Vejam acima que bela seqüência de charges - embora constrangedora e entristecedora.
Como o chargista capta com argúcia a transformação da infância em infâmia consumista e individualista. Ao pais nada mais a fazer do que repassar de forma robotizada a estreita mensagem de vida que herdaram, ou que lhes foi imposta ao longo de uma existência vivida de acordo com valores nunca questionados.
Junte-se essa tendência para a omissão e para a resistência em exercitar o espírito crítico; junte-se a legítima preocupação dos pais com o futuro de suas frágeis crianças; junte-se a extrema eficiência do capitalismo para manipular nossas fragilidades e afetos e essa tendência do ser humano em se acomodar, em se satisfazer com falsas promessas de plenitude e com fáceis seduções.
E o que se tem é isto retratado pela charge: crianças desde tenra idade possuídas, estupradas por apelos que as alienam de si próprias, que as roubam daquelas descobertas autênticas, apreensões poéticas e mágicas, daqueles diálogos inaugurais com o mundo e com o ser, que somente podem ocorrer na nossa infância.
Triste, muito triste. Nem Marx deve ter imaginado que para sobreviver o capitalismo precisaria lançar mão dessa usurpação da magia, do lúdico e da metafísica. Crianças que, além de usurpadas de si mesmas, terão grande chance de se exercerem como jovens e adultos mimados e arrogantes, tolos e presunçosos - mal habituados a conseguir tudo aquilo que desejarem, educados para não enxergarem o outro como pessoa e sim como mero obstáculo ou confirmação de seu tolo narcisismo, já que os seus pais e elas próprias foram assim forjados, seduzidos e manipulados pelos apelos consumistas, superficiais e individualistas.
Pais e filhos a viverem num virtual mundo de falsos desejos e plenitudes: bela geração de almas de plástico que irá sustentar e administrar a bárbarie capitalista do futuro. É de se reconhecer o extremo brilhantismo do capitalismo ao descobrir esse filão do consumismo infantil, essa extrema eficiência com que o capitalismo prepara e renova sua prole presente e futura.
A finalizar, vale registrar mais uma vez o traço ao mesmo tempo sensível e implacável do cartunista: repare-se no olhar meigo, inocente e disponível do bebê, mas também um olhar solícito, grato, ávido para assimilar as preciosas lições de seu sábio e assustado papá.
Mais do que nunca vive o alerta antigo: Socialismo ou Barbárie!
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Já que este é também um blog de poesia, busquemos abaixo, num poema de Cecília Meireles, um complemento para essas constrangedoras imagens do bebê: Cecília há muito já aceitava que nem sempre beleza e inocência podem ou devem caminhar juntas com inteligência, a sensiblidade e a reverência ao mundo e ao outro.
Nestes tempos de bárbárie, então, em que até as nossas crianças estão à mercê do desespero da besta fera agonizante chamada capitalismo...
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