30/07/2011

minas e as encruzilhadas do mundo


presenças harmoniosas do antigo e do moderno? 


ou lenta extinção das moradas da  memória


e das estradas do tempo?

 

sufocadas pelas enfumaçadas forjas


da inigualada mas por demais apressada 

e já envenenada nave ocidental

texto e fotografias: roberto soares

as duas primeiras fotos são do centro de belo horizonte, encontro da augusto de lima com rua da bahia, bem em frente ao maletta; as duas seguintes são da zona rural de são miguel, também em minas, e as três últimas de ipatinga, com as onipresentes chaminés e torres da usiminas 

29/07/2011

no trem

no trem, leio os poemas de Amijai
levanto a cabeça e lá está:
a primavera estourando na paisagen
uma grande bomba, da qual foge o comboio

porque os poemas ditados pelas árvores
vêm escritos numa língua estranha
que não entendemos, nós, os que vamos
fechar-nos em nossas casas


e a palavra estação agora só nos lembra
de lugares nos quais apeamos
e o único sol que me aquece agora
é aquele que as uvas prenderam
antes de se fazer o vinho.


ana pérez cañamares - espanha
tradução: roberto soares

28/07/2011

o ponto a que chegamos

O mundo nas mãos do Tea Party

Os republicanos querem manter Obama sob rédea curta e aprovar uma elevação do endividamento público dos EUA suficiente para mais seis meses à base de pão e água. Depois, negociam mais meia cuia de água. Assim por diante, até Obama chegar às eleições de 2012 como um cachorro velho, mudo e sem dente. Um cão arrastado pelo rabo. Mas a extrema direita do partido, meia centena de membros do Tea Party, acha pouco e entornou o caldo da votação do pacote conservador na Câmara, deixando as finanças do mundo de cabelos em pé. O Tea Party quer recolher Obama/'a gastança' na carrocinha. já. Um clamor uníssino de vozes cortou a narrativa dominante do Financial Times ao Globo, qualificando os indômitos seguidores de Sarah Palin de demenciais. É preciso cautela. O Tea Paty pode ser tudo, mas não é um hospício encastoado na alavanca republicana que embalou Bush, concluiu a desregulação das finanças até o colapso de 2008, dizimou o Iraque, retalhou o Afeganistão e agora incendeia a Líbia, entre outras miudezas do ramo. O neonazista norueguês que encravou balas dum-dum nas vísceras de um pedaço da juventude progressista do seu país tampouco é um demente, como querem rapidamente resolver o caso certos veículos e personagens do conservadorismo urbi et orbi. Tea Patty e Andres Behring Breivik são um produto refinado da história. De anos --décadas-- de ódios e pregação conservadora contra o Estado, contra a justiça fiscal; contra o pluralismo religioso; contra os valores que orientam a convivência compartilhada. Sobretudo, o princípio da igualdade e da solidariedade que norteia a destinação dos fundos públicos à universalização do amparo aos doentes, à velhice, aos desempregados, aos famintos, aos loosers brancos ou negros, nacionais ou imigrantes. Breivik e o Tea Party assimilaram o cânone. Se agora escapam ao criador, louve-se a competência da madrassa neoliberal. Na crise, ambos apenas confirmam a esférica densidade da formação que receberam e investem contra a sociedade. Com fé no mercado e o dedo no gatilho. (Carta Maior; 6º feira, 29/07/ 2011)

milhares de jovens acampam em Madri

Na hora marcada, uma massa de manifestantes começou a descer o Passeio do Prado aos gritos de “Que no, que no, que no nos representa!”, “A, anti, anticapitalista!” e "El pueblo unido jamás será vencido", entre outros hinos. Cada vez mais pessoas iam se somando ao grupo, enquanto ele se aproximava do cruzamento do Passeio do Prado com a Rua Atocha. Ali, um microfone aberto à livre expressão possibilitava a quem quisesse, compatilhar suas reclamações com outras milhares de pessoas. A reportagem é de Fabíola Munhoz, direto de Madri, Especial para a Carta Maior

A Puerta del Sol, em Madri, despertou agitada na manhã de domingo (24). Passei pela nova acampada feita pelo 15-M no local, por volta das 11 horas, e me deparei com tendas para informação sobre o movimento e também atividades das comissões de Ação, Cozinha, Comunicação, Meio Ambiente, Infraestrutura e Atendimento Médico.
Uma grande exposição de fotografias contava a história do processo de mobilização popular iniciado naquela mesma praça, no dia 15 de maio deste ano, atraindo o olhar de quem passava. Os transeuntes também se detinham para ler as mensagens de indignação presentes nos inúmeros cartazes espalhados pelo local. Ao lado, duas apresentações musicais aconteciam simultaneamente, acompanhadas por um público pequeno, porém animado.
Uma dessas atrações consistia num grupo de rappers que cantava frases rimadas, com conteúdo crítico à atual política socioeconômica levada a cabo pelos governos de toda a Europa frente à atual crise financeira. Os artistas eram acompanhados por uma base eletrônica que marcava o ritmo de suas canções, movida pelas pedaladas em uma bicicleta, cuja energia mecânica era transformada em impulso para funcionamento do equipamento de som, graças a uma engenhoca ecológica criada por algum defensor do meio ambiente. Na tenda de informação, um mural divulgava a programação prevista para aquela tarde e também para os dois seguintes dias, dando especial ênfase à manifestação que aconteceria a partir das 18h30 de ontem, na glorieta de Atocha.

Dali, parti para o alojamento de “indignados” que está formado desde a noite de sábado no Passeio do Prado, abrigando militantes de diversas partes da Espanha e até mesmo de outros países. O local, que é um extenso jardim posicionado como divisória de duas largas avenidas, apresentava-se coberto de barracas de camping e cartazes, trazendo à memória a estrutura organizativa do Fórum Social Mundial. Nessa área ocupada pelo 15-M também funcionam as comissões essenciais, como Cozinha e Atendimento Médico, além de um Ponto de Informação sobre o movimento e sua programação de atividades.

Durante uma caminhada por todo o Passeio, pude perceber a excitação dos ativistas frente à aproximação da hora de início da manifestação. Alguns terminavam de produzir suas faixas e cartazes, enquanto outros se posicionavam na saída rumo ao local previsto para o início dos protestos com instrumentos musicais, fantasias e até mesmo objetos de malabarismo.

Na hora marcada, essa massa de manifestantes começou a descer o Passeio do Prado aos gritos de “Que no, que no, que no nos representa!”, “A, anti, anticapitalista!” e "El pueblo unido jamás será vencido", entre outros hinos. Cada vez mais pessoas iam se somando ao grupo, enquanto ele se aproximava do cruzamento do Passeio do Prado com a Rua Atocha. Ali, um microfone aberto à livre expressão possibilitava a quem quisesse, compatilhar suas reclamações com outras milhares de pessoas. De acordo com o jornal El País, a mobilização estava composta por 35.700 cidadãos.

Depois de cerca de meia hora de concentração, essa multidão tomou novamente os dois lados do Passeio do Prado, desta vez no sentido contrário, rumo à Puerta del Sol, local previsto como ponto final da manifestação. A caminhada se fez com euforia e um alto ruído de vozes e percussão, que atraía até mesmo o olhar mais apático. Dentre os símbolos e mensagens hasteados pelos participantes do protesto, chamavam a atenção faixas divulgando o nome de Assembleias de diversas cidades espanholas, e também algumas bandeiras de diferentes comunidades autônomas do país, como País Basco e Catalunha.

Havia, inclusive, blocos de indignados unidos pela cor da camiseta, em que estampavam sua identificação com o 15-M e uma alusão à localidade de onde vinham. Todas essas pessoas, tão preocupadas em se fazer notar por suas peculiaridades, mostrava-se ao mesmo tempo unida de maneira coesa, já que em nenhum momento se escutou qualquer ação de desrespeito vindo de um desses subgrupos em direção a outro.

Porém, não só apoiadores de 15-M eram encontrados na mobilização. Enquanto caminhava, fui abordada por um garoto que divulgava um jornal chamado Socialismo Libertário, de conteúdo crítico ao movimento iniciado na Puerta del Sol. “Participei ativamente da acampada aqui, e pude ver que a organização do movimento é insuficiente para resolver os atuais problemas. Por exemplo, eles pedem uma nova Constituição para a Espanha, mas excluem os imigrantes da participação cidadã. Além disso, fui impedido de divulgar os materiais da organização Socialismo Libertário, da qual faço parte, dentro do acampamento”, reclamou.

