06/09/2013

o grito e as ruas, pedreiros e pedradas



Leia também um grito cada vez mais vivo 

1 - Alguns registros acerca das afinidades e distinções entre o Grito dos Excluídos e as manifestações que explodiram país afora, agora  em junho, e que talvez voltem a dar o vibrante ar de sua graça exatamente agora no 07 de setembro, dia reservado, há já 19 anos,  à solitária resistência do Grito dos Excluídos.
2  - Sabe-se que a luta popular nunca esteve adormecida neste país, em que pese o imobilismo da maioria dos movimentos populares, imobilismo que ( para além do mero e cretino oportunismo de lideranças populares e sindicais)  certamente foi  entendido como necessário para dar sustentação aos obviamente benvindos governos progressistas do PT, contra as forças descaradamente desestabilizadoras da direitona  arrogante, que tudo fizeram e tudo farão para retroceder ao estágio anterior aos avanços, embora moderados, do PT.
3 - Um dos mais incontestáveis exemplos de que essa luta nunca esteve adormecida foram exatamente as manifestações anuais e solitárias do Grito dos Excluídos no 07 de setembro,
4 -  É preciso  que manifestantes e lideranças das vibrantes Jornadas de Junho não se esqueçam dessa  "vígilia" da resistência por parte do Grito  e de muitas outras de lutas populares: Levante Popular da Juventude, Consulta Popular, Assembleia Popular, Rede Alerta Contra o Deserto Verde e tantas outras formas de resistência, que nunca estiveram "dormindo'. 
5 -  Na verdade, pelo grau de lucidez  e combatividade das manifestações de Junho não parece que esse tipo de preocupação seja relevante, não parece haver essa falsa "disputa' pelo protagonismo ou pela hegemonia com relação ao movimento popular, o que há são formas diferentes de efetivar essa resistência e essa luta popular. Mas, de qualquer forma, é importante ter esse histórico em mente. 
6 -  Assim como é importante que as Jornadas de Junho se espelhem um pouco nessa iniciativa do Grito dos Excluídos, quando leva suas propostas exatamente para os bairros populares, onde se pode amplificar ou fortalecer a resistência popular.
7 - Óbvio que, nesse momento, a prioridade ou a tática das Jornadas de Junho têm que ser exatamente ações nos centros mais movimentados das cidades.   
8 - Não apenas para acumular a mesma visibilidade conquistada pelo Grito, mas exatamente em função daquilo que pode ser a sua maior contribuição dessas novas formas de resistência: um projeto (utópico e dispersivo apenas na aparência), de transformação das estruturas capitalistas em nível global, planetário: parar  a produção, colapsar o capitalsimo, fazer o enfrentamento direto com a engrenagem cotidiana que sustenta essas estruturas sociais, econômicas, culturais e e ideológicas.
9 - Ocorre que, parar deixar cair no desgaste e na descrença toda  a sua estupenda criatividade, ousadia e combatividade, essa nova, surpreendente e necessária geração de manifestantes e combatentes vai precisar se aproximar de uma cenários menos utópicos, ousados e criativos, constituídos por individulidades quase inertes e quase sufocadas por aquela mesma  engrenagem cotidiana.  Essa nova geração vai precisar ampliar o seu exército, atrair combatentes, engajar jovens e adultos e crianças, para poderem continuar ocupando massivamente ruas e praças. 

10 - Afinal sabe-se que grande parte daqueles mobilizados em junho não têm o mesmo compromisso com a luta constante, regular e combativa, pelo fato de serem setores despersonalizados de classe média, sem posicionamento claro na de luta de classes, essa nova geração vai precisar dialogar mais com os cenários de periferia.  

11-  Obviamente que grande parte dos autênticos mobilizados de junho vêm das periferias, ou seja, conhecem e atuam lá onde são mais urgentes (e promissores) a resistência e o enfrentamento. Ainda assim, chegará um momento em que as ações dos combatentes de junho terão que ser menos espetaculares e menos imediatas, e mais voltadas  para um trabalho de engajamento e de formação.          

