22/12/2012

poema de natal: balada do filho da puta

Sabe-se que não há como fazer julgamentos morais com relação ao desenrolar da história - não se julga pessoas, grupos e classes sociais, povos.

O que se busca entender são as leis complexas, e às vezes obscuras, que conduzem ou motivam as ações de povos, pessoas e classes sociais. E, de posse da compreensão dessas leis, há movimentos, pessoas e partidos que tentam combater os efeitos irracionais dessas leis históricas, propondo a construção de um mundo menos estúpidamente conduzido por leis impesssoais e muitas  vezes desumanas.  Geralmente a esses moviemntos e pessoas se dá o nome de esquerdistas, socialistas, comunistas, revolucionários, e por aí afora.

E há também poetas que acreditam e combatem nessa construção de um outro mundo. Só que poetas não precisam ser tão respeitosos, não precisam seguir à risca a idéia de que não se pode julgar pessoas e popvos. O poeta tem mais liberdade, mais margem de manobra do que inteclecutais, filósofos, cientistas políticos, miliatntes etc.

Só o poeta pode às vezes dar nome aos bois, chamar de filhos da puta aquels que sustentam o capitalismo, ou que ao menos se alimentam das torpezas produzidas pelo capitalsimo. O poeta  às vezes precisa ser de fato profeta, apontar o dedo, acusar impiedosamente, falar em função daquilo que vê e sente aqui e agora, e não em função daquilo que se acredita construir para daqui a décadas ou séculos. O poeta pode e deve chamar de filho da puta àquilo que é filho da puta.

Por isso, ao invés de lembrar o Natal com um poema redentor, crente,  crítrico, amargo ou esperançoso, às vezes é bom variar. Apenas um poema lembrando da existência de filhos da puta, grandes ou pequenos, mas que de qualquer forma alimentam, sustentam a torpeza e a barbárie capitalista atual.

Claro que não são as pessoas, em última instância,  que produzem  o capitalismo ou o socialismo. Mas para o poeta e o profeta existem escolhas, existem projetos de vida e, para eles,  com certeza que muito dos projetos de vida dos capitalistas e de seus alegres agregados é que sustentam o capitalismo e suas torpezas.

Para o poeta  e o profeta com certeza que as utopias do Natal  dos cristãos não estariam tão longínquas, se não houvesse em todos nós humanos uma sedutora e obscura possibilidade de nos transformamos todos em filhos da puta, grandes ou pequenos, disfarçados ou ostensivos, elegantes ou vulgares. Uma possibilidade presente até mesmo nos poetas e profetas. São as contradições de nossa condição humana - com certeza que Freud ainda será muito solicitado pela humanidade, nessa construção de um mundo menos estúpido e irracional.

E parece que a primeira tarefa a realizar, para evitarmos essa perigosa possibilidade, é exatemente estarmos cientes dessa possibilidade de nos transformamos em filhos da puta, é exatamente estarmos lúcidos com relação á hipocrisia, à má fe e aos nossos malabarismos verbais e intelectuais. Afinal, mesmo combatendo o capitalismo, dentro dele ninguém está a salvo.

É preciso outra espécie de compromisso, além do compromisso político, moral. artístico ou humanitário. É preciso um compromisso transcendente, cósmico, um compromisso com o próprio desvelar do Ser e do Mistério.

Aquela espécie de profundo, metafísico  e reverente compromisso que o Cristo do Natal propôs e assumiu, e que depois a História, os filósofos e a Igreja Católica reduziram a imensões bem menores.   
Vamos, então, a um poema de Natal mais apropriado à nossa época (ainda bem que em Portugal os poetas ainda não precisam ser tão politicamente corretos).  

Embora outros poemas mais propriamente de Natal possam ser lidos aqui. 


balada do filho da puta

II
o grande filho-da-puta
também em certos casos começa
por ser
um pequeno filho-da-puta
e não há filho-da-puta
por pequeno que seja
que não possa
vir a ser
um grande filho-da-puta
diz o grande filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que já nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos
diz o grande filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o grande filho-da-puta.

o grande
filho-da-puta
tem uma grande
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o grande filho-da-puta.

por isso
o grande filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o grande filho-da-puta.

todos
os pequenos filhos-da-puta
são reproduções em
ponto pequeno
do grande filho-da-puta
diz o grande filho-da-puta.

dentro do
grande filho-da-puta
estão em ideia
todos os
pequenos filhos-da-puta
diz o grande filho-da-puta.

tudo o que é bom
para o grande
não pode
deixar de ser igualmente bom
para os pequenos filhos-da-puta
diz o grande filho-da-puta.

o grande filho-da-puta
foi concebido
pelo grande senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o grande filho-da-puta.

é o grande
filho-da-puta
que dá ao pequeno
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o pequeno filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.

de resto,o grande filho-da-puta vê
com bons olhos
a multiplicação
do pequeno filho-da-puta:
o grande filho-da-puta
o grande senhor
Santo e Senha
Símbolo Supremo
ou seja, o grande filho-da-puta.

alberto pimenta  - portugal  (1937  -    )