22/12/2012

poema de natal: balada do filho da puta

Sabe-se que não há como fazer julgamentos morais com relação ao desenrolar da história - não se julga pessoas, grupos e classes sociais, povos.

O que se busca entender são as leis complexas, e às vezes obscuras, que conduzem ou motivam as ações de povos, pessoas e classes sociais. E, de posse da compreensão dessas leis, há movimentos, pessoas e partidos que tentam combater os efeitos irracionais dessas leis históricas, propondo a construção de um mundo menos estúpidamente conduzido por leis impesssoais e muitas  vezes desumanas.  Geralmente a esses moviemntos e pessoas se dá o nome de esquerdistas, socialistas, comunistas, revolucionários, e por aí afora.

E há também poetas que acreditam e combatem nessa construção de um outro mundo. Só que poetas não precisam ser tão respeitosos, não precisam seguir à risca a idéia de que não se pode julgar pessoas e popvos. O poeta tem mais liberdade, mais margem de manobra do que inteclecutais, filósofos, cientistas políticos, miliatntes etc.

Só o poeta pode às vezes dar nome aos bois, chamar de filhos da puta aquels que sustentam o capitalismo, ou que ao menos se alimentam das torpezas produzidas pelo capitalsimo. O poeta  às vezes precisa ser de fato profeta, apontar o dedo, acusar impiedosamente, falar em função daquilo que vê e sente aqui e agora, e não em função daquilo que se acredita construir para daqui a décadas ou séculos. O poeta pode e deve chamar de filho da puta àquilo que é filho da puta.

Por isso, ao invés de lembrar o Natal com um poema redentor, crente,  crítrico, amargo ou esperançoso, às vezes é bom variar. Apenas um poema lembrando da existência de filhos da puta, grandes ou pequenos, mas que de qualquer forma alimentam, sustentam a torpeza e a barbárie capitalista atual.

Claro que não são as pessoas, em última instância,  que produzem  o capitalismo ou o socialismo. Mas para o poeta e o profeta existem escolhas, existem projetos de vida e, para eles,  com certeza que muito dos projetos de vida dos capitalistas e de seus alegres agregados é que sustentam o capitalismo e suas torpezas.

Para o poeta  e o profeta com certeza que as utopias do Natal  dos cristãos não estariam tão longínquas, se não houvesse em todos nós humanos uma sedutora e obscura possibilidade de nos transformamos todos em filhos da puta, grandes ou pequenos, disfarçados ou ostensivos, elegantes ou vulgares. Uma possibilidade presente até mesmo nos poetas e profetas. São as contradições de nossa condição humana - com certeza que Freud ainda será muito solicitado pela humanidade, nessa construção de um mundo menos estúpido e irracional.

E parece que a primeira tarefa a realizar, para evitarmos essa perigosa possibilidade, é exatemente estarmos cientes dessa possibilidade de nos transformamos em filhos da puta, é exatamente estarmos lúcidos com relação á hipocrisia, à má fe e aos nossos malabarismos verbais e intelectuais. Afinal, mesmo combatendo o capitalismo, dentro dele ninguém está a salvo.

É preciso outra espécie de compromisso, além do compromisso político, moral. artístico ou humanitário. É preciso um compromisso transcendente, cósmico, um compromisso com o próprio desvelar do Ser e do Mistério.

Aquela espécie de profundo, metafísico  e reverente compromisso que o Cristo do Natal propôs e assumiu, e que depois a História, os filósofos e a Igreja Católica reduziram a imensões bem menores.   
Vamos, então, a um poema de Natal mais apropriado à nossa época (ainda bem que em Portugal os poetas ainda não precisam ser tão politicamente corretos).  

Embora outros poemas mais propriamente de Natal possam ser lidos aqui. 


balada do filho da puta

II
o grande filho-da-puta
também em certos casos começa
por ser
um pequeno filho-da-puta
e não há filho-da-puta
por pequeno que seja
que não possa
vir a ser
um grande filho-da-puta
diz o grande filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que já nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos
diz o grande filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o grande filho-da-puta.

o grande
filho-da-puta
tem uma grande
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o grande filho-da-puta.

por isso
o grande filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o grande filho-da-puta.

todos
os pequenos filhos-da-puta
são reproduções em
ponto pequeno
do grande filho-da-puta
diz o grande filho-da-puta.

dentro do
grande filho-da-puta
estão em ideia
todos os
pequenos filhos-da-puta
diz o grande filho-da-puta.

tudo o que é bom
para o grande
não pode
deixar de ser igualmente bom
para os pequenos filhos-da-puta
diz o grande filho-da-puta.

o grande filho-da-puta
foi concebido
pelo grande senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o grande filho-da-puta.

