10/02/2021

a tarefa de acordar e cuidar

Quando estive em Itambacuri, em 2011, surpreendi-me com a mensagem abaixo, escrita num muro. Achei interessante, e bastante condizente com estes tempos de lento e difícil despertar da humanidade.

No seu início, o texto parece um tanto ou quanto escapista, parece que vamos ler apenas mais um desses bem intencionados - mas inócuos - louvores a energias cósmicas, a supostos seres supremos que estariam a esperar por uma evolução mágica de  nossa parte, como se, no nosso crescimento e na nossa tarefa,  pudéssemos nos isolar completamente deste mundo, de suas cada vez mais absurdas contradições.

Mas, na sua segunda seção, o texto mostra  a que veio, sente-se o apelo ao engajamento, mas um engajamento proposto numa dimensão superior, para além do enfrentamento com a estupidez cotidiana e brutal desse sistema obsoleto chamado de capitalismo. 

Sem entrar agora em minúcias, remete um pouco à proposta do filósofo Heidegger, que nos convoca para um reencontro  com a presença do Ser, do Mistério, a fim de que possamos de fato superar as contradições e limitações destes tempos sombrios, sufocantes,  mas decisivos para a continuidade da jornada humana através dos tempos.

Pois a História, a Revolução - e o próprio  desvelar e desdobrar do Espírito  ao longo do tempo e do espaço cósmico - não podem se amparar apenas na lucidez da ciência marxista. Na verdade, é preciso suavizar um pouco essa implacável e, às vezes, petulante lucidez da Técnica e da Ciência, com uma percepção mais cuidadosa dessa presença misteriosa e fugidia, mas palpável, que é a presença do Ser em cada um dos entes presentes à  nossa volta.

E é exatamente aos entes humanos que cabe o cuidado maior para com todos os outros entes, incluindo-se, claro, o cuidado para com todos os outros entes humanos.

Então, é preciso aprender a olhar, sentir e cuidar do próprio Ser, ou do próprio Espírito, quando cuidamos de todos os outros entes, aprender que o que se passa por aqui nunca é banal, é sempre potente, é sempre um silencioso chamado do do Ser e do Sagrado, um convite, uma convocação do Mistério : aquele que sabe  e sente que tem cuidar de si, dos outros e do próprio Ser, não pode fingir que o que acontece aqui, na nossa fragilidade e transitoriedade, nunca é banal, nunca é repetitivo, nunca é inconsequente...  

Tarefa maior, no fundo, não é cuidar de nossa própria felicidade ou plenitude, pois elas são um tanto ou quanto precárias.... Tarefa maior é apenas saber estar aqui, saber que se está aqui, e nesse ínterim, nessa tão fugaz passagem, tentar colher o melhor de si, para si, par os outros entes humanos, para todos os outros entes, e para o próprio Ser...

"Você não está adormecido, está distraído..."

Voltando à História e à Revolução, esse Verbo, perdido num muro  do interior das minhas Minas, sempre me traz esse lembrete: talvez seja o caso de aprender a juntar profetas como o Cristo, Hegel, Marx e Heidegger, aprender que sem amplitude metafísica, sem a presença do Ser, não será possível sustentar a longa marcha da Revolução e do verdadeiro despertar humano. Mas isso é conversa mais demorada, e bem  complicada, com certeza...

De formas que, como ainda diz o mineiro interiorano, por enquanto fiquemos por aqui: essas Minas sempre surpreendem mais um pouquinho.   










Sobre o silêncio das estrelas um ser especial nos imaginou
A terra mãe engendrou a essência da vida
Não podemos simplesmente fechar os olhos e fingir ou pensar
que aqui neste lugar não esteja passando nada.
Você não está adormecido, está distraído...

anônimo - itambacuri, minas

07/02/2021

úmidos contastes - 02


Após o testemunho e oferenda das águas vermelhas e verdes, eis que que outra contrastante aparição me convoca o olhar. Novamente o Ser me interpela para a percepção da Origem. 

Embora não tão nítida, ou espetacular e chamativa, mas com a mesma e discreta delicadeza. A folhagem verde em mudo diálogo de  despedida com as folhas amarelas ou castanhas,  já tendo cumprido o seu papel de agir como verdes entes, como folhagem viva de seiva.
Levada pelas águas da chuva, desliza agora rumo a uma nova e desconhecida trajetória no meio dos entes - dispersão, encontros, fusões, sabe-se lá com o que o onde.