Embora essa ênfase demasiada do jovem na defesa da organização que representa tenha me incomodado um pouco, dei razão a suas palavras no que diz respeito a sua preocupação com a causa da imigração. De fato, é visível pelas ruas de Madrid e Barcelona que a população mais afetada pelas desigualdades produzidas pelo sistema capitalista é aquela vinda de outros países em busca de oportunidades de trabalho.

No entanto, essas pessoas que ocupam funções laborais pouco valorizadas, em sua grande maioria, não parecem identificadas com os lemas da luta do 15-M, cujo maior disparador foi a rápida elevação do desemprego entre a população europeia. Durante os protestos de sábado e ontem, viam-se mulheres e homens chineses, bem como garotos indianos vendendo cerveja aos indignados. Enquanto trabalhavam clandestinamente, tais estrangeiros pareciam vislumbrar como único efeito positivo dessas manifestações a oportunidade de ganhar um dinheiro extra sobre o gosto da juventude pelo álcool.

Em Madri, que tem tamanho e ritmo de vida típicos de metrópole, a exclusão social se faz mais visível que em Barcelona, seja pelo contraste entre prédios de arquitetura clássica imponentes e desempregados que dormem pelas ruas, ou devido à quantidade de lojas e restaurantes caros em oposição à contínua redução do salário da população que trabalha nesses locais.

Pensava nisso, quando li no cartaz segurado por um garoto que estava a minha frente a seguinte frase “o mês acaba antes do fim do dinheiro”. Nesse instante, os manifestantes chegavam à Praça de la Cibeles, onde o Passeio do Prado termina, cruzando a rua Alcalá. Ali, começaram a gritar: “aqui, cova de Alibabá”.

Percebi que a fala em coro era dirigida ao Banco da Espanha, prédio luxuoso localizado na esquina entre as duas avenidas antes mencionadas. O edifício foi pichado com a frase: “Se os jornais mentem, as paredes falarão”, e também teve cartazes contendo a palavra “culpables” fixados em suas portas. Diante dessa ação mais radical, um cordão de policiais se formou em torno do banco, mas nenhum desses agentes precisou usar de violência para conter qualquer manifestante.

Foi então que um grupo artístico de indignados se defendeu da intimidação provocada pela Polícia, bailando ao som de tambores e simulando um embate entre ativistas e um indignado vestido de policial, cuja fantasia consistia em escudo e capacete de plástico, cassetete cor-de-rosa de borracha e um coador como proteção para a boca. Em seguida, parte dos manifestantes rumou à Gran Via, de onde, passando pela Praça do Callao, partiram para a rua dos Preciados. Nessa via, que desemboca na Puerta del Sol, jovens escalaram andaimes de prédios em reforma para tirar fotos e fazer vibrar do alto bandeiras anarquistas.

Pouco depois, ao passar por uma loja H&M, rede multinacional de venda de roupas, os indignados gritaram “em domingo, não se trabalha” e “faz falta já uma greve geral”, chamando os vendedores para que se somassem ao protesto. Nesse ponto da mobilização, havia uma exaltação especial, talvez porque a rua estreita fizesse ecoar o grito da massa, potencializando sua força, e também devido à movimentação inofensiva de um avião das forças de segurança do Estado, que sobrevoava o local. Com esse ânimo, os militantes do 15-M alcançaram o ponto de chegada, onde escalaram estruturas de bancas de jornal e tabacarias ou se sentaram para descansar sobre o solo da praça, até decidir, em segundos, que todos rumariam ao Congresso Nacional.
Assim, o grupo se reuniu novamente para tomar a Carrera de San Jerômino em direção ao Parlamento, onde já os esperava uma equipe de policiais, que protegia os quatro diferentes caminhos de acesso ao edifício oficial. Impedidos dessa maneira de acampar frente à Casa dos deputados federais como queriam, os indignados fizeram cerca de uma hora de protestos do lado de fora de uma grade instalada pelos policiais para impedir que os manifestantes se aproximassem.
Aproveitando o grande contingente de pessoas ali reunidas, foi realizada uma assembleia para definir as próximas ações do movimento naquela noite. As propostas se dividiam entre: montar acampamento no passeio público onde estavam, ultrapassar a barreira de policiais para tentar acampar na porta do Congresso, ou voltar ao alojamento no Passeio do Prado para descansar e poupar forças para atitudes mais efetivas nos próximos dias.

Ganhou a primeira opção porque os indignados queriam resistir, mas temiam as conseqüências legais e a possibilidade de sofrerem agressões, diante de uma tentativa de ultrapassar a grade imposta pelos policiais. Os manifestantes montaram, então, suas barracas em duas diferentes entradas para o Congresso: a da Carrera San Jerônimo e outra localizada diante da Plaza Neptuno.

Nesse último local, a acampada virou a noite, enquanto no primeiro, os manifestantes se dispersaram a partir das 3 horas. por entender que aquela ação não levaria a nada além de fazer com que os policiais perdessem uma noite de sono. Isso porque no domingo os parlamentares não trabalhavam e hoje, segunda-feira, é feriado em Madri pelo dia de Santiago e, portanto, mais uma vez não haverá atividade legislativa.

É possível, no entanto, que nesta tarde novas manifestações aconteçam na cidade, em pontos de maior visibilidade. Mas, por enquanto, só estão mesmo na programação encontros para debates de ideias e formulação de planos mais estratégicos, divididos por temas. Essas discussões se concentrarão no Parque del Retiro de Madri, onde acontece um Fórum Social desde a manhã de hoje. A ver o que passa nessa reunião, cujo objetivo é aproveitar uma oportunidade única de intercâmbio entre jovens indignados de diferentes países e localidades da Espanha, que chegaram a Madri com mais sonhos que bagagem.

Um estrondo na Noruega: quando o diabo bate à porta


Os governos europeus, e os EUA fecham os olhos à contínua fascistização das instituições do estado liberal, em especial da polícia e das autoridades aeroportuárias. A promiscuidade da grande imprensa, como o império Murdoch ( na Inglaterra, EUA e Austrália ) com as lideranças conservadoras, como o Tea Party nos EUA e a polícia, oculta o montante da maré neonazi. Por Francisco Carlos Teixeira, transcrito de carta maior

Quando em 1933, através de mil intrigas e manipulações politicas, Franz Von Papen [2] , velho político do Partido do Centro Católico, aliado a industriais e banqueiros alemães, convenceu o velho Marechal Von Hindenburg, presidente da Alemanha e empedernido militarista e oligarca, a nomear Adolf Hitler chefe do governo alemão encerrava-se um ciclo na história alemã. Era o “Kampfszeit”, os tempos de luta dos nazistas pelo poder. Desde 1920 o partido nazista alemão – DNSAP – promovera atentados, tentativas de golpe de Estado, arruaças de rua e homicídios políticos. Contudo, a elite política alemã – homens “respeitáveis” como Von Papen e Hjalmar Schacht [3] , o chamado “mago das finanças” – acreditavam que poderiam controlar o nazismo visando atingir seus próprios objetivos: a derrubada da democracia e a instauração de um regime reacionário estável e duradouro. Os nazistas, por mais desagradáveis que fossem, seriam apenas uma ferramenta para atingir seus fins. O resultado foi a maior catástrofe da história alemã e a maior tragédia bélica da história da humanidade.
A DIREITA TRADICIONAL EM FACE DOS FASCISMOS
Ao longo da história dos fascismos históricos (isso mesmo, fascismos, no plural: conjunto de movimentos antidemocráticos, ultranacionalistas e racistas surgidos desde os anos de 1920, incluindo aí o nazismo, o franquismo, o salazarismo e, claro, o fascismo italiano. Este, por ser o primeiro a fazer sua estreia no cenário europeu, acabará por denominar o conjunto dos movimentos de extrema direita) podemos reconhecer um padrão de relacionamento entre os partidos de Direita [4] tradicionais e constitucionais e as organizações fascistas.
Os grandes partidos da Direita constitucional hoje – como no exemplo clássico dos católicos, dos conservadores e dos liberais em 1933 - assumem uma postura comum: negação de identificação direta e unilateral com os movimentos fascistas. Contudo, mantém uma relação ambígua e “compreensiva” da agenda extremista de cunho fascista. Assumem vários dos temas da agenda fascista – xenofobia, anti-multiculturalismo, anti-Estado Social, luta contra os impostos que incidem sobre ricos e empresas, identificação entre criminalidade e estrangeiros e entre desemprego e imigrantes. Da mesma forma, apoiam uma crítica violenta, cheia de ódio, aos quadros intelectuais e políticos da Esquerda, apontados como traidores da civilização e da raça branca. Por fim, permitem nos seus quadros de base e associações um amplo “intercâmbio” de pessoal com a (sub)cultura politica fascista, em especial no cyberspace e nas suas associações juvenis.
Embora partidos estabelecidos, constitucionais, como os Republicanos, nos EUA; o Likud, em Israel; a CSU/CDU, na Alemanha; o Partido Progressista, na Noruega; a Liga Norte na Itália entre outros, mantenham-se na esfera constitucional, aproveitam-se da pregação de ódio das entidades fascistas para enfraquecer e encurralar os partidos trabalhistas e socialistas, caracterizados como fracos e antinacionais, no limite traidores, como no caso do assassinato de Yitzhak Rabin em 1995 por extremista de direita (no bojo de uma violenta campanha do direitista Likud contra o ex-premiê israelense). Da mesma forma, a violenta campanha do “Tea Party” nos EUA, endossada pelo Partido Republicano, não é estranha a matança de janeiro de 2011 de seis pessoas numa reunião em Tucson do Partido Democrata local. Notem bem: embora a imprensa internacional queira sempre caracterizar tais ataques como produto da “loucura” de um desiquilibrado isolado, os ataques são sempre dirigidos a um alvo político que se opõe à Direita local: contra o líder trabalhista em Israel, contra os democratas em Tucson ou os trabalhistas na Noruega. Até a loucura possui um sentido.
OS FASCISTAS EM FACE DA DIRIETA TRADICIONAL
As entidades fascistas, por sua vez, aproveitam-se do oportunismo dos grandes partidos da Direita constitucional, para ampliar seu “auditório” e para por em debate suas ideias generalistas e equivocadas sobre, por exemplo, desemprego versus imigração ou criminalidade versus estrangeiros.