é o grande
filho-da-puta
que dá ao pequeno
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o pequeno filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.

de resto,o grande filho-da-puta vê
com bons olhos
a multiplicação
do pequeno filho-da-puta:
o grande filho-da-puta
o grande senhor
Santo e Senha
Símbolo Supremo
ou seja, o grande filho-da-puta.

alberto pimenta  - portugal  (1937  -    )



vídeo: conto de fadas, taxar os ricos

será que o pt vai mesmo surpreender?

Interessante: no dia seguinte à publicação neste blog da postagem abaixo, na qual Gilberto Maringoni trata com precisão das limitações e contradições do PT, e três dias depois da fala de Lula, propondo uma retomada das ruas, eis que Zé Dirceu elabora um diagnóstico preciso, cortante, da realidade contraditória e vivida pelo PT, mas realidade provocada e cultivada pelas próprias cúpulas do PT, da qual Zé Dirceu é  talvez  a figura mais proeminente.

Neste momento apreensivo, em que a esquerda latinoamericana vê com esperançosa expectativa os desdobramentos da provável sucessaõ de Chávez no coamdo da ousada revolução bolivariana da Venezuela, tomara que, aqui no Brasil,  a lucidez de Zé Dirceu se traduza em atos concretos de resgate das propostas originais e ousadas do PT de antes de 2002, tomara que ainda haja tempo de a militância e os quadros do PT ainda surpreendeerem e efetivarem a sua própria superação.
Senão teremos que atravessar um longo poríodo de reinvenção da esquerda brasileira, de recriação de um partido efetivamente combativo, popular e orgânico., tal como foi o PT até a eleição de 89. 
Confira abaixo as falas de Zé Dirceu e Lula - a íntegra do texto está em Carta Maior:


LULA E DIRCEU: AS RUAS E A LUTA PELA HEGEMONIA

Lula:"No ano que vem, para alegria de muitos e tristeza de poucos, voltarei a andar por este país. Vou andar pelo Brasil porque temos ainda muita coisa para fazer, temos de ajudar a presidenta Dilma e trabalhar com os setores progressistas da sociedade" (Lula, na posse da nova diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, nesta 4ª feira, 19-12). Dirceu: "O PT falhou ao não estimular, nos últimos anos, uma "comunicação e uma cultura" de esquerda no país. Até nos Estados Unidos tem isso, jornais de esquerda, teatro de esquerda, cinema de esquerda. É uma esquerda diferente, deles, mas que é totalmente contra a direita. Aqui no Brasil não temos nada disso.A classe média está vivendo num paraíso, e isso graças ao Lula. Mas, ao mesmo tempo, está sendo cooptada por valores conservadores. Já disse a Lula que o jogo pode virar fácil. Nós [PT] não temos a maioria, a esquerda ganha eleição no Brasil com 54% dos votos"(José Dirceu;Folha de S Paulo; 22-12-2012)

única sabedoria

a única coisa que sabemos
é aquilo que nos espanta:
que tudo passa, como
se já não tivesse passado

silvina ocampo -  argentina (1903 - 1993)
tradução: roberto soares


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ÚNICA SABIDURÍA
Lo único que sabemos
es lo que nos sorprende:
que todo pasa, como
si no hubiera pasado.






21/12/2012

o pt ainda pode surpreender?

Enquanto na Venezuela se discute febril e ansiosamente o futuro da revolução  bolivariana, com o provável afastamento de seu líder maior, no Brasil o que chama  a atenção é a estranha passividade com que o PT aceita os ataques do judiciário e da mídia ao seu líder maior. 

Gilberto Maringoni, no texto abaixo, retrata com competência o porquê dessa passividade, como ela é fruto de uma opção política. Opção que, sem dúvida nenhuma, tem feito avançar as transformaçãoes sociais e econômicas no país governado pelo PT, mas que têm também seus limites e contradições. 