E, mais à frente, outras e muitas folhagens perecidas, que não foram carregadas pelas impetuosas águas, permanecendo à espera em meio às pedras do parque. 


E, no que esperaram,  eis que serviram de dançarina companhia para o arrojado vento, que veio junto com a chuva. Bailaram, bailaram, arrastadas pelo impetuoso dançarino,  e ao fim da lépida  e louca dança, o vento as deixou novamente pelo solo - o impetuoso e incansável viajante sedutor de flores e gentes e tantos outros entes. 



Mas, agora, as folhagens  já mais espalhadas, formando desenhos inesperados, transformando-se já em novos entes, mesmo que inda na condição de folhagens recém-perecidas, sem ainda terem tido tempo par as habituais e inevitáveis metamorfoses físicas e químicas, enfim, sem ainda terem ganhado nova roupagem aos olhos dos entes humanos.



 

A aparição da Origem - oferenda do Ser aos entes humanos - está sempre à nossa frente, basta aprender a olhar e  sentir, basta deixá-la silenciosamente entrar em nós, basta nos oferecermos como  clareira para a abertura do Ser e da Origem através dos entes.  

úmidos contrastes - 01

Depois de tantos e tórridos dias, um verdadeiro prêmio a espessa e ininterrupta chuva deste domingo. Não resisti e fui vagar sob as águas,  pelas ruas do centro de Vitória, assim que a chuva amainou um pouco. Aproveitei e levei a câmera -  há muito não fotografava.
Tive o meu dia e a minha hora, no Parque Moscoso. Fui atraído por delicados contrastes entre os entes. Em primeiro, entre  as próprias águas. 



Esse pequeno canal , que quase sempre quase seco, hoje estava obviamente volumoso, encorpado.  E, coisa que nunca tinha reparado, particularmente avermelhado-amarronzado. A forte coloração certamente foi em razão de uma pequena e próxima área nua, sem cimento e sem gramado, cuja argila deve ter sido fortemente carregada para o canal pelas impetuosas águas da chuva




Então, o  contraste do vermelho do canal com  verdíssima  água do lago do Parque. Nunca soube se essa vívida tonalidade das águas do lago se deve em razão do reflexo das muitas árvores em volta, ou se são algas ou limo, sedimentadas no fundo, para alimentar as tartaruguinhas e os muitos peixes que existem ali. 



De qualquer forma, me senti imediatamente magnetizado pelo vívido, ondulante e fluido contraste. Como se os entes do canal e do lago pedissem um olhar, solicitassem o cuidado de algum ente humano, para testemunhar, sentir ou celebrar a aparição de suas presenças em tonalidade tão vívidas e contrastantes, sob a ainda úmida manhã de domingo, em meio ao silêncio quase absoluto do parque deserto. 




Testemunhar o seu singular e fugaz  momento de junção, de comunhão - embora fisicamente separados - dos entes das águas vermelhas e das águas verdes, em suas vivíssimas e contrastantes aparições.
Fiz o que pude, para registrar com imagens e  palavras, e para celebrar  com olhares e percepções mais essa singular manifestação da Origem. 

05/02/2021

playa giron

Há-de haver sempre uma bota em cima do sonho
efémero do homem
uma bota de força e sem razão
pronta a bater
disposta a sujar-se com sangue.

Cada vez que os homens se levantam
cada vez que reclamam aquilo que é seu
ou procuram ser homens simplesmente
cada vez que soa a hora da verdade
a hora da justiça
a bota rasga suja esmaga
destrói a esperança a ilusão
da simples ventura para todos
porque tem outros fins como Deus
como dizem os padres que o seu deus
tem outros altos fins insondáveis
outros planos em que entram Hiroshima
Espanha Argélia Hungria e tudo o resto
em que entram a injustiça a opressão
o abandono a fome o frio o medo
a exploração a morte
todo o horror toda a dor do homem.

Vai trocando de pés conforme o oiro
conforme o poder e a força se mudam
mas há-de haver sempre uma bota
e às vezes mais que uma

a pisar os sonhos dos homens.


http://ruadaspretas.blogspot.com.br/2012/06/idea-vilarino-playa-giron.html