22/12/2010

às vésperas do natal

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
“O que fostes ver no deserto,
um caniço agitado pelo vento?” (Lc 724b)
A metáfora do “caniço agitado pelo vento” se presta como uma luva para os dias que correm. De fato, um simples olhar às ruas, praças e corredores dos shoppings centers é suficiente notar como parecemos “caniços” agitados pelos ventos do marketing, da propaganda e da publicidade.

Um exemplo apenas um: lançado novo produto, shampoo dois em um, que “acaba com a caspa e, ao mesmo tempo, hidrata os cabelos”. Apelo comercial: “você não pode viver sem ele!”. A insistência no apelo e a obsessão em apregoar as qualidades do produto revelam exatamente o contrário: você pode, sim, viver sem ele! A ânsia mercadológica mascara a mensagem, fala pelas entrelinhas, nega-se a si mesma. A propaganda estridente sinaliza para o vazio e a inutilidade do objeto. Por outro lado, o apelo dirige-se ao desejo de posse daquilo que está exposto na vitrine, envernizado por luzes e enfeites. Desejável, porque simultaneamente próximo e distante. Mas o desejo de posse se desfaz no exato momento da compra. Esta, ao tornar seu o que parecia um sonho impossível, dilui automaticamente o desejo. A magia derrete-se com a própria aquisição. Mas faz nascer outros impulsos ou paixões, e assim por diante...
O mercado nutre-se dessa fome e dessa sede insaciáveis de comprar, ter, exibir, aparentar, inovar, competir. Fome e sede de novidades que, constantemente, morrem com a posse e renasce com novos desejos frente a produtos inéditos, ou simplesmente reciclados. Basta uma mudança no rótulo, na cor, no formato, nos ingredientes ou na embalagem, para que o velho se torne novo. Instala-se o círculo fechado e vicioso do “produzir e consumir”, no ritmo da matemática, tão veloz e alucinado que não deixa lugar nem tempo à reflexão. O anseio da compra substitui a pergunta pela necessidade. Com razão, Marx referia-se ao “fetiche da mercadoria”.

Numa outra metáfora, a cidade às vésperas dos festejos natalinos, mais parece um imenso espetáculo de marionetes controlado pela gigantesca “mão invisível” do sistema capitalista, para usar a expressão de Adam Smith. Nesse palco de milhões de atores/consumidores embriagados, a poderosa mão transforma seus dedos em tentáculos que chegam aos quatro cantos do planeta, ou às mais íntimas dimensões do ser humano, tais como as relações de afeto, de família, de amizade... Penetra até no sacrário do que existe de mais sagrado.
A cidade vira um formigueiro humano, para terminar com uma terceira metáfora. Torrentes de pessoas se movem nos centros comerciais, num vaivém permanente, deslocamento centrípeto e centrífugo, onde não faltam gritos, promoções, cifrões, pechinchas, pacotes, empurrões... Mas, em meio a tudo isso, a alegria inebriante de diluir-se nessa multidão viva e ansiosa por novidades. Evidente que o cidadão tem o direito de adquirir aquilo para o que tanto trabalhou e com o que tanto sonhou. O conforto não pode ser privilégio de poucos. Graças a Deus, muitos brasileiros hoje podem ter acesso a produtos que antes estavam longe de seu bolso. Mas fica o alerta contra a embriaguez que nos torna “caniços, marionetes”, uma espécie de seres com opinião invertebrada, que o poder do marketing facilmente manipula e explora. Vale, pois, a advertência de Jesus narrada pelo evangelista Lucas. “O que fostes ver no deserto?”

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