O poema abaixo, de Fernando Pessoa, vai como resposta a uma solicitação do Beto, do blog rascunhos de um pagão, em comentário feito ao poema a Deus, de Carlos Ernesto.
Bastante apropriado, aliás, já que nesse poema o poeta português mostra uma faceta sua não muito conhecida, ou não muito comentada: a sua ligação com o ocultismo. A esse respeito, um breve trecho do blog vidas lusófonas:
"Começa a procurar respostas nas ciências ocultas. "Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos e em existências de diversos graus de espiritualidades", revela. Entusiasma-se com as Sociedades secretas (Rosa-Cruz, Maçonaria, Templários). Conhece o espiritismo, a magia, a cabala. Traduz para o português muitos livros da Colecção Teosófica e Esotérica. Sob a influência do ocultismo escreverá O último sortilégio e Além-Deus. Inicia-se e cultiva, sobretudo, a astrologia."
Com inquetionável mérito, o poema de Pessoa complementa a seleção dos poetas publicados em Março e comentados no texto poemas para Deus. Grato ao Beto por ter me permitido a oportunidade de suprir essa lacuna.
Pois para além da mensagem ou motivação de Pessoa, o poema se realiza de fato como uma invocação, como um chamado ao Mistério. Há um lamento que se faz pausado, que sabe de sua caminhada em direção ao desencanto.
Desencanto com a perda da sacralidade das coisas, ou melhor, de nossa perda ou embotamento para vivenciar a sacralidade das coisas, perda essa advinda com o Iluminismo e com o predomínio da álgida claridade dessa Razão que sustenta e conduz a história moderna.
Não importa quais as 'sacras potências' que Pessoa invoca, o que importa é o poético resgate que faz do sagrado, o resgate da relação do poeta com o sagrado, através de uma míriade de imagens, num verdadeiro desfile de coisas e sentimentos que adquirem vida, pulsação, na voz do poeta as coisas finitas readquirem a sua capacidade de vibrarem junto com o Infinito, ou por outra, o Infinito se revela na voz do poeta e celebra a si próprio, mesmo que através de um lamento.
Por último vale comparar o poema de Pessoa com a deus de Ernesto e com carta de Cecília Meireles. Em Pessoa há o lamento pela perda da sacralidade, do 'dom', em Ernesto há a orgulhosa resistência do poeta-século XX em ver sentido na entidade chamada Deus, e em Cecília há aceitação e comunhão apesar do artifício literário de uma falsa acusação, acusação que na verdade é apenas uma oportunidade para celebrar o Infinito e o Mistério.
Mas em todos os três poemas a mesma riqueza, a mesma abundância de imagens, situações e sensações. Como se fosse uma úncia e mesma voz - ancestral e infatigável voz do Infinito a se parir através do finito humano.
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