14/01/2021

a casa verde

                                  a esteer basílio

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a menina que lépida
subia a ladeira da manhã
e surpresa-sorridente súbito 
 admirou e arquitetou fantasias:


bem que a solitária casa verde
poderia se manter de pé
bem que dessa vez
os bichos deixassem
livre a verde e velha  lindeza 
a sua frágil e simples verdeza
já ferida de morte, mas viva
e altiva - uma diva e dádiva 
para a menina que arquiteta
tão no seu lugar, plantada no tempo
sob a sombra do branco templo
e da alta torre protetora 
que ainda intenta alertar
aos cegos bichos demolidores:
haverá crime, pecado, sujeira
e cegos, e também surdos
não ouvem o Alto
não vêem o Branco
não sentem o Azul
não cantam com o Negro
 
não podem admirar
a verdadeira obra de arte
pintura que juntos criam:
a casa verde, o anil céu
a alva alta torre catedral
o negro poeta pássaro
o cinza triste do olhar menina

 
os bichos, coitados e cruéis
e seus poderosos braços e máquinas
e maravilhosas ideias e engenharias:
peças de sempre a servir
 “as cabeças monstruosas
e a cidade que elas constroem
em busca da felicidade”  *

inda assim a menina passa leve
releva as cinzas dos bichos
desolha o desolado e o quase-demolido
e o olhar só leva a lavada alma da manhã
flutuando como moldura da pintura
e é só o que irá morar na sua memória


a menina a arquitetar a quimera
da casa verde eternamente em pé
num mundo multicolorido
sem as sombrias cinzas expelidas
"das cabeças monstruosas” 



*   versos de paul celan, poeta  romeno (1920-70)

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