A crise econômica, desde 2008, teve um papel relevante no acirramento das tensões internas e no debate sobre a distribuição social do ônus das medidas de “salvação” . A maioria dos países avançados – EUA, RU, Espanha, Itália – e os chamados “novos” países capitalistas do leste europeu optaram, após uma paralisia inicial, em “investir” grandes somas de dinheiro público em bancos, seguradoras e montadoras de automóveis para debelar a crise. Assumiam, assim, a responsabilidade do passivo gerado pela má gestão dos negócios, pela especulação e pelas consequências da “bolha imobiliária” ( o chamado “subprime” ). Seguiu-se, então, um abandono seletivo do fundamentalismo liberal: intervenções salvadores em empresas irresponsáveis e o abandono de inúmeros programas sociais ( como educação e saúde na Inglaterra ) e corte nas políticas de crescimento e de emprego ( como na Espanha, Portugal e Grécia ).

Para a grande parte da população, na maioria das vezes sem quaisquer iniciação ou militância política, os estados surgiam como arrecadadores vorazes, injustos e perdulários dos impostos públicos. Haveria uma maior sensibilidade para salvar as grandes empresas e os empregos milionários de gerentes irresponsáveis do que com a garantia do emprego dos trabalhadores contribuintes. Assim, não é de estranhar que uma parcela importante das populações nos países avançados - em especial pequenos empresários, fazendeiros, lojistas e funcionários das empresas privadas ( todos eles contribuintes diretos e indiretos ) se rebelassem contra o Estado “devorador e insensível”. Estes mesmos segmentos sociais voltam sua frustração diretamente contra estrangeiros, muitos deles concorrentes no pequeno comércio ou em empregos menos remunerados, abrindo caminho para a xenofobia e o ódio racial, estopim do processo de fascistização. Campanhas anti-impostos e pelo Estado mínimo – cortando programas das classes trabalhadoras, vistas como privilegiadas nas suas relações com o Estado e ações afirmativas voltadas para minorias – são abraçadas com fervor, em especial pelo” Tea Party”, a Liga Norte, Front National ( França) e o Partido Progressista ( Noruega ).
A LUTA CONTRA O ESTADO SOCIAL
Os partidos da Direita constitucional, no mais das vezes profundamente imbricados com o mundo dos negócios, acabam por ver na crise uma oportunidade para desinvestimentos, cortes de programas sociais e de ajuda humanitária, configurando forte convergência com as associações fascistas. Tais medidas, para além de serem um programa de aprofundamento da recessão – como na Grécia, Espanha e Portugal – implicam em legitimar a plataforma fascista, gerando ainda mais desemprego e mal-estar social.

Os partidos da esquerda constitucional, por sua vez, emparedados entre a crise e as acusações de fraqueza perante a “invasão de estrangeiros” e de ações de antinacionais, vacilam e abrem mão de plataformas progressistas e reformistas, aceitando vergonhosamente ( como em Portugal, Grécia, França ) a distribuição socialmente injusta do ônus da crise econômica gerada pelo fundamentalismo neoliberal. As preocupações com a inflação e o equilíbrio fiscal sobrepõem-se às políticas de emprego e de crescimento econômico. Neste contexto, os partidos de esquerda ficam incapazes de apresentar alternativas nas áreas sociais, mantendo-se exclusivamente no âmbito do debate sobre quem seria o melhor gerente da crise. Da mesma forma, a Esquerda falhou miseravelmente em assumir um papel de condutor, esclarecedor, das razões da crise e dos interesses da sociedade.

No momento em que o neoliberalismo entrava em crise, a Esquerda assumiu a sua gerência. A população revoltada – os “Indignados” - em Atenas, Madrid ou Lisboa, em especial os jovens, não enxergam alternativas viáveis nos grandes partidos socialistas. Numa linguagem gramsciniana, a Esquerda estabelecida renunciou ao seu papel de “Príncipe moderno”.
Foi desta forma, que os pequenos grupos fascistas - imbuídos de raiva, frustração e inveja – emergiram com respostas tão fáceis e diretas quanto incorretas. Apontar para os imigrantes, para os estrangeiros ou para uma conspiração judia mundial era fácil. E, além disso, de grande capacidade de aderência popular.
A MARÉ NEONAZI
Desemprego= a imigração; crise econômica= a estrangeiros; recessão= a dirigismo estatal; carestia= a euro. Tudo simples, direto e sem questionamentos muito complicados. Foi neste contexto que se desenvolveu uma ampla (sub)cultura política fasciscizante: ocupou o cyberspace ( são 12 sítios eletrônicos na Noruega fazendo propaganda nazista! ), as rádios e os temas televisivos cotidianos. Bandas de rock, de tipo “Black Metal”, desenvolveram signos, canções e atitudes neonazi na Alemanha, Inglaterra, Suécia e Noruega. Alusões ao satanismo e ao ocultismo proliferaram, com o uso de runas e de ícones nazistas, como a suástica e a runa “SS” em pretensos cultos que vandalizam cemitérios e antigas igrejas. Em outros casos emergiu um forte neopaganismo, como nos grupos “Viking” sueco e “Vigrid” norueguês, ambos intimamente associado ao grupo de supremacia branca norte-americano “National Alliance”. Na própria Noruega emergiu uma “Sociedade Aasatru” ( denominação da mitologia nórdica), de culto pagão e adoração a runas nazistas. Tais organizações negam a existência histórica do genocídio dos judeus na Segunda Guerra Mundial, falando odiosamente de um “Holocash” – uma impostura judia para arrancar dinheiro dos países germânicos. Ao lado disso, uma velha mentira, como o livro “Protocolos dos Sábios de Sião” foi reeditado e vendido publicamente na Noruega. Em outros casos, como é o caso do atirador Anders Behring Breivik, desenvolveu-se um forte e intolerante fundamentalismo cristão, profundamente anti-muçulmano e anti-socialista. Estes são elementos comuns da cena fascista contemporânea.

Uma temática especial mereceu a atenção dos novos fascistas: a revisão positivada dos fascismos históricos, recuperando uma memória construída sobre os imaginados “bons tempos” dos anos de 1930 e da própria ocupação nazista durante a guerra. Ao lado do revisionismo histórico, desenvolveu-se também o negacionismo, a recusa em aceitar o genocídio de judeus, ciganos, doentes mentais, testemunhas de Jeová e gays pelos nazistas. Isso já havia acontecido entre 1991 e 1996, numa primeira vaga revisionista/negacionista. Agora ressurge uma segunda vaga visando passar a Segunda Guerra Mundial à limpo. Na França, Itália, Alemanha, Espanha, Noruega e Suécia vários grupos buscam negar a realidade histórica do holocausto e reabilitar os velhos fascistas nacionais, como é o objetivo do pretenso “Norwegian Occupation History Institute”.
Ao mesmo tempo políticos, intelectuais e celebridades – como Jorg Haider[5] , Gian Franco Fini [6], o estilista John Galliano e o cineasta Lars von Trier – fazem declarações desculpando e “entendendo” personagens como Mussolini e Hitler, numa clara banalização da maior tragédia da história contemporânea.
Os governos europeus, e os EUA, por sua vez, fecham os olhos frente a contínua fascistização das instituições do estado liberal, em especial da polícia e das autoridades aeroportuárias. A promiscuidade da grande imprensa, como o império Murdoch ( na Inglaterra, EUA e Austrália ) com as lideranças conservadoras, como o Tea Party nos EUA e a polícia, oculta o montante da maré neonazi. A polícia, sob instigação da “luta antiterrorista” mata inocentes e brutaliza oponentes antifascistas, como na Inglaterra, França e Espanha. Nos estádios de futebol multiplicam-se as manifestações abertamente racistas contra atletas negros e árabes, tudo isso em face da leniência das autoridades e das instituições ditas culturais e esportivas.
É a multiplicação dos microfascismos no interior do próprio estado liberal.

