um poema novo de Marina Botelho - há um bom tempo que não se via tal. aliás, bastante oportuna a sua publicação no desvelar, afinal faz eco a recente edição de poemas que tinham fio condutor exatamente a manhã, aqui publicados em janeiro.
a manhã nos obriga
a chorar
sempre
esquecer
a tosse noturna do filho
a urgência
do amor
o verbo
nosso pai
o silencio
nosso filho
nosso rito diário
de esquecer
mariana botelho - minas
ao poema de mariana, então: o que me atraiu de imediato foi o jogo denso, aparentemente contraditório e obscuro, entre presença e esquecimento do verbo, da fala. a fala, ou a sua ausência, a sua impossibilidade, misturada com o silêncio, mas o próprio silêncio se alimentando de verbo, o poema respeitando, reverenciando o verbo, com o silêncio, quando isso se faz necessário.
e tudo com a habitual habilidade, seriedade e concisão da poeta, evitando que o poema, ou a fala, se resuma a apenas mais um dos inúmeros jogos verbais que proliferam não apenas nesta década cibernética, mas há ja décadas e décadas de poesia moderna/pósmoderna.
afinal, é preciso aceitar que há de fato diferenças vísiveis e viscerais entre um mero jogo verbal e entre jogar com o verbo, jogar o jogo do verbo com o ser, com a presença.
jogar o jogo do desvelar das coisas e de nós no meio do ser: essa talvez uma das principais razões de ser do poema. e mariana botelho é uma das pessoas que de tudo faz para evitar que esse jogo se transforme numa brincadeira repetitiva, ou num joguinho apenas aparentemente criativo ou essencial.
tal como uma emily dickson atual (aliás, alguém, não me lembro quem, já a acomparou com poeta americana) e tal como insinuada no iníco dessa apresentação, essa poeta lá das entranahs de minas nem sequer se preocupa com quantidades, com volumes de palavras escritas ou publicadas.a poeta parece se esforçar para por em prática o aprendizado, ou o exercício, de colocar o silêncio a serviço do verbo, quando assim é necessário ou suficiente.
a chorar
sempre
esquecer
a tosse noturna do filho
a urgência
do amor
o verbo
nosso pai
o silencio
nosso filho
nosso rito diário
de esquecer
mariana botelho - minas
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