27/04/2012

eu não vou me adaptar

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

“Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria
Os anos se passaram enquanto eu dormia
E quem eu queria bem me esquecia...
Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar... Me adaptar... Me adaptar...
Eu não tenho mais a cara que eu tinha
No espelho essa cara não é minha,
Mas é que quando eu me toquei achei estranho
A minha barba estava desse tamanho”.
(Titãs, letra e música de Arnaldo Antunes)

Esta canção, composta por Arnaldo Antunes e interpretada pelo grupo musical Titãs, deixa transparecer um mal estar indefinido, nebuloso. O personagem anônimo da canção faz supor a ideia de um descompasso entre a evolução sociocultural e o crescimento pessoal. Um desencontro que deixa feridas abertas e profundas. Aquele que era o “brinquedo animado” da família enquanto criança torna-se, na passagem para a juventude, um verdadeiro “problema”. Eu não encho mais a casa de alegria!...

A música é um grito! Um grito de quem se sente um estranho, tanto diante da sociedade em seu ritmo alucinado, quando no interior da própria casa. Clamor sem nome e sem remédio que brota atualmente do clima de não poucas famílias, em especial nos porões e periferias das grandes metrópoles. Gritos de uma rebeldia insuspeitada, com destaque para a situação dos jovens e adolescentes. Uma estranheza pungente e dolorida, descoberta frente a si mesmo. No espelho eu não tenho a cara que eu tinha, essa cara não é minha!...

Consciente ou inconscientemente, o compositor alerta para um progresso díspar, tão marcante na trajetória histórica brasileira. Por um lado, crescem vertiginosamente a produção, o comércio e o consumo. Torna-se mais fácil o acesso a uma série de bens, os quais costumam ser adquiridos com a mesma velocidade com que, em seguida, são banalizados e banidos. Multiplicam-se os itens do lixo com utensílios descartados antes mesmo de ser utilizados, ou até desembalados. Não faltam coisas, mas estas escondem uma espécie de existência sem-sentido.

Por outro lado, esse progresso técnico, por uma parte, e o crescimento físico do indivíduo, por outra, encontram-se em profunda disparidade com um amadurecimento afetivo e emocional, psíquico e espiritual. Subitamente, eu não caibo mais nas roupas que eu cabia... Enquanto mundo ao redor caminha a passos largos, geometricamente, a maturidade individual parece avançar de forma lenta, aritmeticamente. Ambas as esferas seguem órbitas diferentes e paralelas. Criam-se linguagens desconectadas, uma de costas para a outra. Rompe-se a possibilidade de qualquer diálogo.

Essa sensação de “estrangeiro no próprio país, falta de cidadania ou de órfão em sua casa”, que vem à tona em forma de melodia-protesto, na maior parte das vezes permanece silenciosa ou silenciada. Grito estrangulado, engolido a seco ou com as lágrimas amargas do abandono, da solidão e da impotência. E acaba gerando sintomas de uma enfermidade generalizada, um novo “mal estar da civilização” para ater-se à expressão de Freud.

Os resultados costumam ser altamente nefastos e irreversíveis. Diante do descaso da saúde pública e da sociedade como um todo, os jovens em geral buscam alternativas no álcool e no cigarro, no crack ou em outras drogas, no sexo fácil ou na violência gratuita. Gemidos isolados de vozes mutiladas, que dizem o que ninguém ouve e escutam o que ninguém diz!...
Disso resulta a dificuldade de adaptar-se, refrão da música. Como se os anos tivessem passado, enquanto eu dormia!... Uma avalanche de coisas, fatos, relações e novidades, em ondas cada vez mais numerosas e poderosos, atropela o ritmo dos pés, do coração e da alma humana. De repente, sentimo-nos como tartarugas, ultrapassadas pelas passadas quilométricas de um gigante chamado Tempo. Impossível mastigar, engolir, digerir e ruminar tudo o que se vê e se ouve, ou tudo o que ocorre em volta. Mais fácil, infinitamente mais fácil, buscar um analgésico... Coisa que não falta nas farmácias de cada esquina!

22/04/2012

venezuela, argentina, brasil, colômbia: viva a luta de latinoamérica

Neste mês de abril a luta popular latinoamericana relembra os dez anos da humilhante derrota imposta pelo povo venezuelano aos golpistas que, em abril de 2002, tentaram depor o comandante popular - e presidente legitimamente eleito - Hugo Chávez, tentativa golpista que, ao final, se revelou uma inciativa grotesta e risível - embora com a arrogância e brutalidade sempre).
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E como se fosse um presente, uma celebração dessa vitória não apenas do povo venezuelano, mas de toda a luta popular da latinoamérica, eis que agora a corajosa presidenta Cristina, da Argentina, impõe outra derrota ao capital espoliador, representado dessa feita pela petrolífera espanhola Repsol.
A batalha ainda está se desenrolando, com as costumeiras ameaças de retaliação econômica e política por parte dos países ricos.

Mas, com certeza, serão desmentidos os prognósticos pessimistas e os alertas ameaçadores, feitos por analistas, jornalistas globais não globais, intelectuais e acadêmicos presunçosos e seduzidos pelo capital. Da mesma forma como foram desmentidos os mesmos alertas e prognósticos, feitos pelos mesmos personagens - os mesmos papagaios do capital e d aordem dominate - quando da reestrução da dívida argentina, feito pelo outro Kirchner, o Nestor.
Hoje, esses mesmos papagaios se calam, quando falam daquela moratória, já que têm que engolir o crescimento e a recuperação da Argentina, em função exatamente de sua atitude digna e corajosa ao caminhar na contramão do neoliberalismo, ao promover um enfrentamento solitário contra a arrogância e a desumanidade dos mercados financeiros.
(de novo, os papagaios)
(e para  aluta popular planetária, claro)
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Em várias situações os dois últimos governos peronistas da Argentina fizeram enfrentamentos mais contundentes do que os três governos petistas no Brasil. Iniciaram o processo de democratização da mídia , com a aprovação da Lei de Meios; na área dos direitos humanos, e do resgate da memória nacional, têm feito valer posições mais contundentes de investigação dos crimes dos gorilas da ditadura (1976-1983); e, agora, com o resgate da YPF, mais uma vez enfrentam as adversidades e as poderosas pressões dos países ricos, ao colocar em primeiro lugar a soberania nacional e as necesidades econômicas do país, desafiando os mantras e dogmas do neoliberalismo, questionando a legitimidade de uma privatização que, mesmo que correta em termos de comércio e de direito internacional, não o é em termos de dignidade e de soberania para o povo argentino.

Bem que este terceiro governo do PT poderia ir pelo mesmo caminho e fazer algum enfrentamento mais contundente com as estruturas econômicas do capitalismo. Um bom começo seria rever o fraudulento processo de privatização da VALE DO RIO DOCE – há uns anos atrás, mudaram até o nome, tiraram o RIO DOCE, para apagar da memória nacional suas origens brasileira, e mineira, para fazer esquecer que uma das maiores empresas de mineração do mundo foi construída com os esforços e com a competência do povo de um país da periferia do capitalismo.

E assim também foi construída uma das maiores empresas de petróleo do mundo, a PETROBRÁS. Aliás, todo mundo se lembra de como o governo FHC tentou vender a PETROBRÁS, iniciando o seu processo de desmonte exatamente pela grotesca tentativa de mudança de nome – queriam mudar para PETROBRAX: risível.
E ainda tem gente que - na sua eterna e imbecilizada submissão aos símbolos e valores dos antigos colonizadores - acha que essas usurpações significam modernidade...

De qualquer forma é preciso reconhecer alguns avanços- simbólicos ou concretos – do governo Dilma: já nos primeiros meses de governo, numa demonstração de soberania e de solidariedade com o povo argentino, simplesmente proibiu que aviões da Inglaterra, com destino às Malvinas, pousassem em solo brasileiro. Têm feito esforços , ou ao menos não têm colocado obstáculos, para a implantação da Comissão da Verdade, que irá apurar os crimes da ditadura dos gorilas brasileiros. E, recentemente, têm iniciado um processo de enfrentamento com os grandes bancos, com o objetivo de abaixar os CRIMINOSOS juros cobrados dos trabalhadores. Esse enfrentamento contra essa BANDIDAGEM FINANCEIRA já deveria estar acontecendo desde o governo Lula, mas antes tarde do nunca.

Falta, ainda, o governo Dilma saldar uma outra dívida dos governos petistas para com o país: a democratização dos meios de comunicação, através de um marco regulatório que se arrasta há anos, com os governos petistass paralisados e assustados pelo poder fascista, manipulador e golpista dos grandes grupos de comunicação.
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imagem extraída mensagem
de ano novo das farc, citada abaixo

E já que estamos falando de resgates da soberania na América Latina,  a direita do mundo inteiro mais uma vez decretou o fim do levante do povo colombiano, representado pelo exército popular das FARC, que já resistindo por décadas na Colômbia, como sempre faz, quando um de seus líderes da guerrilha é morto ou capturado, ou quando o exército colombiano, assessorado pelos americanos, ganha uma ou outra batalha contra os insurgentes.

Dessa vez o motivo de celebração foi o recente comunicado das FARC, anunciando que não iria mais realizar sequestros como forma de financimanto de suas atividades de guerrilha. De forma alguma, a mídia reconhece que esse foi mais um dos inúmeros esforços dos insurgentes das FARC, para iniciarem um processo de diálogo e de conversações para por fim aos combates aramdos, mas uma apaz que atenda à dignidade do povo colombiano, uma paz que traga consigo a condição fundamental de uma efetiva e popular democratização das estruturas sociais e econômicas da Colômbia. O que a mídia, os EUA e as froças dominantes da Colômia querem (ou sonham com) é pura e simplesmente uma rendição incondicional dos representantes do levante popular na Colômbia. Nada de discutir mudanças estruturais no país, nada de levar a sérioo projeto político proposto pelas FARC.

Simplesmente desqualificam ou ignoram esse projeto, manipulam deturpam a realidade, impondo à sociedade colombiana e ao mundo a visão de que as FARC são apenas um bando de guerrilheiros que se se aproveitam de uma mensagem política para dominarem áreas da Colômbia junto com os narcotraficantes.

Nesse sentido, é importante conhecer e divulgar qual é de fato o projeto das FARC. O tema da guerrilha do povo colombiano é complexo e tem uma longa história, não pode ser simplificado com receitas fáceis.

Assim, seguem a abaixo alguns textos divulgados há algum tempo, pelo comando do movimento insurgente colombiano. Mesmo que movido por uma legítima resistência ideológica ou ética, ou movido por pura má vontade e doutrinação política, o leitor honesto há de reconhecera a coerência e a seriedade que emana dos textos. Reconhecer que se trata de um movimento comprometido com uma longa história de resistência e de esperança na transformação, mesmo que ao custo de um levante armado. E, assim, ao menos recusar a interpretação difundida e manipulada pela mídia, de que se trata apenas de narcotraficantes travestidos de guerrilheiros, ou de revolucionários retrógrados, perdidos na história.

(mensagem de ano novo)
(para os que se orientam somente pela grande mídia: até  fsp já trata as farc com seriedade)
(por ocasião da morte de um comandante da guerrilha, no final do ano passado)

20/04/2012

assange, hollande, mélenchon

Se as perigosas e obscuras engrenagens de poder  achavam que Julian Assange estava derrotado e acuado, aí vai a resposta:
assange-entrevista-lider-do-hezbollah-em-estreia-na-tv-russa/

E se os papagaios (jornalistas, analistas, acadêmicos, economistas etc etc) a serviço do neoliberalismo e da ditadura dos mercados achavam que  os povos da Europa iriam ficar indefinidamente anestesiados pela manipulação de mídias e de partidos políticos sem personalidade, aí vai a resposta dos franceses, com a provável eleição do socialista François Hollande, inaugurando talvez um novo ciclo político e social na Europa, um ciclo em que a ação volte a ter realmemte autonomia e ousadia; um ciclo que, se confirmado, virá se somar aos avanços (com todas aas suas contradições  e limitações) da luta pela transformação na América Latina, que se consolidam há mais de  uma década, com a eleição de inúmeros governos de esquerda, de centro-esquerda ou ao menos progressistas. 
Mas tomara que o François Hollande que ganhar eleição na França, agora em abril e maio,  seja este aqui:
e não este aqui:
francois-hollande-o-flan-que-pode-virar-presidente.shtml

Se eleito, que Hollande seja realmente o presidente da mudança, do enfrentamento com o neoliberalismo e com a ditadura dos mercados na Europa, já que é bastante improvável uma vitória de Jean-Luc Mélenchon, o candidato realmente representa as forças políticas trasnformadoras e combativas da França:
América Latina é fonte de inspiração para esquerda francesa

 
 
Jean-Luc Mélenchon, o candidato da Frente de Esquerda

19/04/2012

a loba do cnj e os bandidos de gravata...

leia também:

peluzo e a justiça popular
aumenta o poder dos brucutus


Passou despercebida a absurda justificativa dada pelo desembargador federal Fernando da Costa Tourinho Neto,, para determinar a transferência do bandidode gravata  Carlinhos Cachoeira, de uma prisão do RN para o presídio da Papuda, em Brasília. Argumentou que Cachoeira não oferecia perigo para a sociedade, nem tinha cometido crime hediondo.


Ora, pode até ser que, tecnicamente, os crimes do quadrilheiro não sejam hediondos nem imediatamente perigosos. Mas um magistrado realmente merecedor de tal título deveria atentar para o aspecto moral e social dos crimes do bandido Cachoeira. E, nesse caso,  os seus crimes são, sim, hediondos e extremamente perigosos - pior ainda, os seus crimes de vergonhosa apropriação da coisa pública provavelmente fazem com que os criminosos comuns (sem terno e gravata, como Cachoeira e muitos 'magistrados') cometam crimes realmente hediondos, já que os recursos roubados pelos gangsters de gravata talvez pudessem dar uma outra condição àqueles que se tornaram criminosos  brutais.
Então, sob o aspecto social e humanitário, Cachoeira e seus pares engravatados cometem os mais hediondos dos crimes.

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Na verdade, essa manifestação do desembargador Fernando é apenas mais uma demonstração de como os chamados magistrados estão desconectados da realidade que os cerca. 
Tal como ocorreu quando o STJ, de  maneira irreponsável e arrogante (aliás, falar em arrogância no judiciário é redundância) decidiu "manter a obrigatoriedade do teste do bafômetro ou do exame de sangue e rejeitar outros tipos de prova (como exame clínico e depoimento de testemunhas) para se comprovar a embriaguez de motoristas ao volante em processo criminal"  (correio do estado).
Não vale a pena comentar essa insensatez, esse incentivo à impunidade, essa irresponsabilidade e desconsideração dos 'magistrados' para com os familiares de pesssoas assassinadas por motorista bêbados.
Mesmo porque o Congresso Nacional, numa de suas raras demonstrações de agilidade e de senso de responsabilidade e de justiça, imediatamente deu uma resposta à altura, colocando a insensatez dos arrogantes 'magistrados' no seu devido lugar, tornando mais rígida  a Lei Seca.

Todos esses magistrados justificariam de fato o seu pomposo título (embora não justificassem as suas presunçosas vestes) se tivessem a iniciativa, a humildade, o caráter e o compromisso demonstrados pela Corregedora do CNJ, a até agora digna Eliana Calmon. Vale a pena ler a matéria sobre a lúcida e corajosa Corregedora, feita pelo jornal Valor Econômico, de 30.09.2011, com o mais do que apropriado título de:
A loba que come lobos (por Maria Cristina Fernandes)

Sabatinada para o Superior Tribunal de Justiça, na condição de primeira mulher a ascender à cúpula da magistratura, a então desembargadora da justiça baiana, Eliana Calmon, foi indagada se teria padrinhos políticos. “Se não tivesse não estaria aqui”. Quiseram saber quem eram seus padrinhos. A futura ministra do STJ respondeu na lata:
“Edison Lobão, Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães”.

Corria o ano de 1999. Os senadores eram os pilares da aliança que havia reeleito o governo Fernando Henrique Cardoso. A futura ministra contou ao repórter Rodrigo Haidar as reações: “Meu irmão disse que pulou da cadeira e nem teve coragem de assistir ao restante da sabatina. Houve quem dissesse que passei um atestado de imbecilidade”.

Estava ali a sina da ministra que, doze anos depois, enfrentaria o corporativismo da magistratura. “Naquele momento, declarei totalmente minha independência. Eles não poderiam me pedir nada porque eu não poderia atuar em nenhum processo nos quais eles estivessem. Então, paguei a dívida e assumi o cargo sem pecado original.”
Eliana Calmon nunca escondeu seus padrinhos.

De lá pra cá, Eliana Calmon tem sido de uma franqueza desconcertante sobre os males do Brasil.
Num tempo em que muito se fala da judicialização da política, Eliana não perde tempo em discutir a politização do judiciário.
É claro que a justiça é política. A questão, levantada pela ministra em seu discurso de posse no CNJ, é saber se está a serviço da cidadania.

A “rebelde que fala”, como se denominou numa entrevista, chegou à conclusão de que a melhor maneira de evitar o loteamento de sua toga seria colocando a boca no trombone.
Aos 65 anos, 32 de magistratura, Eliana Calmon já falou sobre quase tudo.

- Filhos de ministros que advogam nos tribunais superiores: ”Dizem que têm trânsito na Corte e exibem isso a seus clientes. Não há lei que resolva isso. É falta de caráter” (Veja, 28/09/2010).
- Corrupção na magistratura: ”Começa embaixo. Não é incomum um desembargador corrupto usar um juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar, um habeas-corpus ou uma sentença. Os que se sujeitam são candidatos naturais a futuras promoções”. (Idem)
- Morosidade: ”Um órgão esfacelado do ponto de vista administrativo, de funcionalidade e eficiência é campo fértil à corrupção. Começa-se a vender facilidades em função das dificuldades. E quem não tem um amigo para fazer um bilhetinho para um juiz?” (O Estado de S. Paulo, 30/09/2010).

Era, portanto, previsível que não enfrentasse calada a reação do Supremo Tribunal Federal à sua dedicação em tempo integral a desencavar o rabo preso da magistratura.
Primeiro mostrou que não devia satisfações aos padrinhos. Recrutou no primeiro escalão da política maranhense alguns dos 40 indiciados da Operação Navalha; determinou o afastamento de um desembargador paraense; e fechou um instituto que, por mais de 20 anos, administrou as finanças da justiça baiana.

No embate mais recente, a ministra foi acusada pelo presidente da Corte, Cezar Peluso, de desacreditar a justiça por ter dito à Associação Paulista de Jornais que havia bandidos escondidos atrás da toga.
Na réplica, Eliana Calmon disse que, na verdade, tentava proteger a instituição de uma minoria de bandidos.
Ao postergar o julgamento da ação dos magistrados contra o CNJ, o Supremo pareceu ter-se dado conta de que a ministra, por mais encurralada que esteja por seus pares, não é minoritária na opinião pública.

A última edição da pesquisa nacional que a Fundação Getúlio Vargas divulga periodicamente sobre a confiança na Justiça tira a ministra do isolamento a que Peluso tentou confiná-la com a nota, assinada por 12 dos 15 integrantes do CNJ, que condenou suas declarações.
Na lista das instituições em que a população diz, espontaneamente, mais confiar, o Judiciário está em penúltimo lugar:


A mesma pesquisa indica que:
- os entrevistados duvidam da honestidade do Judiciário (64%),
- o consideram parcial (59%) e
- incompetente (53%).

O que mais surpreende no índice de confiança da FGV é que o Judiciário tenha ficado abaixo do Congresso, cujo descrédito tem tido a decisiva participação da Corte Suprema – tanto por assumir a função de legislar temas em que julga haver omissão parlamentar, quanto no julgamento de ações de condenação moral do Congresso, como a Lei da Ficha Limpa.

A base governista está tão desconectada do que importa que foi preciso um senador de partido de fogo morto, Demóstenes Torres (DEM-TO), para propor uma Emenda Constitucional que regulamenta os poderes do CNJ e o coloca a salvo do corporativismo dos togados de plantão.  “Só deputado e senador têm que ter ficha limpa?”, indagou o senador.

Ao contrário do Judiciário, os ficha suja do Congresso precisam renovar seus salvo-conduto junto ao eleitorado a cada quatro anos. O embate Peluso-Calmon reedita no Judiciário o embate que tem marcado a modernização das instituições.
Peluso tenta proteger as corregedorias regionais do poder do CNJ. Nem sempre o que é federal é mais moderno. O voto, universal e em todas as instâncias, está aí para contrabalancear.

Mas no Judiciário, o contrapeso é o corporativismo. E em nada ajuda ao equilíbrio. Em seis anos de existência, o CNJ já puniu 49 magistrados. A gestão Eliana Calmon acelerou os processos. Vinte casos aguardam julgamento este mês.

Aliomar Baleeiro, jurista baiano que a ministra gosta de citar, dizia que a Justiça não tem jeito porque “lobo não come lobo”. A loba que apareceu no pedaço viu que dificilmente daria conta da matilha sozinha, aí decidiu uivar alto.

18/04/2012

uma cachoeira de hipocrisia

Com relação ao perigoso esquema de Carlinhos Cachoeira, é sempre  preciso ficar com um pé atrás com tudo aquilo que é publicado pela grande mídia, revista Veja à frente.
Pois além do seu editorial desta quarta-feira, vale  a pena ler outros dois textos reveladores de Carta Maior, acerca do obscuro envolvimento da mídia com o esquema do bicheiro Cachoeira:
Quadrilha de Cachoeira mantinha relações com a imprensa
Imprensa permanece blindada no caso “Cachoeira”
A seguir, o editorial de Carta Maior, desta quarta.

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VEJA: COMO TRABALHA, A QUEM SERVE
O dispositivo midiático demotucano tem martelado em tom de condenação sumária que a construtora Delta -- suspeita de ser uma espécie de caixa de compensação bancária do esquema Cachoeira/Demóstenes-- é a empresa com o maior volume de contratos junto ao PAC. Esse traço evidenciaria, sugere o tom do noticiário, um comprometimento automático do governo e do PT com a quadrilha manejada por Cachoeira. Mais de 80% das licitações vencidas pela Delta são de obras sob a responsabilidade do Dnit, o Depto Nacional de Infraestrutura de Transportes. Dos R$ 862,4 milhões pagos à construtora em 2011, 90% vieram do órgão. Nesta 3ª feira, uma pequena nota escondida num canto de página da Folha, baseada em escutas da PF mostra que: a) o Dnit estava insatisfeito com a qualidade e irregularidades das obras tocadas pela Delta; b) desde 2010 o Dnit iniciou uma série de processos que poderiam levar a perdas de contratos pela construtora, ademais de submetê-la a investigações da PF e do Tribunal de Contas; c) o agravamento dos atritos levou a Delta a acionar Cachoeira e seu grupo, que passaram a trabalhar pela queda do então diretor-geral do Dnit, Luiz Antonio Pagot, uma indicação do PR, o Partido Republicano; d) em gravações feitas pela PF no primeiro semestre de 2011, Cachoeira diz a Claudio Abreu, diretor da Delta, que já estava fornecendo informações sobre irregularidades no Dnit para a revista "Veja"; e) a presidente Dilma Rousseff pediu o afastamento de Pagot no dia 2 de junho, depois que 'denúncias' contra o Dnit foram publicadas pela 'Veja', envolvendo suposto esquema de propinas que beneficiariam o PR; f) Pagot alegou inocência e resistiu até o dia 26 de julho, quando entregou a carta de demissão, em meio a uma crise que já havia derrubado toda a cúpula do ministério dos Transportes (incluindo o ministro) ligada ao PR ; g) o ex-presidente Lula tentou evitar sua queda, não por acreditar em querubins, mas preocupado com a rendição do governo ao denuncismo gerado por disputas entre quadrilhas consorciadas a órgãos de imprensa. Lula estava certo. (Carta Maior; 5ª feira/19/04/2012).

17/04/2012

vídeo: de pouco em pouco aumenta o poder dos fascistas e dos brucutus

Ainda está na memória de muita gente as cenas de brutalidade e arrogância promovidas pela PM de São Paulo, no campus da USP, ao longo de 2011.
À época, não foram poucos os alertas acerca do perigo de  estar se abrindo um precedente perigoso, com o risco de se espalhar pelo país a presença  de militares no (ainda?) território livre das universidades federais.

Eis que, no campus da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo),  os fatos começam a, infelizmente, dar razão àqueles que alertavam sobre esse perigo. Pois já está se tornando cada vez mais ostensiva a presença de militares no campus de Goiabeiras, em Vitória. O vídeo abaixo mostra um pouco dessa arrogância e dessa 'descontração' da força bruta da PM-ES em pleno território do saber, da  reflexão e do debate. O vídeo foi publicado no facebook do MCA - Movimento Contra o Aumento, de Vitória.


Não importa decidir se é tecnicamente justificável a presença da PM nos campus, quer dizer, não está em jogo debater se os alunos das universidades precisam de mais ou menos segurança.
Como também não está em questão aceitar ou recusar atenuantes sociológicas ou filosóficas, que justifiquem ou expliquem as ações cada vez mais brutais e vingativas (nos campus ou fora deles) de  traficantes, assaltantes e outros subprodutos do atual e deteriorado estágio da civilização.
O que está em questão é que a INSEGURANÇA PÚBLICA é uma situação extremamente interessante para os mecanismos de dominação. Afinal, ao mesmo tempo em que se tem uma população cada vez mais assustada e obcecada com a  segurança (em detrimento de outras questões relativas à plena cidadania, principalmente em detrimento de uma ação política coletiva e transformadora) tem-se também uma força repressiva cada vez mais aceita por essa mesma população,  uma força repressiva cada vez mais presente em espaços.

E, finalmente, e o mais preocupante,  é o fato de as forças da repressão ocuparem cada vez mais os espaços da chamada sociedade civil, em nome da suposta eliminação dessas brutais ações dos subprodutos do modelo de organização social e econômica.  

Enfim, os entusiasmados e assustados adeptos da presença da PM em todo e qualquer lugar, em toda e qualquer situação, deveriam atentar para o fato de que a violência urbana não se resolverá de maneira tão simplista, como se a simples e arrogante presença dos brucutus da repressão agisse como uma varinha mágica.  
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E é sempre preciso lembrar: essa guerra urbana, esse caos social, não traz nenhuma novidade. Não é preciso ser um fervoroso díscípulo de Marx para compreender que tudo isto é apenas o começo, que este um grau ainda menor da barbárie que acompanha e acompanhará o capitalismo em seus excessos e em sua obsolescência, em sua decadência enquanto modelo de organização social que um dia teve na história o seu papel  revolucionário. 

Aos assustados, obcecados e narcortizados pelo sistema, somente resta pedir polícia e mais polícia,  somente resta apoiar - primeiro discretamente, depois abertamente - projetos, partidos e iniciativas de caráter fascista, autoritário, como se os fascistas tivessem o condão de resolver as cada vez mais insolúveis contradições do capitalismo. 

Essa pessoas assustados não sabem que, na verdade, com a sua brutalidade os estúpidos fascistas  servem, e muito bem, aos interesses do sistema, afinal a  barbárie e o fascismo é que possibilitarão que o capitalismo adie o momento de sua superação por outro modo de organização social, adie o momento de sua prestação de contas com a história e com a trajetória dos homens sobre  a terra. 

Portanto, é aos ainda lúcidos, combativos e comprometidos com a transformação, que resta a grave tarefa de acreditar na possibilidade de evitar essa barbárie e esse fascismo, que ganham cada vez mais espaços, principalmente nas sociedades dos países ricos, em razão de sua crise  e de  sua decadência política e econômica. A essesresta acreditar que é possível derrotar todo esse aparato da barbárie, formado por mídias, partidos, judiciários, igrejas manipuladas, movimentos fascistas e, claro, polícias arrogantes e brutais. 
Acreditar que é possivel evitar que seja mais uma vez chocado o ovo da serpente na história da humanidade.
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Acho interessante divulgar também o comentário de Vinicius Tomaz Fernandes, que foi quem postou o vídeo no facebook do MCA:
"Está ficando recorrente. Mais uma vez, ontem, a Polícia Militar entrou no campus de Goiabeiras na UFES (aparentemente, sem autorização). Três viaturas, cerca de 10 policiais exibindo seu armamento pesado e um POLICIAL A PAISANA ARMADO. Deram batida em quem estivesse pela frente, quando vi, pelo menos 15 jovens estavam sendo revistados com as mãos na parede do Cine Metrópolis. Um deles não só foi preso, como teve que ouvir ameaças de agrassão: "ele vai apanhar por causa de vocês [estudantes que estavam filmando]".