Na verdade, há já muitos anos que se sabe que a grande questão é definir até quando o PT e os seus governos  poderão resistir a esses ataques, pressões e até quando poderão resisitir às  suas próprias contradições.
Há muitos anos já se sabe que o que importa é definir se o PT será capaz de superar a si próprio, ou se terá daqui a alguns anos cumprido o seu papel histórico, dando lugar a aoutras forças de transformação social no Brasil. 

Tudo pode acontecer, afinal quem conhece e vivencia o PT sabe que apesar de suas contradições e apesar das escolhas e imposições de suas cúpulas, sabe que o PT ainda é capaz de surpreender.  

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Não se mexe em time que está apanhando
Por que o PT fica passivo diante dos ataques que sofre da mídia? Por que o partido não reage diante de óbvios vícios no chamado processo do mensalão? Por que não colocou em pauta a CPI da Privataria? Essa passividade foi meticulosamente construída para fazer da sigla uma máquina eleitoral eficiente, mas desfibrada para disputar a hegemonia na sociedade
por Gilberto Maringoni, em cartamaior


A passividade quase letárgica que o PT exibe nesses dias de ataques da mídia não é obra do acaso. É construção de mais de duas décadas, desde pelo menos o início dos anos 1990. Naquela ocasião, a direção do então Campo Majoritário decidiu que o partido precisaria se apresentar de forma mais moderada para ganhar o eleitorado de classe média e facções do empresariado em sua jornada para fazer de Lula presidente do Brasil.


Começou ali um processo de duas vias. De um lado, isolava-se a esquerda interna, tirando-a de postos de direção. De outro, tinha início uma paulatina moderação nas propostas programáticas. Não foi uma rota tranqüila. Houve expulsões de correntes – como a Convergência Socialista, em 1992 – e o episódio traumático da cassação da candidatura de Wladimir Palmeira a governador do Rio, em 1998. A postulação do então deputado federal pela sigla jogava areia numa articulação maior, que visava fazer de Leonel Brizola vice na chapa de Lula. Para tanto, o PDT reivindicava Antony Garotinho na cabeça de chapa estadual.


No terreno programático, temas como renegociação da dívida externa ou estatização do sistema financeiro deram lugar à Carta aos Brasileiros, em 2002, que advogava o cumprimento estrito dos contratos firmados pelos governos tucanos.
Como tática eleitoral, a moderação e o transformismo foram um sucesso. O PT cresceu em número de votos pelo país. Mas começou a ficar perigosamente parecido com os demais.


Rebeldia como problema
A expansão da máquina partidária e a profissionalização de parte da militância como funcionários de prefeituras e governos de estado, ao longo desses anos, acentuaram uma diluição tática. A rebeldia deixava de ser vista como fenômeno positivo e passara a ser encarada como ruído a ser removido do comportamento político coletivo.


A partir da eleição de Lula, em 2002, a passividade ganhou ares de grande sabedoria. “Agora somos governo e temos de ir com calma” e “olhem a correlação de forças” passaram a ser o fraseado corrente, a justificar a defesa e aprovação de propostas impensáveis à agremiação de anos antes, como a reforma da previdência, a lei de falências ou a entrada de capital externo nas empresas de mídia.


O partido paulatinamente deixou de disputar hegemonia na sociedade; passou a disputar apenas votos. Abandonou um projeto de poder – entendido aqui como projeto para dirigir o país – e tornou a conquista de pedaços do aparelho de Estado em sua atividade-fim. Nessa lógica de eleição a qualquer custo, o centro da atividade partidária passou a ser a constituição de governos de coalizão.


Coalizões amplas são necessárias para se potencializar a luta política e isolar adversários. Para o PT real, as coalizões tornaram-se úteis para a obtenção de maiorias parlamentares, mesmo que inimigos de outros tempos estejam abrigados sob o guarda-chuva da máquina pública.


O ambiente de pragmatismo a toda prova pauta a montagem do governo federal. Como a militância poderia investir contra a direita, se vários de seus membros mais ilustres, como Jorge Gerdau, Paulo Maluf, José Sarney, Michel Temer e outros estão abrigados sob as asas do condomínio governista?


Ambigüidades nas críticas
Os petistas não podem se rebelar contra o STF, por um motivo simples: quem nomeou oito dos 11 membros daquela corte foram os presidentes Lula e Dilma. Assim, atacar a cúpula do Judiciário - se a crítica for sincera - significa investir contra os responsáveis últimos por sua composição.