Mais uma vez a sociedade e o estado comportam-se como Franz von Papen e seus seguidores católicos, conservadores e liberais. Negam-se a ver a ameaça nazista que bate à porta. Com estrondo.
NOTAS
[1] Devo a inspiração desse título ao livro “Lucifer ante portas”, de Rudolf Dihls (Interverlag, Zurique, 1950), “Oberführer” da Gestapo entre 1933 e 1934, quando então se afasta do nazismo.
[2] Franz von Papen ( 1879-1969 ) político reacionário alemão, membro do primeiro gabinete de Hitler e político que viabilizou o governo de Hitler junto aos empresários e militares alemães.
[3] Hjalmar Schacht ( 1877-1970) político, banqueiro e empresário alemão responsável pela adminsitração financeira no gabinete Hitler.
[4] Embora se fale muito no fim das oposições “direita versus esquerda” continuo achando válida, e mesmo imprescindivel, a díade. Utilizo aqui as noções de “esquerda” e de “direita” conforme proposta de Norberto Bobbio no livro “Direita e esquerda: razões de uma diferença” ( São Paulo, Edusp, 1999 ).
[5] Jorg Haider ( 1950-2008), lider do abertamente fascista partido FPÖ ( Partido Austríaco da Liberdade ).
[6] Gianfranco Fini ( 1952) lider do partido dito pós-fascista italiano Aliança Nacional e depois ministro de Berlusconi no Partido Povo da Liberdade.

27/07/2011

indignados de todo o mundo: uni-vos!

Enquanto estiver na fase da simples negação das medidas adotadas pelos governos, não haverá tanta dificuldade quanto a partir do momento em que os indignados passem a ser chamados a dizer o que sugerem como propostas ou sugestões para uma ordem social e econômica mais justa. Por  Paulo Kliass, trancrito de carta maior

Até poucos dias atrás, antes da retomada da mobilização na Grécia, a bola da vez parecia estar com a Espanha. E com toda a sua rica diversidade política, cultural, social. Os gritos eram bradados em catalão, em basco, em galego, em castelhano. Da mesma forma, os escritos dos cartazes e das faixas. Talvez pudéssemos sintetizá-los todos em “Não nos representam!”.

Ao longo dos últimos meses, o cenário mundial tem apresentado algumas novidades em termos de mobilização política. Por um lado, foram todas as manifestações observadas nos países árabes e do norte da África, caracterizadas essencialmente por reivindicações de natureza democrática face a seus governos. De outro lado, tem crescido o volume dos protestos que atingiram os países europeus mais duramente afetados pelas exigências de austeridade e rigor na ortodoxia dos ajustes econômicos por parte da União Européia (UE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Foram os casos da Irlanda, da Grécia, da Islândia. E agora, a Espanha.

Muitos analistas tentam se debruçar com mais detalhe sobre esse momento e o conjunto de tais manifestações. A primeira tentação é inescapável. Comparar o primeiro semestre de 2011 com a famosa primavera de 33 anos atrás, quando a onda de manifestações atingiu um conjunto imenso de países por todos os continentes. Protagonizado por estudantes e trabalhadores, o movimento de 1968 mobilizava multidões em cidades e regiões tão diversas quanto distantes como Paris, Praga, São Francisco, Tóquio, além das mobilizações ocorridas inclusive no Brasil, já sob o regime militar do golpe de 64.

Porém, as diferenças também são significativas. O movimento de 68 tendia a expressar mudanças em operação na base das sociedades àquela época. A pauta da nova geração falava de um novo modo de vida, apresentava a crítica ao modelo da sociedade industrial e de consumo. Denunciava as iniciativas bélicas, simbolizadas na operação norte-americana no Vietnã. “Faça amor, não faça guerra!”. As flores nas bocas dos canhões. Na pauta e na essência das manifestações, mudanças comportamentais e a liberação de costumes como as drogas, o sexo, o rock and roll. O Festival de música de Woodstock entrou para a história como um dos símbolos daquele novo tempo que se iniciava.

Nos tempos atuais, a hegemonia do pensamento liberal e a falência dos regimes dos países socialistas tornam menos evidente a aceitação generalizada dos princípios de solidariedade presentes nos movimentos de protesto. Infelizmente, ao que tudo indica, as sociedades estão mais marcadas pelo sentido da postura individual e menos para ações coletivas. E a questão comportamental parece mais influenciada pelas inovações tecnológicas proporcionadas pelos contatos via celular e internet do que pela essência das atitudes e proposições libertárias dos movimentos precedentes. Uma das principais tarefas reside na divulgação e no convencimento de outros setores sociais, bem como no combate ao conteúdo conservador dos fundamentalismos de todos os gêneros (religioso, moral, político, cultural, etc) que marcam nosso tempo.
Em meio a essa multiplicação de experiências alternativas de demonstração de descontentamento com a ordem política vigente, um antigo combatente das causas democráticas e populares resolveu também tomar a iniciativa e lançou o que imaginou que fosse sua “modesta” contribuição. Stéphane Hessel, um francês já com 93 anos, publicou em 2010 um manifesto que intitulou de “Indignez-vous!”. Transformado em livro, está batendo recorde de vendas, com mais de 1 milhão só na França. No Brasil, a Editora Leya Livros lançou uma tradução como “Indignai-vos!” Trata-se de um verdadeiro chamamento a que as gerações atuais se mobilizem e demonstrem a sua discordância com o estado atual de coisas no planeta. O autor pensava sobretudo na questão francesa face à política conservadora implementada pelo Presidente Sarkozy, mas também nas dificuldades em aceitar as medidas originadas pelas obscuras autoridades européias, sediadas em Bruxelas.

No entanto, aquilo que fora concebido como um singelo manifesto de pouco mais de 30 páginas, passa a ganhar uma dimensão política e aceitação inusitadas. Com a ajuda da divulgação proporcionada pela rede virtual, o documento ganhou o mundo. E tornou-se, aos poucos, o símbolo de um movimento que se pretende como a contraposição a tudo o que o processo atual da globalização apresentou até o momento. Um pouco na esteira do espírito altermundista e das experiências do Fórum Social Mundial, espalha-se cada vez mais internacionalmente, junto com o sentimento de que “um outro mundo é possível”. E mostra a incrível energia e disposição de quem lutou quase um século e não se acomodou!

No caso espanhol, fica visível uma negação explícita da forma tradicional das organizações políticas, partidárias e institucionais. Iniciado em Madri e Barcelona como um movimento de protesto contra as medidas restritivas de um sistema de governo (central, das regiões autônomas, das províncias e das municipalidades), seus participantes ocupam locais estratégicos e de alta visibilidade nos espaços urbanos, acampando em praças centrais. Por outro lado, a evolução da conjuntura faz com que emirja rapidamente um sentimento de solidariedade de amplos setores da população. Como se o movimento estivesse a representar alguma novidade ainda submersa na base da sociedade, não captada pelos analistas e pelos próprios ativistas.

A forma de organização é também inovadora. Ao menos nessa fase inicial, os participantes e suas lideranças não escondem que os partidos políticos, os sindicatos e demais associações tradicionais não são bem vindos. A princípio, a idéia tangencia o sentimento libertário e não se aceita a prática da representação e da delegação de poderes. As decisões são todas adotadas em reuniões abertas a todos, em uma espécie de assembleísmo permanente. Não por acaso, está sempre presente a analogia com os modelos da prática política nas sociedades antigas, como a Grécia clássica. Trata-se da busca do ideal da democracia permanente.
Ao contrário de movimentos que tiveram um início similar, os atuais tendem a contar com uma maior participação de diversos setores que não exclusivamente aquele que o imaginário popular e os meios de comunicação apresentam como a “juventude rebelde”. A própria inspiração de um combatente quase centenário como Hessel confirma essa tendência. Nas praças dos acampados e nas manifestações chega mesmo a ser emocionante verificar a solidariedade ativa de aposentados, desempregados de todas as idades, famílias inteiras, estudantes universitários, secundaristas, etc. Um intercâmbio diferente e a aceitação da construção do “novo” a partir desse sincretismo um tanto inédito. A troca de experiências entre grupos tão diversos é impressionante. De um lado, os que já viram e atuaram em não sei quantos movimentos e greves ao longo do século passado, passando pela luta na resistência contra os nazistas ou ao lado dos republicanos na guerra espanhola. De outro lado, aqueles que chegam agora com menos experiência acumulada, mas com sua força e energia políticas, e sobretudo acompanhados do potencial mobilizador oferecido pelo celular e pela rede virtual.

