13/05/2010

um retrato na parede

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Estive em Itabira no final do ano passado. Um pouco para conhecer a cidade onde nasceu Carlos Drummond de Andrade e um pouco para pisar mais um novo chão de Minas.
Itabira nada tem do bucolismo que às vezes imaginamos para uma cidade do interior mineiro, principalmente se essa cidade fica conhecida como a terra de um respeitado poeta. Itabira cresceu, virou cidade de porte médio, graças obviamente ao minério de ferro que é arrancado sem cerimônia das entranhas de sua terra.
É agora uma cidade nervosa, apressada, tem até os indefectíveis ajuntamentos e congestionamentos de veículos nas horas de pico. Tem também as indefectíveis construções e arquiteturas de ar modernoso que aos poucos vão invadindo as cidades mais prósperas do interior.

Claro que são preservadas as suas ruas, praças e algum casario antigo. E à noite essas praças e ruas resgatam para os moradores um pouco daquele ar de nostalgia ancestral e pacificada, que ainda parece ser, ainda, uma marca dessas cidades do interior de Minas - noites silentes mas pulsantes de ser.

Embora certamente seja cada vez menor o número de pessoas atraídas por essas praças e ruas, já que até mesmo no interior as bugigangas eletrônicas e as seduções virtuais não deixam muito tempo para esses silêncios e vibrações pacificadoras, que brotam das casa, das pedras, dos céus e estrelas, e brotam também das pessoas com suas conversas pausadas, reverentes. Na era virtual há cada vez menos tempo e disposição para fruir da discreta presença do ser e do outro. Os moradores de Itabira, claro, não fogem a essa captura exercida pelo controle virtual.

De toda forma, a cidade ainda tem o seu encanto e a sua história própria. Um pouco de Itabira segue nas fotos abaixo, focadas, claro, no poeta Drummond e na sangria da terra em busca do valioso minério mineiro que sustenta a máquina do mundo (nada a ver com o famoso poema de Drummond, mas não resisti ao trocadilho).

Naturalmente que as fotos não poderiam deixar de vir acompanhadas de alguns poemas do itabirano Drummond, coeçando, claro, com o famoso

confidência do itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade
[e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e
[sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

carlos drummond de andrade, in 'uma província, esta'


Veja imagens abaixo

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