Tampouco os petistas podem ir muito fundo em suas investidas contra a imprensa, uma vez que o ministro Paulo Bernardo cuida zelosamente, na administração federal, para que nenhuma iniciativa sobre regulação dos meios de comunicação prospere no âmbito oficial. A ministra Helena Chagas, Secretária de Comunicação Social da Presidência da República, por sua vez, atua para que a presidenta conceda entrevistas exclusivas para a TV Globo e a revista Veja, entre outros, além de manter alentados contratos de publicidade governamental com esses e outros órgãos da grande mídia. Para a mídia alternativa, o regime é na base do pão é água, em geral sem um e outro.


Os membros do Partido dos Trabalhadores, alem disso, não podem ir muito além da superfície na crítica à mola mestra dos governos FHC, as privatizações. O PT no governo vendeu estradas, aeroportos, bancos estaduais, empresas de telefonia (na gestão Antonio Palocci, em Ribeirão Preto) e se esmera nas parcerias com as Organizações Sociais (OSs), modalidade de privatização disfarçada, criada nas gestões tucanas. Por isso, o partido – na figura do presidente da Câmara, Marco Maia – engavetou a CPI da Privataria, no início de 2012. Atacar os adversários equivaleria a se voltarem para as próprias responsabilidades na questão.


Indignação burocrática
Como tem agido a direção partidária? Não formula e não se defende. Justifica. Tenta explicar, num grande contorcionismo verbal, todas as ações da do governo.
Isso não mobiliza e não incentiva a saudável rebeldia de outros tempos.


Assim, a cúpula petista construiu o partido que queria. Os vídeos com falas monocórdias, mas pretensamente indignadas, de Rui Falcão, presidente da sigla, nas últimas semanas, veiculados pelo site do partido, são o melhor retrato da inércia dirigente.


Não é de se estranhar, depois disso tudo, que nem a popularidade recorde do governo – motivada por políticas positivas de aumentos do salário mínimo e expansão do crédito - incentive as lideranças a mudarem de posição e irem à luta. Tais iniciativas são positivas, mas parecem estar batendo no teto. Os serviços públicos seguem deficientes e não há no horizonte propostas de mudanças na estrutura do Estado.


O raciocínio que se vê entre petistas é algo como “com todos os ataques, Lula e Dilma seguem em alta”. Ou seja, “não se mexe em time que está apanhando”...


(Apesar de tudo, a mídia de direita deve ser frontalmente combatida, o sistema financeiro tem de ser enquadrado e o STF deve ser denunciado. Que presidentes da república tenham mais responsabilidade na hora de compor o órgão máximo da Justiça brasileira).

o meu quinhão


toda a gente anda ocupada com alguma coisa
a avó a fiar lã
com as suas mãos secas e enrugadas como pepinos
deixados no campo
depois das sementes lhes terem sido extraídas
está ocupada com alguma coisa;
o negociante que compra e vende terras
e o estudante que é avaliado
nas matérias que não lhe foram ensinadas
estão ocupados com alguma coisa;
o caixa do banco que se questiona sobre a relação
entre as suas mãos e o dinheiro que conta sem parar
e o adminsitrador que ontem casou a filha mais velha
o piloto que se prepara para um novo voo
com a sua mala que já viu tantos países
o bombeiro que passou um dia descansado
com as suas memórias de incêndios
o trabalhador que acorda para fazer o turno da noite
e a sua raiva adormecida
a galinha na capoeira anda ocupada com alguma coisa
preparando-se para os pintaínhos que parecem algodão-doce

e o que sobrou para mim foi escrever poesia.
 
salih boat

venezuela: o começo de uma nova etapa

Eric Nepomuceno, em carta maior 
Nas eleições regionais do domingo, 16 de dezembro, o Partido Socialista Unido da Venezuela, o PSUV do presidente Hugo Chávez, varreu o país: ganhou em 20 dos 23 estados. Entre os conquistados estão cinco que eram governados pela oposição. E, desses cinco, pelo menos dois têm sabor especial: Zulia, maior produtor de petróleo, e Carabobo, o terceiro mais populoso do país.

Já a oposição manteve o governo de Miranda, e essa foi uma vitória de importância capital: o vencedor, Henrique Capriles, o mesmo que foi amplamente derrotado por Hugo Chávez na recente disputa pela presidência, venceu Elias Jaua, que até outubro era o vice-presidente da República.