Um outro aspecto significativo foi a afirmação do caráter pacífico e não violento do movimento. Isso tornou-se uma expressão explícita de seus documentos e declarações oficiais, em particular depois da tentativa do sistema de inteligência espanhol de infiltrar as manifestações com supostos radicais em 15 de junho, com o objetivo de desacreditar os indignados junto à maioria da população. Para evitar esse risco, o movimento denunciou tal tentativa da polícia e reafirmou a condenação da violência extremista gratuita, como costuma acontecer em algumas manifestações dessa natureza, a partir da ação irresponsável de pequenos grupos que não representam o pensamento da maioria e só fazem isolar politicamente os movimentos.

No entanto, essas características inovadoras de tais movimentos passam a representam um limite, à medida em que as ações se ampliam e eles passam a ganhar apoio e simpatia de outros setores da população. Uma coisa é organizar acampamentos com muitas centenas e alguns milhares de pessoas. Mas quando se trata de organizar manifestações de centenas de milhares de participantes, em várias cidades espalhadas pelo país, com ações de segurança interna e outras, o movimento passa a exigir de si mesmo outro nível de organização interna e o aperfeiçoamento de mecanismos de representação institucional.

O mesmo vale para a questão política. Enquanto estiver na fase da simples negação das medidas adotadas pelos governos, não haverá tanta dificuldade quanto a partir do momento em que os indignados passem a ser chamados a dizer o que sugerem como propostas ou sugestões para uma ordem social e econômica mais justa. Sim, pois o sentimento de indignação é bastante amplo para exprimir um descontentamento com a ordem atual, mas não pressupõe a mesma unidade de ação e pensamento quanto ao como e o que fazer. Os cartazes e as intervenções tendem a apontar como responsáveis pela crise fatores amplos, que vão desde o sistema capitalista até o processo da unificação européia, passando pelo sistema político espanhol.

Há mesmo muitos intelectuais, artistas, pesquisadores e professores (1) que apóiam as iniciativas, mas parte deles reconhecem as limitações das mesmas. Assim, chamam a atenção para a importância do movimento, mas consideram a necessidade de alguma forma de institucionalização no plano da política (inclusive eleitoral) para tornar as propostas factíveis e viáveis. Caso contrário, os indignados correm o risco de revelarem-se mais uma excelente oportunidade de aprendizado e amadurecimento políticos para seus participantes, mas sem desaguar em nenhuma proposta efetivamente transformadora da ordem atual que pretendem mudar (2). Ou seja, podem entrar para a longa lista dos movimentos de protesto – importantes, sem dúvida alguma – que não lograram apresentar à sociedade uma via de implementação de suas propostas de transformação.

E que sirva como alerta para aqueles que insistem, aqui por essas latitudes mais ao sul, também em ignorar as experiências históricas e suas propostas de origem. Nos dois casos em foco na Europa, um dos aspectos mais relevantes da crítica são os cortes orçamentários para áreas sociais em contratse com o volume de recursos destinados para o saneamento financeiro, o eterno privilegiar do capital contra a maioria da população. E tudo isso sendo levado a cabo e votado nos parlamentos por governos que se dizem socialistas. Como as entidades sindicais ficaram na postura meio de peleguista de nosso conhecido “chapa-branquismo”, a onda de indignação acabou por atropelar partidos e sindicatos.

De qualquer maneira, a simples ocorrência de tais movimentos em sua seqüência atual já representam um elemento inovador na ordem política. E a facilidade com que se espalham pelos continentes faz-nos lembrar o chamamento final do Manifesto escrito por Marx e Engels há mais de um século e meio: “Indignados de todo o mundo, uni-vos!”. Afinal, não têm mesmo muito a perder a não ser a sua desilusão, o seu descontentamento e a sua frustração com a ordem atual de injustiça social, política e econômica.

NOTAS

(1) É o caso da iniciativa de lançamento do manifesto “Una ilusión compartida”, que pretende ser uma cunha no debate político e eleitoral na Espanha, agora com a saída do líder do PSOE, Zapatero. Assinam Pedro Almodovar (cineasta), Ignacio Ramonet (jornalista), Pilar Barden (atriz), entre outros. Ver: www.unailusioncompartida.com.

Registro uma frase emblemática: “La corrupción democrática se ha mostrado como la mejor aliada de la especulación, separando los destinos políticos de la soberanía cívica y descomponiendo por dentro los poderes institucionales. Hay que devolverle a la vida pública el orgullo de su honradez, su legitimidad y su transparencia. Por eso resulta imprescindible buscar nuevas formas de democracia participativa y sumar en una ilusión común los ideales solidarios de la izquierda democrática y social.”

(2) Ver: De uma tendência distinta, contribui também Arcadi Oilveres, presidente da associação catalã Justicia i Pau (Justiça e Paz). Ver: http://www.justiciaipau.org/

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

25/07/2011

crise favorece avanço de novo sistema

Está ficando cada vez mais clara a recidiva da crise de 2008, só que de forma mais ampla e virulenta. As avaliações de vários analistas que enfocam os problemas da zona do euro e dos EUA pioram dia a dia. Os países mais frágeis do sul da Europa não têm condições de resolver seus elevados déficits fiscais e reduzir suas dívidas. Eles não conseguirão pagar as prestações que assumiram e os calotes irão se suceder atingindo o sistema financeiro em efeito dominó. No caso de recidiva da crise, o Brasil não pode titubear e continuar seguindo o que dita o mercado financeiro e os economistas conservadores. O artigo é de Amir Khair, transcrito de carta maior


O sistema capitalista sofre seu mais duro golpe, ao evidenciar que é inviável por ser incapaz de controlar os fluxos financeiros que caminham com vida própria, independente da produção de bens e serviços da chamada economia real.

Ao invés de se apoiar no atendimento das necessidades de acesso da maior parte da população mundial especialmente das marginalizadas dos países ditos em desenvolvimento aos bens e serviços, endereçou sua expansão artificializando o excesso de consumo da população dos países do centro do capitalismo, (Estados Unidos, Europa e Japão). Essa artificialização se manifestou via empréstimos sem controle, ampliando volumes crescentes de títulos podres, que se espalharam como um câncer em expansão exponencial sem possibilidade de ser contido.

Partiu do princípio que esse sistema se auto-regularia, o que ficou evidenciado ser impossível. Está sendo duramente vitimado pela sua própria contradição interna, qual seja, ser incapaz de se desenvolver distribuindo os benefícios criados pelos trabalhadores e, pelo descontrole dos fluxos financeiros internacionais em busca desenfreada de lucros nas movimentações, que ultrapassam em volume centenas de vezes a movimentação de mercadorias.
• Recidiva - Nessa sequência está ficando cada vez mais clara a recidiva da crise de 2008, só que de forma mais ampla e virulenta. As avaliações de vários analistas que enfocam os problemas da zona do euro e dos Estados Unidos pioram dia a dia. Os países mais frágeis do sul da Europa não têm condições de resolver seus elevados déficits fiscais e reduzir suas dívidas, pois as medidas a que tiveram de se submeter de aperto fiscal e redução de salários e direitos criam, em contrapartida, efeito maior em queda de arrecadação, devido à redução da atividade econômica e elevação da inadimplência, pois os contribuintes passam a ter piores condições financeiras, e a primeira decisão que tomam é não pagar ou protelar o pagamento de impostos.

Assim, vai ficando mais claro que esses países não conseguirão pagar as prestações das dívidas que assumiram e os calotes irão se suceder atingindo o sistema financeiro privado em operação dominó, cujos reflexos podem ser de contaminação do sistema bancário de outros países como França, Alemanha e, como existem relações entre sistemas financeiros fortes entre Europa e Estados Unidos, este último poderá sentir os impactos financeiros, o que debilitaria ainda mais sua economia. Ao lado desse processo intensifica-se a mobilização social e manifestações públicas de reação da população atingida ou ameaçada pelas decisões de agravamento das condições de vida que usufruíam. Esse processo só tende a crescer.

