22/09/2011

daquilo que sou



neste corpo
onde a vida já anoitece
vivo eu
ventre murcho
cabeça calva
poucos dentes
e eu dentro
como um condenado
dentro e ainda apaixonado
e estou velho
então busco decifrar minha dor com a poesia
mas o resultado é especialmente doloroso
vozes que anunciam: lá vem sua angústia
vozes quebradas: seus dias se foram
acostume-se com suas facadas
a poesia é a única companheira

é a única
 
De lo que soy
En este cuerpo
en el cual la vida ya anochece
vivo yo
Vientre blando y cabeza calva
Pocos dientes
Y yo adentro
como un condenado
Estoy adentro y estoy enamorado
y estoy viejo
Descifro mi dolor con la poesía
y el resultado es especialmente doloroso
voces que anuncian: ahí vienen tus angustias
Voces quebradas: ya pasaron tus días
La poesía es la única compañera
acostúmbrate a sus cuchillos
que es la única.
raúl gómez jattin - colômbia
tradução: roberto soares

a foto acima extraí de noctambulario, ótimo blog mexicano de poesia, complementado por fotografia.
Achei interessante o contraponto entre verbo e imagem: como se um lembrasse a juventude e a vivacidade que se foram pelos dedos, e como se a outra mirasse a vastidão do ser, vislumbrando no oceano do tempo o aniquilamento que  espera a precariedade de sua beleza e sensualidade; o mesmo aniquilamento ao qual o poeta  se sente já condenado, mas que apesar de sentir a vida cada dia mais com um ventre a murchar, ainda assim logra celebrá-la em companhia da poesia, mas celebração sem desnecessárias ilusões e sem medrosos lamentos, poema-celebração cortante como uma faca.
A propósito, este outro poema, um dos raros de Hemingway,  trata também da larga, voraz e aparentemente lenta estrada do tempo - só que, além de também cortante, o poema faz não propriamente uma celebração mas uma espécie de repto, de atrevido desafio ao tempo.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário