19/07/2012

quadrilha ao amanhecer

olhares, rostos, corpos -  2




nada de muito original em postar fotos de quadrilhas nesta época do ano.
afinal pululam pelo país afora as festas juninas, e julinas


mas tenho um carinho especial por essas imagens. tinha acordado cedo e caminhava pelo bairro
de feu rosa,  na serra, es. a foto não é de agora, foi tirada há uns cinco, seis anos. eram mais de
 seis horas da  manhã e a festa junina, embora se encerrasse, ainda estava extremamente animada.
como se na sua euforia matinal os dançarinos se despedissem, aguardando o próximo ano.   


gostei particularmente de ter podido flagrar a postura majestosa, confiante e
ao mesmo descontraída do jovem rei, ladeado pelo seu bufão,
ou por um súdito um tanto ou quanto anarquista - como se o aniamdo
término das danças fosse uma homenagem a Sua Majestade.

cinquenta anos esta noite....

mandala

Cumpri os 40.
Vi esta noite o universo despenhar-se nas minhas costas
e abrir-se um buraco negro absoluto para diante.
Depois tive que fazer 41.
A metade que já se foi da minha vida faz sinais
à outra metade que está para vir
e ambas duas se esquivam de mim.
De modo que não tive outro remédio senão fazer 42.
Posta então a meio do caminho desmorono-me
pedaço de terra vou terra na terra girando.
Ninguém sabe o que espera em que futuro se houver futuro
cinzas sombra e sombra apenas sobre figuras de lama
grão de areia pó no pó a derramar-se
há quatro mil milhões de anos.

teresa calderón  - chile (1955 -  )

12/07/2012

fim do ciclo

As folhas caídas obstruem o caminho.
Imagino que sou aquilo que não sou.
Aqui estou muito quieto.
Procuro não me mexer
e ocupar o mínimo espaço.
Como se não estivesse já ali.
O silêncio é o original,
as palavras são a cópia.

joan brossa  - espanha  (1919 - 1998)
tradução:  rua das pretas

10/07/2012

eu nunca fui capaz de rezar

Guia-me até ao porto
onde o farol jaz abandonado
e a lua range nas vigas de madeira.

Deixa-me ouvir o vento chamar por entre as árvores
e ver as estrelas irromperem, uma a uma
como os rostos esquecidos dos mortos.

Eu nunca fui capaz de rezar
mas deixa-me gravar o meu nome
no livro das ondas

e depois olhar intensamente a cúpula
de um céu que não tem fim
e ver a minha voz navegar pela noite dentro.

edward hirsch - estados unidos  (1950 -  )

08/07/2012

ars poetica

Escreve cada um dos teus poemas
como se fosse o último.
Nesta era, atomicamente saturada
carregada com terrorismo
voando com velocidade supersónica
a morte chega com uma brusquidão aterrorizadora.
Envia cada uma das tuas palavras
como se fosse a última carta antes da execução
um apelo gravado no muro de uma prisão.
Não tens o direito de mentir
nem o de brincar às escondidas.
Não terás simplesmente tempo
para corrigir os teus erros.
Escreve cada um dos teus poemas
concisamente, impiedosamente
com sangue - como se fosse o último.

blaga dimitrova - bulgária ( 1922 -  2003)

06/07/2012

A árvore perdoa ao vento
que lhe saqueia as folhas
e abraça-o com os ramos.
A ave perdoa à nuvem
que engole o sol
e saúda-a com as asas.
A onda perdoa à pedra
que lhe impede o salto
e envolve-a em carícias.
Só o homem não perdoa
ao ar, à água, à pedra,
a nenhuma criatura terrestre.
Persegue tudo com crueldade.

E está só no universo.

blaga dimitrova - bulgária (1922- 2003)