Nos EUA, às voltas com o desenlace da autorização do Congresso para a elevação do teto da dívida do governo, a disputa política e a visão fiscal entre democratas e republicanos pode causar um trauma de proporções inimagináveis caso o acordo não saia. Os títulos americanos já sofreram a ameaça de rebaixamento nas agências de classificação de risco e, a economia até agora não eu sinais de recuperação do golpe sofrido em 2008, com elevado nível de desemprego, fragilidade no consumo interno e pouca competitividade externa face ao mercado internacional mais concorrencial, especialmente devido à posição agressiva das exportações do leste asiático, com destaque para a China.

Para agravar ainda mais esse quadro, a agência de classificação de risco Moody"s anunciou dia 13 ter colocado em revisão para potencial rebaixamento o rating soberano dos Estados Unidos, devido à possibilidade de o limite de endividamento não ser elevado em momento oportuno e, dessa forma, levar o país a declarar calote em suas obrigações de dívidas.

A Moody"s também colocou os ratings de instituições financeiras diretamente ligadas ao governo dos EUA em revisão para potencial rebaixamento. Entre elas, estão a Fannie Mae e a Freddie Mac.

Em abril, a Standard & Poor"s reduziu a perspectiva da classificação de estável para negativa, pois "Mais de dois anos depois do começo da crise, os formadores de política dos EUA ainda não chegaram a um acordo sobre como reverter a recente deterioração fiscal ou solucionar as pressões fiscais de longo prazo".

• Solução coordenada - Parece que não existe mais a possibilidade de uma solução coordenada de salvamento das economias dos países mais frágeis da zona do euro, nem perspectivas sólidas e duradouras de acordo para ampliar o limite de endividamento dos EUA. Há sérios riscos de empurrar o problema para frente tornando-o impossível de ser resolvido.

Esses países vão sentindo os golpes e o que prevalece é o salve-se quem puder. A crise de 2008 não conseguiu estabelecer regras para controlar os fluxos financeiros internacionais, que comandam o sistema capitalista e nem conseguirão agora, pois é da essência desse sistema ter vida própria, o que o vitimiza.

• Novo sistema - A China vem desenvolvendo, há mais de vinte anos, sistema próprio de um misto de capitalismo, abrindo espaços a iniciativas privadas e recebendo o ingresso de capitais e empresas de fora, mas sob controle do Estado e com plano estratégico de desenvolvimento. Como tem elevado exército de reserva no campo, os salários são baixos em relação à maioria dos países e seus trabalhadores não contam com a proteção da seguridade social. Com essa precarização do custo da mão de obra conseguem deslocar produtos de outros países no comércio internacional e continuam penetrando cada vez mais seus produtos em mercados que têm custos de mão de obra mais elevados. Seu calcanhar de Aquiles é que nesse processo os trabalhadores irão progressivamente reivindicar melhores condições salariais e de proteção do Estado, o que elevará gradualmente seus custos de produção. Temendo os reflexos de se apoiar em excesso no mercado externo o novo plano do Partido chinês é se voltar para buscar centrar sua expansão mais voltada para seu mercado interno, à semelhança do que já vem sendo feito por vários países emergentes.

• Trabalho x Trabalho – A lógica do sistema capitalista, em sua evolução, evidencia, com clareza, séria disputa entre trabalhadores no confronto internacional. Há deslocamentos de empregos e movimentos migratórios com ou sem controle na busca de oportunidades de trabalho. A tendência que parece natural, mas que precisa ser acompanhada e analisada é de um menor distanciamento entre custos de trabalho entre países, uma vez que a tecnologia pode se deslocar para sistemas produtivos sem maiores problemas, e essa tecnologia é mais diversificada e em forte processo de desenvolvimento. Não será surpresa se ocorrer gradualmente redução dos salários nos países hoje desenvolvidos e elevação nos emergentes dentro desse processo.
Em escala global isso pode ser um avanço, mas repito, é um processo a ser acompanhado e analisado, cabendo aos governos dos países adotarem estratégias de redução dos custos de reprodução da mão de obra, especialmente os relativos à alimentação, transporte, moradia, saúde, assistência social, bem como proteção ao emprego e preparo técnico da mão de obra. É a melhor forma de proteção de seus trabalhadores dentro dessa disputa internacional de custos de trabalho.

• Brasil – No caso desta recidiva da crise, o Brasil não pode titubear e continuar seguindo o que dita o mercado financeiro e os economistas ortodoxos e conservadores, com amplo espaço de expressão na mídia, criando um verdadeiro efeito manada, de sob o pretexto do risco da inflação – que depende mais de fora do que de dentro – pisar no freio da economia. Ao contrário, deve reforçar políticas de distribuição de renda para ampliar sua base interna de consumo, em doses bem mais acentuadas do que os programas de renda, miséria e habitação já anunciados. Representam apenas cerca de 1,1% do PIB. Deve imediatamente reduzir as taxas de juros bancários do governo (Selic) e dos bancos, as mais elevadas do mundo e causas centrais dos prejuízos que o País tem. O governo tem que botar limites e penalizações fortes sobre as taxas de juros e tarifas exorbitantes dos bancos. Tem poder para isso, mas não o exerce, pois está submisso e conivente ao poder do mercado financeiro.

Só de juros são jogados no lixo cerca de 6% do PIB todo o ano, o que obriga a se ter uma carga tributária onerosa, que causa informalização de empresas e empregos. Há que deslocar os benefícios da produção do sistema financeiro para a base da pirâmide social. Temos alto potencial de mercado interno disponível e elevados déficits sociais e de infraestrutura, que nos dificulta a concorrência com outros países e criam problemas sociais que poderiam não existir na magnitude atual.

Nesse sentido, o governo deveria tomar as rédeas da economia elevando as transferências de renda e reduzindo os custos com juros. Quanto mais demorar pior será para enfrentar os problemas existentes e os que virão importados, que são imprevisíveis em seus efeitos danosos ao País.

24/07/2011

milhares de 'indignados' atravessam Espanha a pé para protestar

publicado na folha, em 24/07 

A pé, sob sol forte, carregando durante dias carrinhos com bagagens, milhares de "indignados" atravessaram a Espanha para uma nova manifestação contra o desemprego e a crise econômica neste domingo, em Madri.

"A princípio não sabíamos o que iria acontecer. Na segunda cidade vimos que a ideia era genial", conta José, um estudante de cinema de 19 anos que saiu de Valência, sudeste do país, no dia 20 de junho.
"As pessoas queriam fazer parte do movimento. Davam tudo o que podiam como colaboração", revelou com entusiasmo.

No mesmo grupo, Raquel, uma manifestante de 29 anos que ficou desempregada exatamente uma semana antes da saída dos manifestantes, lembra que "em outra parada, quatro avós fizeram um gaspacho" e que "comemos com a prefeita".
"Foi muito emocionante, nos recebiam com bandas de música", disse Miguel Angel Ruiz Gallego, que saiu de Málaga no dia 25 de junho levando em sua pequena carroça "água, bebidas e medicamentos".

"Tinha vezes que dormíamos em barracas, nos parques ou praças, outras em ginásios, já que pela lei, os municípios têm a obrigação de abri-los", explicou.
O operário de 33 anos, que calça sandálias destruídas por 600 km de caminhada, explica que fizeram "caminhadas de 12 a 42 km". "Foi muito difícil, pelo calor, chegou a fazer 42° num dos dias de estrada. Eu não pensava que iria chegar, e cheguei".

PUERTA DO SOL
No sábado, as seis colunas vindas de toda Espanha chegaram à praça da Puerta del Sol, epicentro do movimento dos "indignados" que denuncia o desemprego recorde (21,29%), dos jovens principalmente (45,4%), os excessos do liberalismo e a "corrupção" dos políticos.

Simbolicamente, voltaram a tomar a praça madrilena no final de semana, ocupada durante quase um mês, de 17 de maio a 12 de junho, por manifestantes acampados que fizeram da praça o coração do movimento.
Na noite de domingo, reforçados pelos moradores de Madri e por outros manifestantes que chegaram à capital de ônibus, os andarilhos desfilaram pelo centro da capital, da estação de Atocha até a Puerta del Sol.

"Por esta crise não pagamos", gritaram os manifestantes na Puerta del Sol, antes de seguir para o Parlamento, que foi isolado pelas forças policiais.
O último grande dia de mobilização de "indignados", no dia 19 de junho, reuniu mais de 200 mil pessoas em todas as cidades da Espanha.

O movimento dos "indignados" começou em meados de maio com um agravamento da crise e das consequências sociais, reuniu jovens, desempregados e aposentados e recebeu o apoio da opinião pública, se espalhando por todo o país.

