20/01/2009

introspecção revolucionária

Esta contundente e singela fala de Simón Zavalla vai como testemunho poético neste momento em que, perplexos e indignados, estamos com os olhos em Gaza
I
ontem, quando brincávamos
atrás das palavras
qualquer coisa nos admirava
e nos calava a boca
e tão imunes ao mundo estávamos
que hoje se nos entristece a alma

sim, éramos tão imunes:
os bancos da escola
pulavam na nossa vida
e mil filas de letras
jogueteavam alegres nas vermelhas
tranças da companheirinha ou no olhar
que buscava o sonho
ainda de calças curtas

ontem, os dias eram outros dias
os beijos de nossas mães
moravam nas nossas bochechas
e o canto do avô nos vinha
como um até amanhã
sem palavras

foram tempos fugazes
a barba e o bigode
nos despertaram dos sonhos
e viemos caminhando metidos nos farrapos
dos irmãos maiores que morreram
II
hoje estamos aqui
sobre a terra que tantas vezes
se vestiu de sangue
sou um dos vossos
eu me chamo Simon, um qualquer
sou um grito com nome
e um punhado de sangue
sou uma incertitude que sorri
e um casualidade dentro do tempo
com desejos de homem

venham a ver-me:
as unhas pouco a pouco comi e a fome
condecorou o meu estômago -
com dores agudas
sou um triunfo a mais –
para a miséria

olha-me, humanidade:
tenho um fuzil
que canta na minha cabeça
e venho estender-lhes a minha mão
e a minha fraqueza de esqueleto
III
aqui estamos
pulando de migalha em migalha
com um lasso passo de vermes
os domingos nos doem
e o tic-tac das semanas nos golpeia
vamos já derrotados por esta estrada
disparando palavras como velharias
e sequer Deus nos reconhece

pobrezinho do fuzil!
deve estar chorando
esta noite não pude acariciá-lo
nem deitá-lo em meus braços
que vou fazer
já é de manhã!

Olhem-nos, hermanos:
somos meros caranguejos
com bandeiras de luta
aos farrapos no asfalto.
simón zavalla

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