14/10/2011

entre a balada e a revolta

Porque essa Marcha Contra  a Corrupção provoca tamanha empolgação da mídia nativa,  Globo à frente, como sempre? E  o Grito dos Excluídos, realizado no mesmo dia que  a marcha começou - 07 de setembro, e o Ocupa Wall Street, porque não têm  a mesma empolgação?
Uma pista, talvez: O Grito, o Ocupa e tantas outras ações espalhadas pelo planeta pedem, ousam muito mais do que uma simples questão local, por mais legítima que ela seja, como o é a questão do Combate à Corrupção.

Só que na Rebelião dos Povos ataca-se, enfrenta-se a  causa da corrupção e de todos os outros problemas que os povos vivem; lá ousa-se pedir, exigir uma transformação radical do modo de vida no planeta, lá ousa-se vislumbrar uma nova forma de organização social e econômica para a humanidade.
Talvez seja por isso a diferença nos graus de empolgação da mídia: aqueles movimentos que ameaçam, de fato, a ordem estabelecida não podem e não devem merecer uma elogios ou mesmo uma cobertura séria, crítica, fundamentada. 

Devem ser desqualificados como baderna, aventura ou irrealistas. Somente os movimentos inofensivos, bem comportados, que seguem o figurino da democracia (aquela democracia  desejada e sustentada pela ordem dominante) esses, sim, devem ser aplaudidos, encorajados, considerados seriamente por repórteres, apresentadores, analistas, acadêmicos, especialistas, e quem mais a ordem estabelecida consegue comprar ou seduzir.

Mesmo porque, um movimento exclusivamente contra a corrupção sempre ajuda a espalhar a ideía de que o atual governo resume-se  apenas a casos de desmandos e bandalheiras com o dinheiro público. E, assim, sempre pode ser útil para determinadas forças políticas derrotadas voltarem a assumir o governo. 

O texto abaixo analisa com bastante propriedade essas ambiguidades da Marcha contra a Corrupção e  da cobertura da mídia nativa.  

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Por Luciano Martins Costa, do Observatório da Imprensa
Apesar do esforço da imprensa brasileira, as manifestações contra a corrupção, que pipocaram no feriado da quarta-feira (12/10) por várias cidades do país, não chegaram a empolgar. As fotografias nas primeiras páginas dos jornais, mostrando jovens de classe média com o rosto pintado, estão mais próximas de uma “balada” do que de expressar sinais de revolta.

Por outro lado, apesar do descaso inicial da imprensa americana, as manifestações inspiradas no movimento “Ocupe Wall Street” se espalham por muitas cidades dos Estados Unidos e se consolidam como uma revolta das classes médias de maioria anglo-saxônica.

As declarações e imagens colhidas pelos jornalistas nas concentrações dos americanos refletem a inconformidade com a situação econômica do país e o fato de adotarem Wall Street como alvo traz um foco muito claro para os protestos.

Maioria silenciosa
O que difere essencialmente os dois acontecimentos?
Primeiro, observe-se a contradição: nos Estados Unidos, onde a imprensa claramente vem tratando com má vontade as manifestações, apenas dando atenção a elas quando ocorreram os primeiros atos de violência policial, os eventos se multiplicam e ganham consistência apesar do descaso inicial da mídia.

No Brasil, desde o primeiro grito do “Cansei!”, a imprensa tenta dar alguma credibilidade a manifestações esparsas contra a corrupção, sem qualquer resultado concreto – falta povo para transformar as passeatas em fato social.
Nem mesmo declarações oportunistas de líderes religiosos – como aconteceu durante a missa festiva na basílica de Aparecida – funciona como liga: a própria igreja católica, afetada por denúncias de pedofilia nunca satisfatoriamente respondidas, carece de autoridade para levantar a voz contra corruptos e corruptores.

A razão para essas diferenças talvez esteja na natureza dos fatos que oficialmente motivam as mobilizações. Os movimentos de massa são sempre impulsionados por uma percepção geral de mal-estar, mas é preciso que exista um ponto focal para tirar as pessoas de seu imobilismo.
Nos Estados Unidos, é clara a percepção de que o mal-estar está relacionado ao sistema econômico, cujo epicentro é a especulação financeira. Wall Street simboliza os responsáveis pelo mal percebido pela maioria silenciosa, e a revolta tem um claro viés de apoio ao esforço do governo Obama de colocar algum controle no cassino.
Quem atira a primeira pedra?

No Brasil, a dificuldade de se identificar um alvo para os protestos começa pela percepção de que a corrupção não pode ser localizada ou personalizada, tal sua presença nas instituições.
Apesar do esforço da imprensa em apontar para Brasília, o cidadão sabe que a corrupção está presente no fiscal que se apropria de parte dos ganhos do feirante, no policial que vende aos condomínios como serviço privado a proteção que é pago para fazer como servidor público, e em muitos outros aspectos da vida civil.

Por outro lado, os cidadãos sabem, ou desconfiam, que a corrupção domina as relações políticas não apenas na capital federal, mas também nos estados e municípios, apesar de esses eventos raramente ganharem manchetes de jornal.

Ao contrário dos Estados Unidos, a situação econômica no Brasil produz uma sensação de bem-estar e otimismo que desestimula desejos de mudança radical. O brasileiro médio sente-se claramente revoltado com os sinais de corrupção e impunidade, mas sabe que, ao aderir a um movimento coletivo, perde a individualidade e passa a ser usado como massa de manobra das lideranças.

E quem são os líderes das passeatas? Por enquanto, ninguém em quem se possa confiar.
O Judiciário, minado pela impunidade, pelos privilégios e pela insistência de seus representantes em rejeitar o controle externo, há muito deixou de ser uma esperança de correção. No Parlamento, o sistema de escambo transforma os supostos representantes dos eleitores em suspeitos preferenciais. E o Executivo, apesar dos últimos esforços destacados pela imprensa, ainda não demonstrou que deseja de fato romper o círculo de dependência imposto pelas alianças partidárias.
Assim, restaria à imprensa a missão de tomar a tocha da moralidade pública e catalisar os protestos em busca de mudanças reais no sistema político-institucional. Mas a mídia é parte e beneficiária do sistema. Se eventualmente se coloca na oposição, é porque faz escolhas ideológicas que a distanciam circunstancialmente do poder político. Além disso, apesar de algumas pesquisas formais apontarem a preservação do núcleo de credibilidade da instituição imprensa, ela está longe de representar os interesses difusos da sociedade.

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