"Havia gente de todas as idades, dos 10 anos até os 67 anos. Tinha um pai com o filho que estão quase sendo despejados de casa por terem que escolher entre comer ou pagar a hipoteca", relata Héctor, de 33 anos, que foi de Valência à Madri e aromou sua barraca no gramado do Paseo del Prado esperando a hora da manifestação.
O despejo de proprietários endividados, uma das consequências mais explicitas da crise, se tornou uma das causas mais comuns dos "indignados" que agora costumam se reunir para evitar que essas famílias fiquem desabrigadas.

"Estava cansado de ver as pessoas se queixando de não conseguirem chegar no fim do mês", afirma Ruben Rodenas Moran, desempregado de 26 anos. "Fui nas assembleias e me apaixonei pelo movimento", e decidiu "desligar a TV, ir às ruas e protestar".

21/07/2011

ainda vita contemplativa

no combóio para varsóvia

pode acontecer em qualquer lugar, por vezes no combóio
quando estou muito longe: subitamente a porta
abre e figuras esquecidas entram
o meu sobrinho, que já não anda por cá
mas que se aproxima, alegre, sorrindo
e um determinado poeta chinês que amava
a música e as folhas das árvores no outono

estudantes de teologia de Córdoba, ainda sem barba
emergem de nenhures e saltam à vista
retomando o debate sobre os atributos de Deus
e a esplêndida vida surge como uma queda de água na primavera

até que finalmente um telemóvel soa, inoportuno
depois outro, e um terceiro, e todo este mundo excelente, estranho
se contraí e desaparece, exactamente como um rato de campo
que, apercebendo-se do perigo, se retira habilmente para
o seu apartamento secreto.


adam zagajewsky - polônia
transcrito do site português poesia ilimitada

agenda para um espanhol indignado

por Emir Sader, transcrito de carta maior

O correspondente do jornal espanhol El País no Brasil não se conforma. Diz que não entende como aqui não há um movimento dos jovens indignados, como no seu país. Com tanta corrupção, diz ele, certamente leitor assíduo da velha mídia e menos da realidade concreta. Palocci, Ministério dos Transportes, processo do mensalão. Onde está a juventude brasileira? Perdeu a capacidade de se indignar? Está corrompida? Está envelhecida? Não tem os valores morais da juventude do velho continente?
Ele se indigna no lugar da nossa juventude, com um país carcomido pelos hábitos corruptores da velha politica populista e patrimonialista. Aderiu ao Cansei.

Dá pena. Ele não entende nem o nosso país, nem o dele. Acha que os jovens se indignam com a corrupção, na forma que a velha mídia a trata, como mercadoria de denúncia contra o Estado, a política, os governos, etc. etc.
Se comparasse a situação do seu país e do nosso poderia entender bem um ou até mesmo os dois países. Sugerimos uma agenda para sua visão obnubilada.

Por que não compara a popularidade do Zapatero com a do Lula? Por que será que um é enxotado – até mesmo por editorial do seu jornal, chegado ao PSOE, que diz que se ele quer fazer algo de vem pra Espanha, deve ir embora imediatamente – e o outro saiu do governo com 87% de popularidade e 4% de rejeição, mesmo tendo toda a mídia contra? O que é indignante: ter Zapatero como dirigente máximo do país ou a Lula?

Não lhe indigna saber que o seu país, que foi colonizador, se apropriando das riquezas produzidas pelos escravos neste país, que continua a explorar mediante os grandes bancos, petroleiras, companhias de telecomunicação a este continente, se encontra, há já quase 4 anos em crise. Enquanto nós, explorados, dominados, submetidos aos organismos internacionais que vocês apoiam, saímos a quase três anos da crise. Não lhe indigna isso?

Não lhe indigna que aqui todos os imigrantes podem se legalizar e ser tratados com igualdade de direitos, enquanto no seu país semanalmente chegam embarcações com centenas de pessoas provenientes da África – que vocês ajudaram a espoliar -, vários deles já mortos, e são presos e devolvidos a seu continente de origem, tratados como seres inferiores, rejeitados, humilhados e ofendidos?

Não lhe indigna que aqui, com muito menor quantidade de recursos, estamos próximos do pleno emprego, enquanto no seu país o desemprego bate recordes, chega a praticamente 50% para os jovens? Em condições que as elites ricas esbanjam dinheiro pelo mundo afora? Não lhe indigna isso?

Daria para continuar falando muito mais. Se lhe indignassem essas coisas, teria saído com os jovens espanhóis que continuam a ocupar ruas e praças, indignados, eles sim, com tudo isso que passa no seu país. Eles defendem os imigrantes, os desempregados, todos vítimas principais do governo que seu jornal apoiou até ontem.
Não lhe indigna que Lula seja um líder mundial, que vá à África propor medidas de luta contra a fome, enquanto o seu país rejeita os africanos e continua a explorar os recursos daquele continente?

Creio que, no fundo, o que indigna ao jornalista espanhol é que seu país perdeu a competição para sediar os Jogos Olímpicos, derrota com que não se conforma, então tenta desvalorizar o Rio e o Brasil, com denúncias reiteradas e multiplicadas sobre problemas de insegurança pública, de atraso nas obras da Copa e das Olimpíadas.

O que indigna é sua incapacidade de não compreender nem o seu país, nem o país sobre o qual ele deveria fazer cobertura que permitisse que os leitores compreendessem o Brasil. Mas ele não compreende sequer o seu país, como vai compreender o nosso?
É indignante realmente. Estivesse na Espanha, estaria com os jovens indignados, contra um governo como o que tem eles, com uma mídia como a que tem eles.

a perda de confiança na ordem atual

Vigora uma desconfiança generalizada de que deste sistema não poderá vir nada de bom para a humanidade. Estamos indo de mal a pior em todos os itens da vida e da natureza. O futuro depende do cabedal de confiança que os povos depositam em suas capacidades e nas possibilidades da realidade. E esta confiança está minguando dia a dia.
por Leonardo Boff, transcrito de carta maior

Na perspectiva das grandes maiorias da humanidade, a atual ordem é uma ordem na desordem, produzida e mantida por aquelas forças e países que se beneficiam dela, aumentando seu poder e seus ganhos. Essa desordem deriva do fato de que a globalização econômica não deu origem a uma globalização política. Não há nenhuma instância ou força que controle a voracidade da globalização econômica. Joseph Stiglitz e Paul Krugman, dois prêmios Nobel em economia, criticam o Presidente Obama por não ter imposto freios aos ladrões de Wall Street e da City, ao invés de se ter rendido a eles. Depois de terem provocado a crise, ainda foram beneficiados com inversões bilionários de dinheiro público. Voltaram, airosos, ao sistema de especulação financeira.

Estes excepcionais economistas são ótimos na análise; mas, mudos na apresentação de saídas à atual crise. Talvez, como insinuam, por estarem convencidos de que a solução da economia não esteja na economia, mas no ‘refazimento’ das relações sociais destruídas pela economia de mercado, especialmente, a especulativa. Esta é sem compaixão e desprovida de qualquer projeto de mundo, de sociedade e de política. Seu propósito é acumular maximamente, apropriando-se de bens comuns vitais como água, sementes e solos e destroçado economias nacionais.

Para os especuladores, também no Brasil, o dinheiro serve para produzir mais dinheiro e não para produzir mais bens. Aqui o Governo tem que pagar 150 bilhões de reais anuais pelos empréstimos tomados, enquanto repassa apenas cerca de 60 bilhões para os projetos sociais. Esta disparidade resulta eticamente perversa, consequência do tipo de sociedade a qual nos incorporamos, sociedade essa que colocou, como eixo estruturador central, a economia, que de tudo faz mercadoria até da vida.

Não são poucos que sustentam a tese de que estamos num momento dramático de decomposição dos laços sociais. Alain Touraine fala até de fase pós-social ao invés de pós-industrial.

Esta decomposição social se revela por polarizações ou por lógicas opostas: a lógica do capital produtivo cerca de 60 trilhões de dólares/ano e a do capital especulativo, cerca de 600 trilhões de dólares sob a égide do “greed is good” (a cobiça é boa). A lógica dos que defendem a maior lucratividade possível e a dos que lutam pelos direitos da vida, da humanidade e da Terra. A lógica do individualismo que destrói a “casa comum”, aumentando o número dos que não querem mais conviver e a lógica da solidariedade social a partir dos mais vulneráveis. A lógica das elites que fazem as mudanças intrassistêmicas e se apropriam dos lucros e a lógica dos assalariados, ameaçados de desemprego e sem capacidade de intervenção. A lógica da aceleração do crescimento material (o PAC) e a dos limites de cada ecossistema e da própria Terra.

Vigora uma desconfiança generalizada de que deste sistema não poderá vir nada de bom para a humanidade. Estamos indo de mal a pior em todos os itens da vida e da natureza. O futuro depende do cabedal de confiança que os povos depositam em suas capacidades e nas possibilidades da realidade. E esta confiança está minguando dia a dia.