Quem oferece mais risco: o usuário ou a polícia com seu aparato militar? A maconha ou um polícia à paisana armado?A polícia militarizada é resquício da ditadura, de nossa transição incompleta para a democracia. Sejamos intransigentes com a atuação da PM, não só em nosso campus, mas em toda sociedade! Por uma nova política de segurança!"

Palavras bem apropriadas, que reforçam aquilo que tentei expor acima: a presença da polícia nos campus das federais não tem nada de inócuo, é fato gravíssimo, é sintoma de ovo da serpente.

16/04/2012

vergonha

O número de filhos da puta
aumenta cada dia, mas pior
é o número ainda maior dos tontos.
Eu conto-me entre os segundos
às vezes o meu pai pergunta-me
se vou fazer alguma coisa a respeito disso;
não costumo, porém, responder-lhe
limito-me a olhar a tv
sentada em frente da sua cara.
Deveria dizer-lhe que tem razão
que as pessoas me dirigem o olhar
como se a uma espécie rara de animal
como se se sentissem confortáveis
no papel do delator.
Gostaria de fazer alguma coisa para mudar
ser mais inteligente, fumar com elegância...
esse tipo de coisas que te tornam respeitável.
Mas, no fundo, nunca seria suficiente
os pratos continuam a cair-me das mãos.
 
cristina morano - espanha
(versão de do trapézio; original reproduzido em La manera de recogerse el pelo - Generación blogger, selecção de David González; prólogo de José Ángel Barrueco, Bartleby, Madrid, 2010, p. 213).

um exemplar falhado da espécie

Suicido-me devagar a pão com queijo, vinho tinto, cigarros e solidão. Bem sei que podia comprar sopa, já que não a faço. Podia também comprar um microondas, serviria para aquecer a sopa e ainda preparar refeições pré-cozinhadas. Não se trataria de um grande passo, do ponto de vista do destino da humanidade, mas significaria ao menos comida quente no prato.
Podia até casar-me, segundo o juízo optimista da minha mãe, e desse modo adquirir tudo isto num pacote bonificado, diminuindo o custo de cada um dos artigos individualmente considerados. Está tudo certo, por conseguinte, eu errado. Determinam os factos, no entanto, que o casamento é para mim um caso semelhante ao do microondas, ou seja, uma circunstância de que não suporto o ruído e, não serei eu que o anuncie, se há coisa que ninguém pode é ser aquele que não é (assim se desmorona um admirável plano, ignorando as esperanças da minha mãe).
Resta acrescentar que nada há de heróico no meu gesto, nem eu me ocupo já de o iludir. É a mão que tenho (e a que não tenho). O prato que recuso (e o que aceito). Pão com queijo, vinho tinto, cigarros e solidão, cumpro-me no que sou: um exemplar falhado da espécie.

jorge roque - portugal

14/04/2012

a cretinice da mídia e a cretinice da 'política''

Tudo bem que a  democracia representativa - viciada e impotente, cretina  e oportunista - esteja com os seus dias contados.
Mas antes que ela seja efetivamente superada pela democracia direta, popular, não se pode cair na armadilha de ver partidos,  parlamentares e projetos políticos como se fossem todos iguais, como se fosse tudo uma "quadrilha só".
Há bandidos e há cretinos (muitos), há oportunistas, há os profissionais, há os marionetes do capital e do poder econômico instituído (a maioria, claro) mas há também os partidos, políticos e governates coerentes, embora equivocados (e também  um tanto ou quanto oportunistas e parasitas, claro) na sua prática e na sua teoria de defender e exercer uma projeto de ação política obsoleto, viciado,  limitado e limitador, tal como o é atualmente a democracia burguesa, firmal, institucional.

Enfim, como dito acima, enquanto essa obsolescência histórica não é superada, é preciso tolerar ao menos os partidos e governantes coerentes, comprometidos com um programa político minimamente decente e transformador - os chamados partidos e projetos progressistas. Não dá pra cair na armadilha de misturar tudo com os Demóstenes, Barbalhos, Sarneys, Renans etc  etc. É preciso distinguir aqueles que, mesmo com todas as contradições  e limitações, tentam combater essas cretinices.
O texto de Carta Maior, abaixo transcrito, ilustra bem essa tentativa da grande mídia de msiturar tudo, de tentar confundir  realidade distintas.

