei... não tive culpa...
a Estrela era a menor que o Céu abençoava
foi por isso que não ascendi, inteiro como desejava...
eu era pequeno, eu sei... não tive culpa...

o Espaço não me causava vertigens, nunca...
a terra sim, propunha-me fundezas
quando a terra abria para mim os olhos da Tristeza
mais aos céus eu elevava os olhos e chorava

cresci assim, pequenino e taciturno:
menino dos ollhos de mel, das pernas sempre atadas...
a Estrela hoje nos céus deixou sua morada
cresci assim: tão leve e tão Noturno

quando vejo no céu um toldo reluzente
uma constelação amiga, uma canção
ou mesmo um Negrume
se fixo o pensamento frente ao lume
ou a escuridão embota a minha mente

sou plaga arriada em arrebol de cinzas
e mesmo que sonhasse só veria Cinzas.

abdo mattos
(viçosa, minas)

after nature

no verde da floresta
o meu Gelo anda em meio a arvoredos
que um dia foram pais da minha sensibilidade

ó meu velho Apego
a tudo que de belo me continha...
outrora, todavia.

abdo mattos
(viçosa, minas)

o poeta

ser toupeira: um ato de coragem
de quem suporta a terra
sem participar
da guerra

abdo mattos
(viçosa, minas)

américa latina: lúcida e ousada... (I)

... e colorida como sempre

Num encontro de cúpula, ocorrido agora em fevereiro, no México, os países da América Latina e do Caribe aprovaram a criação de um novo bloco regional, sem a participação dos Estados Unidos e do Canadá. O nome provisório da organização é Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos. Ressalte-se que a decisão se deu por unanimidade, com aprovação dos chefes de governo e ministros de todos os 32 países presentes ao Encontro.

A iniciativa é de uma ousadia histórica e extremamente oportuna. Não se trata de exercitar aqui um antiamericanismo estéril e supostamente ultrapassado.Pois o fato é que as ações do governo Obama, na política externa, caminham com segurança na direção da manutenção e ampliação do domínio militar dos Estados Unidos sobre o resto do mundo.

Aumento do número de tropas no Afeganistão, ampliação para o Paquistão da chamada “guerra contra o terror” e preparação da opinião pública mundial para uma eventual invasão do Irã. Analistas atentos vêem nessas ações uma estratégia para ‘cercar’ militarmente cada vez mais a Rússia e principalmente a China.
Ou seja, o governo americano já teria optado pelo confronto militar em grandes proporções, como forma de evitar a todo custo o seu inevitável declínio no âmbito da economia, da política e da cultura.

Os governantes e as elites dos EUA não estariam aceitando a clamorosa mudança pela qual o mundo vem passando, em direção a uma pluralidade de poder, com mais países, ou blocos de países, tendo condições econômicas e políticas de decidir os destinos de seus povos, e da própria humanidade. Os EUA não estariam prontos para renunciar ao seu arrogante e implacável, doentio e assassino papel de império mundial, de única superpotência do mundo, para se contentar em ser apenas uma entre dez ou mais potências mundiais.
Enfim, a conhecida e perigosa situação de uma fera agonizante, que esperneia para todos os lados, atacando e ferindo a todos que estiverem muito próximos, antes de se aquietar, de ser dominada.
O terrível é que, no caso, a fera americana possui uma apavorante capacidade destrutiva, todos os povos do mundo estão ao seu alcance, ‘muito próximos’ da fera e, além disso, toda essa capacidade de destruição está sob o controle de indivíduos e grupos de poder que nunca puderam descobrir outros sentidos para a existência que não fossem o poder, a destruição, o domínio sobre as pessoas, sobre os povos e sobre o próprio planeta.

No momento oportuno, publicaremos alguns textos que procuram demonstrar como essa opção pelo caminho militar já está claramente desenhada nas ações do governo Obama.
Por ora, fiquemos no âmbito da nossa pátria América Latina: instalação de bases militares na Colômbia e no Paraguai, apoio clandestino ao golpe em Honduras, reativação da IV Frota no Atlântico Sul, ocupação militar do Haiti e militarização da região das Malvinas pela aliada Inglaterra.
São todas ações decididas, rápidas, como se estivessem seguindo de fato um cronograma já traçado pelos núcleos de decisão do governo americano. São ações que parecem ter como objetivo transformar o continente num território potencialmente explosivo - uma das ações mais visíveis de provocação e de tentativa de instauração da discórdia entre os povos da região vem se dando através da criação de uma atmosfera de tensão entre os povos da Colômbia e da Venezuela.
Afinal, quem mais teria a perder com conflitos armados na região seriam os governos democráticos e populares - que pela primeira vez na história são maioria na região - que vêm implementando as condições para as transformações profundas neste sofrido e espoliado continente latino. E é óbvio que essas transformações não interessam às elites desses países e muito menos ao poder imperial das elites americanas.
Na postagem abaixo, seguem os endereços de alguns textos, para quem quiser refletir melhor sobre essas questões e extrair suas próprias conclusões.

américa latina: lúcida e ousada... (II)


A IV Frota em ação: um porta-aviões chamado Haiti
Aqui o autor mostra como o terremoto no Haiti foi extremamente interessante para os interesses geopolíticos americanos, dando aos EUA a oportunidade de - com uma rapidez suspeita de tão impressionante e precisa - deslocar mais de dez mil soldados para o país devastado, promovendo uma verdadeira ocupação militar de portos e aeroportos sob pretexto de ajuda humanitária. Esses milhares de soldados com certeza estarão mais próximos do cenário de um eventual conflito entre Venezuela e Colômbia.

O xadrez mundial do petróleo: Brasil
Exaustivo e instrutivo texto de um professor , Numa análise séria e com dados convinncentes, sem viés ideológico, o texto nos torna mais lúcidos acerca da intensidade das mudanças que estão a ocorrer na América Latina e, em especial com relação ao Brasil, e como essas novas situações de poder – principalmente na questão da energia e das democracias populares estão a incomodar o poder imperial americano e suas forças auxiliares, as elites regionais da América Latina.

Malvinas: colonialismo e soberania
Breve texto de Gilson caroni, a alertar que a questão das Ilhas Malvinas interessa a todos os povos da América Latina e não apenas ao povo argentino. Junte-se a inciativa britânica - de enviar considerável força militar para o sul de nosso continente - com a reativação da IV Frota dos EUA e certamente teremos que que nos perguntar se mais uma vez os ingleses estariam cumprindo o seu papel de lacaios dos EUA, numa eventual militarização do Atlântico Sul que, não por coincidência, é onde estão as fabulosas reservas do petróleo brasileiro na camada de pré-sal.

A politica da administração Obama ameaça a humanidade
No endereço abaixo uma análise de como a opção dos EUA pela militarização e pela guerra se espalha pelo mundo afora. Oportunamente indicaremos outros textos acerca da estratégia americana no arco geográfico que engloba o Afeganistão, o Paquistão, o iraque e o Irã.
**********************************
A matéria abaixo foi transcrita na íntegra da site da Folha Online, publicada no dia 23 de dfeevreiro, e aborda com competência e concisão a iniciativa da criação da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos.
E como é apenas uma matéria informativa, sem viés ideológico, não é preciso que o leitor tenha receios ou torça o nariz, pelo fato de ter sido extraída de um dos muitos veículos de comunicação que temem e combate ma consolidação de uma democracia real e popular no nossso país.
"Os países de América Latina e Caribe aprovaram nesta terça-feira, em cúpula regional no México, a criação de um novo bloco regional, sem os Estados Unidos e o Canadá. Os estatutos da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos serão definidos apenas em 2011, em reunião em Caracas (Venezuela), anunciou o presidente do México, Felipe Calderón.