O resultado das eleições regionais é, de certa forma, bom para os dois lados. Para a oposição, porque manteve Capriles em evidência, reforçado por haver derrotado alguém muito chegado a Chávez. Depois de ter conseguido unir todos os oposicionistas ao redor de seu nome e obter uma votação significativa (cerca de 46%) em outubro, perder o governo de Miranda congelaria sua carreira. Com a vitória se confirma como principal nome oposicionista numa eventual nova eleição presidencial.

Para o PSUV de Chávez, o fato de conquistar 20 dos 23 governos em disputa reafirma sua consistente maioria no âmbito nacional, o que não deixa de ser uma sólida base para o inicio da nova e delicada etapa que se abre na Venezuela.

Qual nova etapa? A do desafio de manter a revolução bolivariana sem seu principal líder. Porque, a esta altura, está praticamente descartado que Hugo Chávez se recupere da cirurgia que fez em Cuba a tempo de assumir, no dia 10 de janeiro, seu quarto mandato presidencial. Só os especialmente otimistas ou os olimpicamente ingênuos acreditam nessa possibilidade.
Não foi à toa, e muito menos um gesto histriônico, o pedido de Chávez para que o povo bolivariano apoie Nicolás Maduro, nomeado seu sucessor.

É muito alta a possibilidade de que dentro de menos de dois meses os venezuelanos sejam novamente convocados às urnas para escolher seu presidente. Correm rumores de que se estaria procurando uma alternativa, como prorrogar o prazo para Chávez assumir. Ainda assim, convém se preparar para novas eleições.

Chávez, apesar de seu voluntarismo surpreendente e de sua ousadia muitas vezes desconcertante, é um político habilidoso e experiente. E, em momentos críticos, soube mostrar-se realista. Foi assim agora, quando exibiu friamente a realidade: são grandes a possibilidades de que ele não se recupere, ou não possa mais exercer plenamente a condução do processo político que inaugurou há treze anos. Um processo político tenso, que mudou a face do país e o cotidiano de milhões de venezuelanos e que certamente exige uma capacidade física que ele já não tem nem terá.

Admitiu com todas as letras que o que está em risco elevado é sua própria vida. Se voltar, não terá as condições de antes – mesmo considerando-se esse ‘antes’ como o último ano e meio, de extremos sacrifícios pessoais causados pelo câncer. Será um Chávez extremamente debilitado fisicamente: afinal, foram quatro operações prolongadas e complexas em pouco mais de dezoito meses.

O comandante da revolução bolivariana sabe disso, e deixou claro que a Venezuela começa a viver uma etapa de transição. Voltando ou não, o cenário será outro. Seu estado de saúde passou a ser um obstáculo quase intransponível para a condução do país.
Assim, de certa forma ele se despediu do poder. E essa despedida inaugura um período de profundas incertezas não só na Venezuela, mas em toda a América Latina.

Um aspecto merece atenção: a transição venezuelana está acontecendo muito antes do que se podia prever. Apesar de sua saúde debilitada, Chávez não demonstrava um estado tão grave como o que admitiu ao comunicar que iria se operar novamente e que por isso nomeava um sucessor. Sob muitos aspectos, é possível concluir que nem ele mesmo soubesse da sua verdadeira situação.

Diante desse quadro, as eleições do domingo 16 de dezembro foram um teste positivo para o processo político conduzido por Chávez até aqui. Conquistar 20 de 23 estados foi um passo importante. Miranda ficou onde estava, ou seja, com a oposição. Somados, o eleitorado de Zuila e Carabobo, agora em mãos chavistas, mais que dobra o do estado governado por Henrique Capriles. Além disso, em 12 desses 20 estados foram eleitos militares seguidores do comandante da revolução bolivariana.

Nicolas Maduro, se não sai muito fortalecido das eleições regionais – afinal, ele mal teve uma semana como presidente interino –, ao menos passou a pisar um terreno mais sólido para a disputa eleitoral que, a menos que ocorra um milagre, terá pela frente. Também no cenário externo ele conta com um apoio que tem reflexos nítidos entre os chavistas, principalmente nas Forças Armadas: é um interlocutor privilegiado dos cubanos. Raúl Castro manifestou ao presidente venezuelano, em mais de uma ocasião, sua simpatia pelo chanceler chavista. Isso talvez sirva para acalmar, no seu devido momento, os setores militares que preferiam ter um de seus pares nomeado sucessor de Chávez.

