22/12/2010

o silêncio

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
O silêncio representa uma das formas de linguagem mais significativas de que dispõe o ser humano. Mais do que a fala ou a escrita, às vezes constitui um fator predominante da comunicação. Porém, existem diferentes qualidades de silêncio. Este, tanto quanto as palavras e os discursos, pode simultaneamente revelar e esconder a verdade. Tanto o diálogo verbalizado quanto a comunicação silenciosa podem ser enganosos. De fato, há silêncios opacos e despidos de luz, e há silêncios transparentes e cristalinos como a água da fonte. Convém deter-se em algumas atitudes humanas em que o silêncio exerce funções distintas, não raro contraditórias.

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Tomemos, de início, o silêncio da indiferença. O mundo gira, a história caminha sobre campos minados, o embate de interesses permeia a vida de tensões, conflitos e incongruências, mas o silêncio insiste em nada ver. Cego e surdo, permanece omisso diante dos embates que se desenrolam a seu lado. Assimetrias entre povos, nações e culturas; desigualdades econômicas, sociais e culturais; o luxo e a miséria de mãos dadas, caminhado lado a lado, guerras e catástrofes sucedem-se com crescente brutalidade – nada disso o incomoda.
Nem sequer os escândalos estridentes das disputas e da corrupção política são capazes de acordar esse tipo de silêncio. Desfruta um sono profundo em meio às turbulências e abalos sísmicos do cotidiano. Seria capaz de cochilar no fragor de uma batalha, ao som da metralha e dos canhões, tal a ausência e descompromisso com a vida que o cerca. Interpelado por todos os lados, segue indiferentemente seu caminho. Não se deixa sacudir por confrontos que a outros exigem imediata tomada de posição. Surfando na superfície dos oceanos, jamais suspeita das correntes subterrâneas.

Pode tratar-se de uma postura silenciosa ou silenciada. Silenciosa, quando parte do próprio indivíduo, que não quer saber de “meter-se na vida alheia”. Ou então: “em briga de marido e mulher não se põe a colher”. Não importa que crianças e esposas sejam vítimas, espancadas, e às vezes cruamente assassinadas. A pessoa não se deixa perturbar em seu ninho de paz! Mas pode tratar-se também uma postura silenciada, isto é, calada à força de perseguição ou repressão. Neste caso, o medo paralisa toda e qualquer atitude em favor de si mesmo ou dos mais débeis. É o silêncio do cemitério! Com freqüência a atitude silenciada se converte em atitude silenciosa. De tanto ser censurada, a pessoa se auto-silencia.

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 Em segundo lugar, temos o silêncio envenenado. Por trás dele oculta-se quem desdenha qualquer gesto de comunicação. É o silêncio da recusa, do isolamento. Neste caso não há somente indiferença inerte ou submissa, mas uma atitude hostil para com tudo e todos. Trata-se de um silêncio ativo e agressivo, com requintes de constrangimento. Silêncio que habita e divide amigos, casais, famílias, grupos, comunidades, companheiros de trabalho, etc. Atitude francamente belicosa frente ao menor sinal de aproximação.

É um silêncio que destila ódio e rancor, erguendo barreiras a qualquer tentativa de diálogo. Enquanto o silêncio da indiferença foge do confronto por mera preguiça ou desconhecimento, o silêncio envenenado o faz para fechar-se a todo tipo de encontro. Levanta cercas, muros e obstáculos a toda possibilidade de relação. Resulta ser um silêncio frio, estéril, corroído pelo medo de abertura, trancado em si mesmo, completamente incomunicável. Nessa perspectiva, “o outro é o inferno”, como diria o filósofo Sartre.
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 Por fim, há o silêncio povoado. Memória habitada por lembranças agradáveis, por rostos, nomes e histórias conhecidas e pelo totalmente Outro. Silêncio onde as palavras se calam para fazer emergir a Palavra que se manifesta no mais íntimo de nosso ser. Se o silêncio da indiferença é omisso diante das injustiças e disparidades socioeconômicas, e o silêncio envenenado constitui uma declaração de guerra a quem está por perto, o silêncio povoado tem a marca da serenidade pacífica. Convive como uma memória repleta de pérolas que lhe proporcionam uma intensa vida interior.

Um exemplo: é notório e amplamente sabido que um casal que se ama, ou um grupo que cultiva grande intimidade, costuma comunicar-se muito mais por meio do silêncio do que por palavras. Quando estas se fazem tão necessárias pode ser um sinal de que o amor escasseia. É preciso preencher com a tagarelice o vazio deixado por um silêncio incômodo. De fato, enquanto as palavras são dirigidas aos ouvidos, o silêncio une corações e almas, na medida em que oculta segredos, cultiva um mistério que aquelas tendem a banalizar.

Mais ainda, é um silêncio profundamente fecundo, capaz de engendrar relações sempre mais abrangentes. Abre veredas insuspeitadas para o encontro comigo mesmo, com os outros, com a natureza e com Deus. Também é um terreno fértil para o nascimento de palavras novas, vivas e criativas. A palavra que gera vida se forja, se gesta e cresce no útero do silêncio. Só ele é capaz de produzir a palavra eficaz e oportuna para abrir novos horizontes à história humana, pessoal e coletiva. Somente quem é capaz de silenciar será igualmente capaz de dizer algo novo.

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