18/08/2012

aqui

Estás sozinho sentado em frente ao vale
com um livro nas mãos
que de vez em quando abandonas
para olhar, com a devida calma
quanto a vista alcança.
Reina o silêncio. Por vezes, soa
o rumor dos ramos
ou o canto intermitente dum pássaro.
Respiras fundo. Vês.
Aprecias um por um os momentos
que te oferece o viver à margem.

Não perfilhas a queixa
daqueles que querem partir
mas adiam sempre
o momento da fuga.
Permaneces aqui
por vontade própria
é este o teu lugar.
E tu és dele.

álvaro valverde - espanha  (1959  -  )

o destino de Assange: o que acontece agora?

Marcelo Justo - de Londres, transcrito de carta maior

Londres - O Equador terminou com o suspense. A decisão do governo de Rafael Correa de garantir o asilo político a Julian Assange teve como corolário a resposta da chancelaria britânica que a qualificou como “lamentável” e indicou que cumprirá com sua “obrigação legal” de extraditar para a Suécia o fundador do Wikileaks.

Após quase dois meses do ingresso de Assange na sede diplomática equatoriana em Londres solicitando asilo político, a tensão subiu vários graus. Em uma coletiva de imprensa em Quito, o ministro de Relações Exteriores, Ricardo Patiño, assinalou que a decisão se baseava na Constituição equatoriana e no direito internacional. “O Equador acredita que é justificado o temor de Julian Assange de ser uma vítima política por sua defesa da liberdade de informação”, indicou. Segundo Assange, a acusação de delito sexual feita pela justiça sueca é parte de uma estratégia político-diplomática estadunidense para conseguir sua extradição e julgamento pela revelação de cerca de 90 mil documentos secretos via Wikileaks, acusação que, nos EUA, é passível de pena de morte.

O chanceler equatoriano indicou que solicitou uma reunião urgente à União das Nações Sulamericanas (Unasul) e à Alternativa Bolivariana para os Povos da América (ALBA). Patiño expressou seu desejo de que o Reino Unido conceda um salvo-conduto para que Assange possa viajar ao Equador, assinalando que o direito de asilo tem precedência sobre qualquer outra legislação nacional ou internacional. “O asilo é um direito fundamental que pertence ao sistema de normas imperativas do direito”, disse Patiño. O chanceler destacou que empreendeu longas negociações com o Reino Unido, a Suécia e os Estados Unidos e que nenhum desses países ofereceu garantias sobre o futuro de Assange.

A chancelaria britânica, por sua vez, disse que o Reino Unido não outorgará o salvo-conduto a Assange para que possa sair da embaixada. Na quarta-feira, em uma nota enviada pela embaixada britânica em Quito para o governo equatoriano, o governo advertiu que a lei britânica contemplaria a suspensão temporária da imunidade diplomática. A lei de Recintos Diplomáticos e Consulares de 1987 autorizaria o governo a “revogar o status diplomático” de um edifício se a lei está sendo violada. O parlamento britânico aprovou a lei depois que, em 1984, disparos foram feitos desde a embaixada líbia contra opositores que protestavam contra o governo de Muamar Kadafi, causando a morte da agente britânica Yvonne Fletcher.

A chancelaria britânica assinalou que está disposta a negociar um acordo satisfatório para ambas as partes, mas descartou de saída a possibilidade de conceder um salvo conduto. Segundo a imprensa britânica só há outras duas opções.A aplicação da lei de 1987 abriria uma virtual caixa de pandora diplomática. No “The Times”, Roger Boyes opinou que, com essa medida, não só seria praticamente inevitável uma ruptura de relações com Equador, como a tensão diplomática se estenderia com certeza “a Venezuela, a Bolívia e até ao Brasil”.

Não é o mais aconselhável para um país que fez este ano um giro pela América Latina para retomar sua relação com a região e definiu o Brasil como um dos mercados dos BRICs a conquistar para sair da recessão econômica. Segundo a BBC, a este problema se agregaria outro de maior repercussão internacional. Uma ocupação da embaixada para prender Assange poderia ser utilizada como precedente para ataques contra embaixadas britânicas ou de outros países: um virtual mini-caos. Mas se esta estratégia não for adotada, o fundador do Wikileaks terá que permanecer na embaixada: a polícia poderia detê-lo assim que pusesse um pé fora do prédio.

Neste cenário, tudo se abre para um desenlace tipo filme de Hollywood. O Equador poderia tentar levar Assange ap aeroporto em carro da embaixada que também gozaria de imunidade ou, mesmo, fazê-lo viajar escondido na mala diplomática. “Há regras estritas para o equipamento diplomático que permitem aos países transportar a documentação que necessitem. Estas valises diplomáticas podem ser de qualquer tamanho, mas são para documentos oficiais. É difícil ver como se poderia esconder uma pessoa nelas para subi-la ao avião”, especula a BBC. É de supor que o próprio avião deveria ter uma certa imunidade diplomática. É fácil ver como, na escada da aeronave, o filme de espionagem poderia se transformar em uma farsa digna de Mister Bean.

Um empate técnico parece mais factível. Em outras palavras, Julian Assange permaneceria na embaixada. Há muitos antecedentes neste sentido. É provável que o cardeal Jozesf Mindszenty detenha o recorde de tempo: ele passou 15 anos na embaixada dos Estados Unidos em Budapest, a partir da invasão soviética da Hungria, em 1956. Assange poderá superá-lo?

américa do Sul: a hora de um novo ciclo

A incerteza mundial trouxe novas condicionalidades à agenda do desenvolvimento na América do Sul. Vive-se uma corrida contra o tempo. A crise legitimou o descolamento progressista anterior em relação ao torniquete dos mercados desregulados. Mas a travessia inconclusa enfrenta agora o icebergue das dificuldades trazidas pela implosão da ordem neoliberal. A volatilidade financeira e a retração do comércio externo cobram um novo pacto político de crescimento. Investimentos são requeridos para integrar infraestruturas e associar cadeias produtivas.