12 - É nesse sentido a afirmação acima (06): de que é importante que os combatentes de junho se espelhem um pouco nas ações ações das pastorais católicas efetivamente militantes,  que ajudam a manter manter vivo o Grito dos Excluídos.

13 - Claro que não se trata de ter como referência apenas essas pastorais, ou as alas progressistas da Igreja Católica, afinal são inúmeras as entidades que constroem o o Grito dos Excluídos. A menção aqui vai um pouco em função da oportunidade, do fato de estarmos na época do Grito.

14 - Mas a referência também vai muito em função do histórico dessas alas progressistas, das pastorais militantes e das CEBS. Todos sabemos do papel fundamental - exercido por essas entidades, movimentos e pessoas da Igreja progressista - na construção da resistência e da luta popular no Brasil , inclusive, como é bastante sabido, na construção do outrora revolucionário Partido dos Trabalhadores.

15- Mas não apenas para reverenciar essa história de luta, mas também para vislumbrar o futuro. Pois não dá para falar em futuro da luta popular no Brasil sem passar pela atuação da Igreja Progressista. De um jeito ou de outro, limitados ou não, amordaçados ou não,  essas entidades, movimentos e pessoas  estão presentes na luta popular, e certamente estarão quando chegar a hora de fazer um (cada vez mais necessário) enfrentamento final com as obsoletas e desumanas, estúpidas e descontroladas estruturas econômicas e sociais da atualidade.

16 - Pois estamos apenas no começo desse enfrentamento. Muitas marchas e muitas ocupações, muita barbárie e muitos gritos de guerra e de dor ainda se farão ouvir, até que possamos começar a desmontar essas estruturas. Pois elas não cairão sozinhas, não cairão de podre.

17 -  Falar em derrubar ou superar o capitalismo decadente não significa derrubar um castelo de areia, pelo contrário é um castelo ainda solidamente plantado, embora já esteja vencido há muito o seu prazo de validade como estrutura revolucionária e necessária à jornada da humanidade.

17 - Provavelmente esse impassível castelo de pedras só cairá quando, além de levarmos para as ruas o enfrentamento e o colapso, tivermos construído outras estruturas em seu lugar, edifícios sociais e políticos verdadeiramente humanos, verdadeiramente construídos por e para nós, com a lucidez e o cuidado, a generosidade e a paciência que um mundo assim exigir de nós. 

18 -  Mas terão que ser de fato estruturas concretas, viáveis, aceitáveis por todos, terá que ser um edifício social que de fato a traia e estimule todos a participarem dia a dia, dia e noite, de sua construção.

19 - Portanto, há espaço e necessidade  para aqueles que devem enfrentar, colapsar e apedrejar as estruturas arcaicas e desumanas, como também há necessidade daqueles que estão a indagar alternativas, ou que simplesmente já estão colocando em prática do essas  alternativas, mesmo que de forma moderada ou aparentemente contraditória, como nos governos progressistas da América Latina, Brasil incluso.  

20 - Pois as pedras do castelo destruído não poderão ser descartadas na construção do novo edifício. A expressão "não deixar pedra sobre pedra" - que certamente deve ser uma das preferidas dos autênticos movimentos de rebeldia e resistência, como os de junho no Brasil - só deve ser aplicada na destruição do castelo, não na construção coletiva do novo edifício. 

21 - Aí, sim, com a elaboração coletiva eficaz e sedutora de um novo edifício para a humanidade, aí talvez o castelo de pedras vá se revelar um castelo de areia, um gigante, ou melhor, uma besta fera  dos pés de barro. E par isso é que é necessária a comunhão da nova, criativa e ousada resistência com a paciente, lúcida e perseverante resistência histórica, da qual o Grito dos Excluídos é um entre muitos e dignos momentos.