18/06/2012

barbárie tingida de verde

E começou a Rio + 20.
Então, nada mais apropriado do que o artigo de Laerte Braga, que desnuda com contundência um pouco do jogo de cena que está por detrás, não apenas da Rio + 20, mas da própria tentativa de se trasnformar o atual e futuro desastre ambiental numa fórmula para adiar a derrocada do capitalismo.

Seria sectarismo simplista negar a validade deste encontro de cúpula, que tenta avançar em propostas e ações urgentes, sérias, para se tentar evitar o pior, não para o planeta em si, mas para a humanidade, e para outras espécies que o habitam, e que serão levadas de roldão pelos erros humanos.
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Mas a questão é saber até onde é possível negociar com o capitalismo a solução do impasse em que está metido o projeto ocidental de civilização. E, também, refletir sobre até onde é necessária essa negociação.

Ao que se sabe, não é possivel instaurar uma verdadeira racionalidade nos mecanismos de dominação que sustentam o capitalismo. Uma racionalidade voltada para o desenvolvimento das plenitudes do ser humano, e para o convívio inteligente e transcendente com o mundo que rodeia esse mesmo ser humano.

A história, passada e presente, tem dado provas cada vez mais terríveis, sufocantes e absurdas da impossibilidade desse tipo de negociação com o capitalismo, da impossibilidade de humanização do capitalismo.
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Resta pensar seriamente até onde é necessário levar a sério o capitalismo. Claro que muita barbárie, muito sofrimento e muita besteira ainda será provocada pelos atuais mecanismos de dominação das pessoas.
Mas parece cada vez mais claro que, ao lado da impossibilidade de negociação com o capitalismo, cresce a consciência de que não há mais necessidade de levar em conta esse sistema outrora revolucionário e necessário para a história humana, e hoje apenas obsoleto, burro, criminoso e decadente.

É como se as pessoas e povos aguardassem, ou estivessem se preparando para acolher um novo projeto de civilização. Como se fosse uma mera questão de tempo a queda desse sistema obsoleto, mas cada vez mais perigoso, insano e maléfico à esmagadora maioria das pessoas.

O texto de Laerte Braga toca nesse ponto, ao registrar que a legitimidade da Rio + 20 está exatmente no acúmulo de articulações, debates e forças das lutas populares, que se farão presentes na Cúpula dos Povos, evento paralelo ao encontro oficial e institucional da ONU.
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Apenas a título de ilustração literária - e a propósito dessa consciência de povos e pessoas, acerca da obsolescência do atual modelo de organização social e econômica - transcrevo um trecho de uma novela de minha autoria.
Na cena, Dala (personagem-título e personificação do planeta Terra), discorre para o poeta U. suas angustiadas expectativas acerca dos anos decisivos vividos pela humanidade, acerca do impasse em que suas criaturas prediletas estão se envolvendo - e envolvendo a ela própria, Dala.
Na sua fala, Dala também trata levemente da intuição das massas, da 'turba', que suspeita que algo está muito errado, mas uma intuição feita apenas de ironia e de resignação, sem ainda potencial de enfrentamento:
"sim, não se entende o que falta, para onde dar o passo final. tudo ainda são suspeitas, vislumbres no meu horizonte, sussurros trocados entre os astros e estrelas mais próximos de minha trajetória e que escuto sem querer, apostas ora cautelosas ora piedosas sobre o meu destino e o de vossa raça. quanto a mim aprendi, nesses dois mil anos de sustos e aplausos, que não se deve concluir com segurança sobre vós ocidentais. é preciso às vezes apelar para o humor e, então, se não fosse tão trágico, eu diria que a hesitação de vossa raça, nestes esplêndidos e atormentados anos, é uma vingança dos deuses do Olimpo (ou uma feitiçaria dos deuses de áfrica, ásia ou ameríndia) por terdes incumbido o ocidental Prometeu da serpenteante e ígnea tarefa de roubar o fogo do saber e do saber fazer...

enquanto isso, todos esperam, cansam-se... o pensamento exaspera-se, tortura-se, confunde-se, estiola-se, nega-se, volta-se sobre si mesmo, obras e mais obras, a palavra intentando viver de sua própria nave, de sua construção paralela, de si própria palavra, tentando dar vazão à sua própria sede de domínio sobre o Real... a casta dos comandantes acautela-se, perde-se e perde a razão de existir como comando, faz que não ouve a urgência, a possibilidade e a necessidade de um repouso planetário... e a turba dos comandados espera, apenas mais uma vez espera, parecendo ironizar, na sua condição de impotente e ainda faminta de tanto, parecendo dolorosamente debochar dos esforços patéticos e desnecessários dos comandantes para resguardar o domínio da jornada, com suas antiquadas, arrogantes e cruéis barreiras erguidas em volta dos castelos, anéis e plantações...

ah, talvez seja necessário dizer como o suicidoce vidente celan: ‘que um homem saia desta tumba!’, para que de fato o ocidente mergulhe naquele estado de espanto-admiração, mostrado no final da obra de sagan e kubrick, e a partir daí verem-me, a si próprios e ao formidável campo além de mim, ver tudo isto com outros olhos, olhos mais pacificados, mais doces, menos ansiosos... o homem do ocidente como um embrião novo para si próprio, para o meu corpo, para o oriente, para o Real...

ah, equador de calmarias
vibrar o canto e fazer os homens
em cada nascer de luas, maiores:
o mundo precisa de artesãos

o mundo, esta pedra de alabastro
pedra-sabão, âmbar, marfim seleto
peça de ferro cru, a carecer
de têmpera e mãos doces, inspiradas

estão os homens a construir?
estão os homens?”

dala, capítulo 6 (registro bn 248.522)

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