O grupo, considerado uma versão B da OEA (Organização dos Estados Americanos), "deverá, prioritariamente, impulsionar a integração regional com o objetivo de promover nosso desenvolvimento sustentável, de impulsionar a agenda regional em fóruns globais, e de ter um posicionamento melhor frente aos acontecimentos relevantes mundiais", disse Calderón ao ler parte da declaração final.
Calderón inclui ainda na lista de tarefas do novo grupo defender os direitos humanos e a democracia e ampliar a cooperação entre a América Latina e os países do Caribe.
A criação do novo bloco "é de transcendência histórica", completou o presidente cubano, Raúl Castro, durante a sua participação na Calc (Cúpula da Unidade da América Latina e Caribe). "Cuba considera que estão dadas as condições para se avançar com rapidez na constituição de uma organização regional puramente latino-americana e caribenha".
O grupo foi criado para que a região tenha uma voz uníssona nos fóruns multilaterais. O maior apoio à iniciativa vem dos presidentes de esquerda da região, como o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales, que defendem o novo organismo como uma opção ao "imperialismo" dos Estados Unidos.
A ideia é que o novo organismo reúna o Grupo do Rio e a Comunidade do Caribe (Caricom), funcionando paralelamente à OEA, criticada no seu papel de guardiã da democracia regional depois dos seus infrutíferos esforços para reverter o golpe de Estado de junho em Honduras.
Aos olhos dos especialistas, a OEA não conseguiu por completo integrar uma região dividida entre esquerda e direita. Cuba se nega a reintegrar o organismo, depois de uma suspensão de quase meio século por pressões dos EUA.
EUA
Antes da criação do novo grupo regional, autoridades americanas minimizaram os efeitos da Comunidade na OEA.
O secretário geral da OEA, José Miguel Insulza, afirmou em entrevista à rede americana CNN nesta terça-feira que o novo bloco não competiria com a organização. "Não vejo assim. Se trata mais de caminhar e estimular a integração. A OEA tem um papel importante a desempenhar em coisas de caráter hemisférico", declarou Insulza.
Na véspera, o número um da diplomacia americana para a América Latina, Arturo Valenzuela, e o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, utilizaram mesmo tom.
Valenzuela disse nesta segunda-feira que o projeto de criação de um bloco que não tenha participação dos Estados Unidos não incomoda e descartou que esse eventual novo bloco de 32 países suplante a OEA.
Já Shannon disse, durante encontro na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), que nada pode substituir a OEA. "OEA é OEA, um espaço sumamente importante para que todos os países do hemisfério possam ter um diálogo político. Esta importância só vai aumentar com o tempo. A capacidade das Américas, diferentes Américas, Caribe, América Central, América do Sul, de dialogar é uma coisa boa e vamos apoiar."
Burocracia
Um total de 25 chefes de Estado e de governo participam da cúpula, com sete chanceleres. Honduras, que estava na lista de 33 países que deveriam participar do encontro, foi excluído por estar suspenso da OEA (Organização dos Estados Americanos) desde o golpe de Estado de junho de 2009 que tirou Manuel Zelaya do poder.
Segundo o presidente mexicano, o nome Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos ainda não é definitivo e deve ser definido ao longo do processo de constituição que começou nesta terça-feira e deve culminar com as reuniões na Venezuela, em 2011, e no Chile, em 2012.
"Me parece que, como disse Raúl Castro, que o nome não tem que ser o primordial", disse Calderón, ao afirmar que nos próximos encontros da Calc e do Grupo do Rio talvez surja uma opção definitiva.
Calderón explicou ainda que, enquanto os trâmites para a criação não sejam concluídos, a Calc e o Grupo do Rio manterão suas agendas, métodos de trabalho, práticas e procedimentos "a fim de assegurar o cumprimento de seus mandatos". "
(publicado no site da Folha Online, em 23/02/2009)

o homem que se olha...

O homem que se olha ao espelho sabe
Que vai morrer. Não sabe quando ou como
Mas reconhece a finitude da vida
– Da sua vida, de cada vida

Contempla o processo biológico
E admira-se perante o zelo do tempo
A modelar-lhe a velhice no rosto

rui almeida
(blog hospedaria camões)

já ninguém nos toca à porta

já ninguém nos toca à porta
a vender cerejas.

devíamos talvez lembrar
à terra o nosso nome

plantar sílabas frescas
que nos matem a sede

ter um pingo de esperança
na morte depois da vida.

renata coelho botelho
(blog hospedaria camões)

o céu visto de cima

Tu já estavas prometido à tristeza
da cidade mais pequena, mas a noite
tinha passagens secretas, bastava seguir
os sinais.

A sombra de um réptil avançava muito fundo
nos teus estratos, tacteavas num território de pedras difíceis
às vezes perigosas. Depois imergias e a boca estava
amarga outra vez, a roupa amontoada na cadeira
como o princípio de um poema indesejado.

Reflectindo nos teus olhos, o céu
era um lugar inabitável.

rui pires cabral
(do blog hospedaria camões)