Já as muito diferentes e às vezes antagônicas correntes que integram o movimento bolivariano são mais difíceis de permanecer aglutinadas sem a figura centralizadora de Chávez. Seu sucessor, considerado negociador hábil, terá pela frente, em todo caso, um argumento importante e indiscutível: o país é, definitivamente, outro. A maioria da população foi beneficiada ao longo dos últimos 13 anos, e não aceitará facilmente pôr em risco suas conquistas, quer diante de uma oposição conservadora, quer diante de divisões internas dentro do próprio processo político atual.

obras de caridade


vigiar os polícias
ensinar os professores
confessar os padres
burlar os juristas
abater os talhantes
sangrar os médicos
condenar os juízes
difamar os críticos
morder os cães
comprar as batatas aos lavradores

alberto pimenta  -  portugal  (1937 -   )



canções quase sem palavras

1
Tão longe
o pássaro
voa
que entre ele e mim cabia qualquer fábula.

2
Há que escolher
entre ser a manhã
ou então escrevê-la.

3
Ó giesta amarela,
tão amarela,
tão,
que perdi o hábito.

4
Duma palavra a outra
a nuvem mudou com o vento
e uma mentira escrevi.

ulalume gonzález  - uruguai (1932 - 2009)
tradução: rua das pretas






o mundo em 2012

Emir Sader, em carta maior

Os marcos mais gerais do panorama internacional são a prolongação da crise econômica do capitalismo, iniciada em 2008, assim como os focos de enfrentamento militar promovidos pela hegemonia imperial norteamericana.

A crise, retomada com força em 2011, seguiu devastando as sociedades europeias, com seu foco concentrado na Grécia, em Portugal, na Espanha e na Itália, estendeu seus efeitos para o conjunto da economia europeia, que entrou em recessão. Teve continuidade a expropriação de direitos fundamentais da população, fazendo com que essa crise marque o fim do Estado de bem estar social, que caracterizou a Europa nas três décadas imediatamente posteriores à segunda guerra mundial.

Não há horizonte de recuperação econômica e de superação da crise para os próximos anos, fazendo com que a década inteira seja marcada por retrocessos. São os próprios fundamentos da unificação europeia – a unidade monetária – que estão em questão, sem que haja força política dos países mais vitimados pela crise, para recolocar em discussão as bases dessa unidade. A unificação, da forma como foi concebida e colocada em prática, terminou sendo uma armadilha, da qual a Europa não se mostra capaz de sair, pesando sobre o conjunto da economia internacional como um fator recessivo.

A economia norteamericana, por sua vez, às voltas com a difícil resolução dos seus déficits, ja não poderá desempenhas o papal de locomotiva da economia mundial. O crescimento da China, mesmo em patamar inferior ao das décadas passadas, segue sendo o fator dinâmico mais forte da economia mundial, aumentando proporcionalmente seu peso, em contraste com a estagnação dos EUA, da Europa e do Japão.

A América Latina passou pelo seu pior ano em termos de desempenho econômico, desde que conseguiu retomar um ciclo econômico expansivo, sob os efeitos da recessão internacional e da diminuição da demanda do centro do capitalismo.

De qualquer maneira, uma crise como a atual, no centro do sistema, que em outras circunstâncias teria levado a todos os nossos países a recessões profundas e prolongadas, conseguiu ser enfrentada apenas com a diminuição dos ritmos de crescimento. Porque a nova configuração da economia mundial já apresenta um mundo economicamente multipolar, de forma que nossas economias, com a diversificação da sua inserção internacional, puderam contar com o comercio com a Ásia, com a intensificação do comercio de integração regional e com a expansão dos mercados internos de consumo popular, para resistir à crise.

A perspectiva é de recuperação de ritmos um pouco maiores de crescimento econômico para 2013, porem sem voltar aos níveis que tivemos na década passada.

Do ponto de vista geopolítico, nos focos centrais de guerra – Iraque, Afeganistão, Palestina, Síria – se intensificara os conflitos. Ao anuncio da retirada das tropas do Iraque e do Afeganistão, não se corresponde uma diminuição do ritmo dos combates, das ações da resistência interna e das baixas das tropas de ocupação, não se prevendo uma normalização militar e tampouco estabilidade politica nesses dois países, que seguirão sendo epicentros de enfrentamentos militares.

