Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Parafraseando Octavio Paz (El Laberinto de la Soledad ), podemos começar dizendo que rezar é entrar num labirinto complexo e desconhecido. De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a palavra em seu sentido figurado significa “coisa complicada, confusa, obscura”. Trata-se de um ambiente relativamente estranho e tortuoso, onde se entra com relativa facilidade, mas de onde é difícil sair sem tropeçar em repetidos obstáculos. Os corredores e aparentes saídas frequentemente nos enganam e nos deixam perdidos. Numerosas possibilidades se abrem, mas quase todas se revelam falsas. É preciso, a toda hora, fazer, desfazer e refazer a trajetória. Neste caso, a linha reta é o caminho mais longo entre a entrada e a saída.
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Num primeiro momento, entramos no labirinto das próprias sensações, percepções e pensamentos. Prevalecem de início os ruídos internos e externos. De um lado, os sons múltiplos da casa, das ruas e da cidade teimam em nos acompanhar. Difícil livrar-se deles. Uma conversa próxima, um grito ou uma buzinada; a televisão, o rádio e outros aparelhos ligados; o ronco dos motores, a algazarra das crianças ou uma discussão acalorada; sirenes da polícia, dos bombeiros ou de ambulâncias; o latido de cães, o toque da campainha e o do telefone; o burburinho indefinido da vizinhança – enfim, uma imensa cacofonia que reveste um cotidiano cada vez mais eletrônico, metálico e ruidoso. Isso sem falar dos “ruídos abstratos”, tais como as injustiças e assimetrias, as desigualdades sociais, as notícias sensacionalistas, a discrepância entre luxo e lixo, a miséria e a fome, as agressões à natureza, as guerras, conflitos e violência, o efeito das drogas e do álcool...
De outro lado, do fundo das entranhas sobem outro tipo de ruídos. Temores e desejos, paixões e impulsos, medos e angústias, dores e esperanças, sonhos e fantasias se mesclam e se confundem. Sentimo-nos dilacerados entre aquilo que aflora imediatamente aos sentidos e a busca de algo mais profundo e indefinido. Divididos entre os apelos aparentes e imediatos e uma sede que brota do íntimo do ser e que não se deixa calar tão facilmente. O fascínio pelo que está ao alcance dos olhos, dos ouvidos e das mãos contrasta com um vazio que parece aprofundar-se à medida que nos enchemos das “coisas supérfluas”.
Semelhantes ruídos – externos e internos – distraem e impedem uma verdadeira concentração. A eles, podemos acrescentar ainda os sentimentos de inveja, ciúme, rancor, vingança, ódio, inferioridade ou superioridade, orgulho ou falsa humildade, etc., os quais, de forma estridente, também brotam como erva daninha no terreno de um coração que nos parece sempre selvagem e desconhecido. Em tal clima ruidoso, torna-se impossível avançar na direção de um encontro íntimo com Deus e conosco mesmos. Permanecemos numa espécie de ante-sala da oração. Perplexos, descentrados, com uma vontade sedutora de retomar as atividades diárias. Nessa ante-sala, vem a sensação de perda de tempo. E vem, com mais força ainda, o ímpeto de voltar a produzir, fazer, consumir, aparentar, mexer-se...
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Prisioneiros nessa confusão de ruídos multiformes, variados e polifônicos, nos debatemos entre a busca de uma atitude orante, de um lado, e, de outro, a busca de algo para fazer. Pois, como diz a cultura ocidental marcada pelos critérios do capitalismo e da filosofia liberal, “time is money”. Entramos então no segundo momento da oração. Há uma barreira a ser vencida. A impaciência precisa ser domada pela perseverança. Se formos persistentes, passamos a um novo estágio: o labirinto do silêncio.
Neste novo labirinto, duas dimensões se descortinam: o silêncio pessoal e o silêncio de Deus. No silêncio pessoal, não se trata de deixar do lado de fora os ruídos acima descritos. Eles são teimosos como um rosto amado. O próprio esforço para esquecê-los torna-os ainda mais vivos e presentes. Não nos livramos deles tão facilmente. Trata-se, então, de trazê-los para dentro da oração, ou em linguagem popular, de “encarar o touro pelos chifres, de dar nome aos bois”. Ou seja, ao invés de ignorá-los, o desafio é verbalizá-los com toda a coragem e sinceridade. Conforme nos indica a psicologia, o ato de verbalizar as sombras do passado faz com que elas vão se desvanecendo. Verbalizar os ruídos é uma maneira de ir controlando seu poder, de impedir que eles nos dominem, de não deixar que nos afoguem e asfixiem.
Numa palavra, o segredo está em rezar os próprios ruídos. Rezando-os, começamos a transformá-los em música. Aqui deparamo-nos com uma espécie de alquimia da oração: reconhecer e verbalizar os ruídos que ameaçam nos dominar é a única forma de transfigurá-los em nova sinfonia. Na base dessa transfiguração está o fato de que o coração humano anseia profundamente refazer a sintonia com a grande orquestra que é o universo. Fazem parte dela o canto dos pássaros, o som da chuva e das águas, o brilho das flores e das estrelas, o sorriso das crianças, o olhar dos enamorados... Se os ruídos humanos rompem essa sintonia, seu reconhecimento traz a possibilidade de reconciliação. No fundo, trata-se de encarar nossos sentimentos, fragilidades e fraquezas com os olhos de Deus. Se nossa atitude for de arrependimento de sincera busca, seu amor, misericórdia e compaixão nos convidarão novamente a fazer parte da gigantesca orquestra da criação.
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Convertidos os ruídos em melodia, entramos no labirinto do silêncio divino. Deus é Aquele que não fala, insiste Bruno Forte em seus escritos. Jesus, revelando seu rosto ausente, é quem traduz o silêncio do Pai em palavras para a compreensão humana. Mas nem por isso o mistério se desfaz. O revelado novamente silencia e se oculta. Presença ausente, ausência presente! Nenhuma oração ouve diretamente a voz de Deus, apenas seu silêncio misterioso e impenetrável. Podemos ter alguns vestígios de sua voz através da palavra de Deus, nas Sagradas Escrituras, mas seus desígnios não cabem em palavras humanas. A razão não tem condições de alcançar a profundidade incomensurável do Eterno Silencioso.
Aqui, se Jesus é a revelação do Pai, o rosto humano de Deus, o Espírito Santo é quem nos reconduz até Ele. Conclui-se que, nesta terceira etapa do labirinto da oração, o segredo é deixar-se conduzir pelo Espírito. É Ele que reza em nós, que conhece nossos pedidos antes mesmos de serem formulados, lembra a teologia e a espiritualidade do apóstolo Paulo. Conhece nosso coração e nossa alma antes que as palavras cheguem à nossa boca. Abrir-se à presença do Espírito é deixar-se conduzir ao mais íntimo de nosso ser. Ali, para além de nossos desejos e temores superficiais, reside o desejo único e insaciável de todo o ser humano: habitar na Casa de Deus. Ou, nas palavras de santo Agostinho, o coração humano caminhará irrequieto enquanto não repousar junto de Deus, de onde se originou.
Mas, seguindo ainda a linha de pensamento de Bruno Forte, o silêncio de Deus é também a condição da liberdade humana. Deus se oculta e se retrai para que possamos ser livres, decidir nossos destinos. Ele não interfere nas decisões que tomamos, mesmo que estas nos levem a negar sua oferta de amor e salvação. Em síntese, o silêncio pessoal, espelhando-se no silêncio de Deus, encontra luzes para vencer as trevas, para orientar-se no labirinto escuro da oração e traçar novas veredas que levem a refazer a história individual e coletiva.
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