Estamos nos confrontando com esse dilema: ou deixamos as coisas correrem assim como estão e então nos afundaremos numa crise abissal ou então nos empenharemos na gestação de uma nova vida social, capaz de sustentar um outro tipo de civilização. Os vínculos sociais novos não se derivarão nem da técnica nem da política, descoladas da natureza e de uma relação de sinergia com a Terra. Nascerão de um consenso mínimo entre os humanos, a ser ainda construído, ao redor do reconhecimento e do respeito dos direitos da vida, de cada sujeito, da humanidade e da Terra, tida como Gaia e nossa Mãe comum.

A essa nova vida social devem servir a técnica, a política, as instituições e os valores do passado. Sobre isso venho pensando e escrevendo já pelo menos há vinte anos. Mas é voz perdida no deserto. “Clamei e salvei a minha alma” (clamavi et salvavi animam meam), diria desolado Marx. Mas importa continuar. O improvável é ainda possível.






13/07/2011

15-M em Barcelona: renovação desacampada

O espaço na Praça Catalunha, que até semana passada ainda se encontrava preenchido por tendas, barracas e cartazes de pessoas indignadas com as atuais políticas socioeconômicas de governos europeus, voltou a ser uma área comum, dessas onde a ideia de coletividade presente em sua designação não expressa a realidade. De novo, instaura-se a “paz” neste local público, que volta a ser mais freqüentado por solitários anônimos e viajantes deslumbrados, que por grupos realmente interessados em experimentar formas de convivência.
Fabíola Munhoz, direto de Barcelona - especial para Carta Maior

Quem passa pela Praça Catalunha hoje, quando já se completa a passagem de quase dois meses, desde que o movimento 15-M veio à tona, sente a ausência de algo nesse ponto turístico de Barcelona.

O espaço, que até semana passada ainda se encontrava preenchido por tendas, barracas e cartazes de pessoas indignadas com as atuais políticas socioeconômicas de governos europeus, voltou a ser uma área comum, dessas onde a ideia de coletividade presente em sua designação não expressa a realidade.

A praça, de novo, é mantida limpa e organizada pela Prefeitura para que possa ser apreciada pelos inúmeros turistas que a cidade recebe o ano todo e cuja presença se torna ainda mais perceptível agora com o início do verão.

De novo, instaura-se a “paz” neste local público, que volta a ser mais freqüentado por solitários anônimos e viajantes deslumbrados, que por grupos realmente interessados em experimentar formas de convivência. “Can you take a picture please?”, tive o pensamento interrompido por um casal de estrangeiros, que desejava ser fotografado frente à famosa fonte da praça.

Fiz a imagem, sem me preocupar com o melhor enquadramento, como se o cenário, já tantas vezes fotografado por mim durante a presença da acampada do 15-M, houvesse se convertido em algo banal, tão digno de destaque quanto um poste de iluminação pública. Também sem importância me pareciam os canteiros ao redor da fonte, que tiveram arrancadas as espécies vegetais da horta, até então plantada ali pelos manifestantes, como forma de atrair a opinião pública para o tema da agricultura urbana.
Se antes a população reunida na área discutia assuntos de relevância política, econômica e social como esse, agora não se sabe sobre o que falam esses cidadãos. Talvez comentem os últimos resultados das suas competições de esporte favoritas, o filme que viram no final de semana, ou apenas joguem conversa fora.
E muita palavra é mesmo lançada ao lixo, sem preocupação com o seu significado. Assim como a lógica neoliberal vigente em todo o mundo atualmente conseguiu esvaziar de sentido a democracia, a Guarda Urbana de Barcelona “limpou” a Praça Catalunha no último dia 29, sem encontrar significativa resistência, já que se tratava de cerca de 600 policiais contra não mais de 100 manifestantes, ainda dispostos a permanecer acampados.

A observação de que as coisas já vinham se tornando mais mornas naquele ponto de articulação do movimento, pode estar relacionada com o fato de muitos dos participantes mais ativos do 15-M haverem partido de Barcelona rumo à Madrid, por ocasião da Marcha Popular Indignada, iniciada no dia 25 de junho.

De fato, o acampamento na praça só vinha perdendo força aos olhos da população de Barcelona desde o início dessa jornada, que mobilizou grande infraestrutura e contingente de pessoas com o objetivo de realizar assembléias e recolher reivindicações populares em 29 diferentes lugares da Espanha, entre povoados e cidades.

Quando, no início da semana passada, tentei participar das discussões noturnas, ainda realizadas na Praça Catalunha, deparei-me com punks, hippies, anarquistas e ébrios alucinados, que perdiam mais tempo discordando uns dos outros em detalhes supérfluos do que realmente dialogando e construindo ideias coletivas sobre temas de interesse do movimento.

Inclusive, deixava-se de debater o fato de que algumas pessoas auto-intituladas “representantes de comissões da acampada”, tinham apresentado um comunicado à prefeitura de Barcelona, comprometendo-se a desalojar a praça até o último dia 29, com o pedido de que a administração da cidade cedesse uma estrutura para conversão de parte da praça em ágora, onde pudesse se manter a realização de assembléias e rodas de conversa.

Esse suposto acordo não só soava entranho diante de sua incompatibilidade com o lema do 15-M de que os atuais políticos “não os representam”, como também não havia sido legitimado pelo conjunto de manifestantes em assembleia geral. Isso foi demonstrado quando, no fatídico dia 29, policiais tentaram desfazer o acampamento, instalando na praça estruturas de compensado só suficientes para abarcar poucas dezenas de pessoas.

Na manhã dessa data, os que ainda se encontravam acampados, fizeram um grande cordão humano para impedir a passagem da Guarda Urbana e reafirmar que qualquer acordo feito com o governo municipal não representava um consenso produzido de maneira democrática pelos integrantes do 15-M de Barcelona.

Um comunicado publicado pela Comissão de Comunicação da Acampada Barcelona, no dia 04 de julho, por meio do blog do movimento, afirma que “essas pessoas, que iniciaram negociações unilaterais não os representam, como tampouco os representam os políticos com os quais pretendem negociar”.

O documento diz também que a ágora deve ser um lugar que sirva a todos os cidadãos e cidadãs do país, como ponto de informação e encontro permanente para fazer frente às injustiças políticas sociais e econômicas. Como tal, a decisão de iniciar conversas com instituições ou políticos, de acordo com o 15-M, deveria ser feita de forma democrática, ou seja, com suporte da Assembleia e das comissões da Acampada que se encontram fora da praça Catalunha.

E, tanto continua a expectativa do movimento com relação à continuidade da tomada de decisões por meio de assembleias e discussões descentralizadas, que foi realizado no dia 26 de junho, na Praça Catalunha, um encontro de todas as assembléias de bairro que hoje estão conectadas com o 15-M em Barcelona. Na ocasião, foram apresentadas por representantes de diversas regiões da cidade propostas de organização futura do movimento, bem como ações específicas e gerais.
O próximo encontro de bairros, vilas e povoados participantes do 15-M acontece no dia 10 de julho, domingo, no Parc de la Ciutadella de Barcelona. Para o dia anterior, foi convocada nova manifestação contra o corte de direitos sociais, ainda em discussão pelo Parlamento Catalão, que partirá de frente da luxuosa casa Batlló, um dos projetos mais visitados de Gaudi, rumo ao bairro de Sants.

Essa programação coletiva, assim como o desenvolvimento da Marcha Popular, revelam que o 15-M não termina com a Acampada da Praça Catalunha, embora com o desalojamento, em princípio, tenha-se perdido um ponto físico de centralização e articulação do movimento.
As informações continuam a ser compartilhadas virtualmente e as notícias dos jornais espanhois de hoje, anunciando a qualificação da dívida financeira de Portugal com o nível de bônus “lixo”, que coloca o país no topo do risco em investimentos, aumenta a possibilidade de que os efeitos sociais negativos da crise europeia se acirrem na Espanha.

As bolsas espanholas estão em queda, assim como em outros países da Europa, e persiste a parceria entre os indignados catalães e o povo grego que, apesar da forte repressão policial, continua tomando as ruas para protestar contra as medidas de austeridade econômica sinalizadas pelo governo da Grécia, em troca de resgate para a sua atual situação de falência, por parte do Banco Central Europeu e do FMI.

Tomara que o futuro obscuro que se anuncia continue a ser estímulo para marchas, acampadas, ágoras e assembleias em todo o mundo. Pois, sem a constância de iniciativas como essas, as cidades, uma vez coloridas com a rebeldia popular, voltarão a ser cartões postais cinzentos e resignados.