Está em jogo o gigantesco impulso industrializante representado pelo mercado de massa regional, cobiçado pelo mundo rico em crise. Com a adesão da Venezuela, o Mercosul passa a ser a quinta economia mundial; reúne uma população de 270 milhões de habitantes (70% da América do Sul); um PIB de US$ 3 trilhões (mais de 80% do PIB sul-americano). Até que ponto os países dispõem de coesão política e estrutura estatal para ordenar essa travessia sob a ótica do interesse público? O Brasil está apto a ser o guarda-chuva aglutinador do processo? A quem cabe a iniciativa do novo ciclo?

Na Argentina, a direita acusa Cristina Kirchner de rumar para um capitalismo de Estado que pretende determinar o que as empresas devem produzir, em que quantidade, a que preço e com que taxa de lucro. No Brasil, setores da esquerda criticam Dilma Rousseff por uma suposta guinada privatista: o pacote de infraestrutura anunciado esta semana, US$ 65 bi de obras em concessões ao setor privado, prescreve extamente onde investir, quanto, a que prazo e com que taxa de retorno (leia mais aqui) .

Tensões internas e geopolíticas vão se acirrar nas escolhas estratégicas colocadas na mesa dos governantes e das instâncias regionais de agora em diante. O relógio da crise não admite hesitações: é hora de um novo ciclo na história regional. (Leia o especial deste fim de semana: 'América do Sul: os rumos da Integração'; nesta pág.). carta maior, 17/08 

02/08/2012

queria ser uma pessoa



para não ter de dançar - amputou uma perna
(deixou até de visitar os amigos)

para não combater e gesticular indecências - arrancou os dedos
(era incapaz até de tirar a pele a uma maçã)

para não ouvir palavras obscenas - arrancou as orelhas
(deixou também de ouvir as belas)
para não lhe chamarem narigudo - torceu o nariz
(e ficou com ele achatado)

para não ver os sapos - furou os olhos
(já não pode contemplar as rosas)

para que não lhe escapasse alguma incoerência - cortou a língua
(também não teve mais palavras gentis para a amada).
Cada dia que passava
fazia uma operação plástica ao corpo
para ficar igual aos outros, a todos os outros.

vasyl  holoborodko -  ucrânia  (1945 -    ) 

Enfrentamentos reais e miragens conservadoras

transcrito de carta maior, 01/08

A adesão da Venezuela como membro pleno do Mercosul consolida no coração da América Latina uma referência de recorte progressista como talvez nunca tenha existido na região, com a abrangência institucional e o fôlego econômico intrínseco ao bloco agora liderado por Dilma Rousseff, Cristina Kirchner, Pepe Mujica e Chávez.

Cuba certamente exerceu um magnetismo ideológico superior ao desse quarteto nos anos 60, mas esse ardor não se traduziu em uma organização duradoura com o alcance potencial que o Mercosul desfruta e deve ampliar, graças à incorporação do detentor da maior reserva de petróleo cru do mundo (a Venezuela tem 296,5 bilhões de barris, seguida da Arábia Saudita,com 264,5 bilhões de barris).

Trata-se de mais um enfrentamento no qual os interesses conservadores, muito bem refletidos no bombardeio midiático contrário a essa inclusão, foram habilidosamente derrotados . Não é um revés em torno de uma questiúncula pontual. Os que hoje, como há uma década, sopram o interdito à presença venezuelana, são os mesmos que, paralelamente, defenderam à exaustão a ALCA, como alternativa a uma inserção global do continente assumidamente subordinada e dependente do gigantesco mercado norte-americano. Foram derrotados.

Há pouco, no golpe contra Lugo, encrespado com a suspensão dos golpistas no âmbito do Mercosul, o jornal 'Estadão' destilou a nostalgia da velha agenda. Em editorial efervescente aconselhou a direita paraguaia a responder à punição jogando-se nos braços dos EUA, de modo a consumar, pelo menos, mais uma mini-Alca regional, expressão cunhada pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em coluna recente em Carta Maior.

A opção de desenvolvimento regional integrado e soberano , reafirmada pela Cúpula de Brasília do Mercosul, insere-se assim numa espiral de enfrentamentos em que o guarda-chuva maior do conservadorismo verga sob o peso da dissolução da ordem neoliberal. É nesse esquina de derrotas históricas apreciáveis que a seção brasileira perfila armas e concentra tropas para fazer do julgamento do chamado mensalão uma espécie de 3º turno simbólico de sua anemia política.

O julgamento que começa nesta 5ª feira oferece-se como um raro campo em que a relação de forças aparenta ser-lhes favorável. Mídia e judiciário conjugam-se como donos de um espetáculo em que 38 réus, entre eles algumas das maiores lideranças do PT, 50 mil páginas processuais e 600 testemunhas ouvidas serão esmiuçadas e reiteradas em 15 sessões, somando-se um total de 90 horas de julgamento, a ocupar os holofotes noticiosos ao longo de todo o mês de agosto e 1ª quinzena de setembro.

Não se subestime o poder de fogo dessa parafernália. Mas não se perca o pano de fundo sobre a qual ela se dá. O conservadorismo aferra-se à batalha do dia anterior na esperança de apagar do imaginário social a percepção de que seus interesses e credo são parte de um mundo que ruiu. A ver.