A Palestina sofreu uma nova ofensiva contra Gaza e a continuidade da ocupação pela multiplicação dos assentamentos israelenses no seu território, mas o cenário politico teve mudanças, com o reconhecimento da Palestina como pais observador na ONU. A votação trouxe também a novidade do esfacelamento do bloco ocidental solidário com os EUA, com a quase totalidade dos países europeus votando a favor da Palestina ou se abstendo, deixando os EUA reduzido a aliados de pouca projeção.

Esse novo estatuto da Palestina representa a aceitação do seu Estado, assim como a possibilidade de participação em Tribunais internacionais, onde é possível a aprovação de condenações concretas de Israel pela ocupação da Palestina e por outras ações repressivas contra o povo palestino.

No entanto, não reaparece ainda em Israel uma força interlocutora desse amplo consenso internacional favorável à Palestina, que permita destravar a situação atual de bloqueio dos processos de paz e de reconhecimento formal do Estado palestino. Pode-se prever que se fortaleçam vozes dissidentes em Israel no futuro imediato, sob a pressão também dos EUA, que se desgasta ao se isolar no apoio às politicas belicistas de Israel.

O foco que mais intensificou os enfrentamentos militares foi a Síria. Desapareceram as mobilizações populares dos dois lados e a situação ficou totalmente marcada pelos bombardeios da parte do governo sobre zonas sob influência ou controladas pela oposição, e ações terroristas por parte desta.

Como tendência, se pode constatar um fortalecimento politico da oposição, com reconhecimento internacional quase generalizado, enquanto o governo sírio conta apenas com o apoio do Irã, da Rússia e da China, mas também sob os efeitos do enfraquecimento do governo de Assad, já se nota, pelo menos por parte da Rússia, um certo distanciamento em relação ao governo de Assad. O Irã mantem firmemente seu apoio, até porque sabe que a eventual queda do governo de Assad deixa o Irã como principal foco de ataques do bloco ocidental na região. Provavelmente se acelerarão os apoios militares externos à oposição, na busca de intensificar as pressões sobre o governo de Assad, com perspectivas de enfrentamentos ainda mais violentos no próximo ano, ate’ que se vislumbre uma solução à prolongada e violenta crise síria.

Na América Latina, o quadro atual tende a estabilizar-se, com a relativa recuperação econômica. No Equador Rafael Correa deve se reeleger em fevereiro, restando saber que tipo de maioria manterá no Congresso, diante das forças de direita e de ultra esquerda que se opõem ao governo.

As eleições no Paraguai tem previsões incertas, diante das duas principais forças opositoras – partidos Colorado e Liberal -, com as candidaturas mais fortes, pela divisão – até aqui – do campo de Fernando Lugo, com dois candidatos. Se chegarem a se unificar, podem ter chances de disputar a presidência.

A situação da Venezuela está na dependência da situação de saúde de Hugo Chavez. Caso ele possa tomar posse e o país possa evitar novas eleições presidenciais, as perspectivas imediatas são positivas, mesmo se Chavez não possa retomar seu cargo. Ainda com eleições eventuais, no imediato a herança de Chavez é suficientemente forte – confirmada pela eleição de governadores – para tornar favorito a Maduro para dar continuidade ao processo bolivariano na Venezuela.

Na Argentina o quadro de instabilidade tende a se prolongar, pelo menos até as eleições parlamentares, quando o governo se joga a possiblidade – pouco provável hoje – de conseguir 2/3 no Parlamento, para promover a reforma constitucional que permitiria a Cristina se candidatar a um terceiro mandato. Caso não consiga, se abre diretamente o clima de uma disputa aberta pela presidência na sucessão de Cristina. Caso essa maioria seja obtida, Cristina seria favorita – mesmo que enfraquecida em relação à eleição anterior – para seguir como presidente.

No cenário continental, a maior novidade é a extensão do Mercosul, com o ingresso da Venezuela e da Bolívia, e a provável entrada próxima do Equador. Esse novo panorama rompe com os círculos viciosos de disputa por corporações privadas brasileiras e argentinas por mercados, permitindo que o Mercosul venha a dispor de um efetivo projeto de integração econômica, social, tecnológica, educacional, de meios de comunicação – entre outras esferas. O Mercosul passará a dispor de uma homogeneidade que entidades como o Mercosul, por exemplo, não dispõe, por este conter países que tem Tratados de Livre Comércio com os EUA. Essa nova configuração do Mercosul pode ser a maior novidade no processo de integração regional na segunda década de governos progressistas na América Latina.