O DISPOSITIVO ENTRA EM CENA

Passado o primeiro momento de perplexidade e catatonia, depois que savonarolas, bicheiros e jornalistas foram flambados nas próprias chamas, o dispositivo midiático demotucano se recompõe. A pasmaceira aos poucos recupera a afinação cúmplice de um coral de igreja: o importante no primeiro momento é confundir. A desempenadeira torta da suspeição entra em campo para nivelar partidos e reputações. A mensagem é martelada: a política é uma confederação de quadrilhas; todos os gatos são pardos. Instalada a neblina, a hierarquia se inverte: o secundário se sobrepõe ao principal. Demóstenes & Cia são vítimas de uma estratégia do PT para encobrir o 'mensalão que Gilmar Mendes quer julgar antes das eleições municipais (leia-se: antes que Serra naufrague em SP). Sombra e luz, tudo a mesma coisa. Agora é fixar a versão: não há mais fatos A versão diz que a verdadeira origem e destino da corrupção é o governo e o PT. A mídia vocifera e o judiciário togado de conservadorismo insolente pontua. Nivelado o terreno, borbulha a cachoeira de recados. A chantagem se amolda ao veículo e ao grau de cinismo do emissor. Oscila da sutileza ao ranger descarado dos blindados golpistas. Mas a ameaça velada a Lula é uma só: 'E aí, vai encarar?'. Deveria. Dificilmente haverá outro momemto tão pedagógico para desnudar o condomínio midiático-conservador que tem feito gato e sapato da democracia brasileira. Sempre em nome da ética.
(Carta Maior; Sábado/14/04/ 2012 
    

13/04/2012

cinco truques...

... para te ajudar a atravessar uma floresta negra em segurança noite dentro

1. Assobia uma melodia que o teu pai tenha assobiado quando eras criança
2. Cruza os dois primeiros dedos da tua mão esquerda
3. Se perderes de vista a lua guarda-a na retina da tua mente
4. Imagina as cores que te cercam quando esperas o primeiro beijo da manhã
5. Traz uma Kalashnikov no porta-luvas.

roger mcgough  -   inglaterra (1937 -   )

12/04/2012

sem chaves e às escuras

Era um desses dias em que tudo corre bem.
Tinha limpado a casa e escrito
dois ou três poemas que me agradavam.
Não pedia mais.

Então saí para o patamar para deitar o lixo fora
e, atrás de mim, com uma corrente de ar,
a porta fechou-se.
Fiquei sem chaves e às escuras
sentindo as vozes dos meus vizinhos
através das suas portas.
É passageiro, disse para mim;

no entanto também a morte poderia ser assim:
um patamar escuro,
uma porta fechada com a chave do lado de dentro,
o lixo na mão.

fabián casas - argentina (1965 -  ) 

10/04/2012

momento

Outro poema do mineiro Hélio Pellegrino, do qual já publiquei quadrilátero ferrífero - fala cristalina e ao mesmo tempo meio que soturna, a registrar a pulsação mineral do solo, do ar e do céu dos Gerais.
Já o poema abaixo me lembra um pouco Rilke, com suas densas tentativas de ouvir, e celebrar, a secreta e aparentemente silenciosa pulsação das coisas e do tempo.

momento

Oh! A resignação das coisas paradas
grávidas de silêncio, reverentes
em sua geometria sem jactância!

A placidez das ruas acolchoadas
contra a dura cintilação do dia;
o recato das árvores, a prece
das esquadrias de alumínio ionizado
na fachada do edifício em frente!

Todas as coisas — em clausura — cumprem votos
enquanto a vã filosofia do século
pensa que move o mundo.

hélio pellegrino - minas (1924-1988)

leia mais sobre o poeta em alguma poesia

08/04/2012

esperemos

há outros dias que não têm chegado ainda
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas

- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato

pablo neruda  - chile  (1904-1973)

04/04/2012

felicidade


Tão cedo que ainda é quase noite lá fora.
Estou perto da janela com o café
e tudo aquilo que sempre a essa hora
nos passa pela mente.

Quando vejo o garoto e seu amigo
subindo a rua
para entregar o jornal.

Eles usam bonés e agasalhos,
e um deles traz uma mochila nas costas.
Estão tão felizes
que nem sequer conversam, os garotos.

Acho que, se pudessem, estariam até
de braços dados.
É de manhã bem cedo
e os dois caminham lado a lado.
Lentamente, eles vêm vindo.
O céu começa a clarear
embora a lua ainda paire sobre a água.

Tanta beleza que por um instante
a morte e a ambição, mesmo o amor
não se intrometem nisso.

Felicidade. Ela vem
inesperadamente. E vai além, na verdade,
de qualquer discurso sonolento.

raymond carver - estados unidos  (1938-1988)
de alguma poesia