Toca a sereia na fábrica
e o apito como um chicote
bate na manhã nascente
e bate na tua cama
no sono da madrugada
Ternuras de áspera lona
pelo corpo adolescente.
É o trabalho que te chama.
Às pressas tomas o banho
tomas teu café com pão
tomas teu lugar no bote
Deixas chorando na esteira
teu filho de mãe solteira.
Levas ao lado a marmita
contendo a mesma ração
do meio de todo o dia
a carne-seca e o feijão.
De tudo quanto ele pede
dás só bom dia ao patrão
que não chega na doença
nem chega na tua morte.
Com essa policromia
de fazendas, todo o dia
iluminas os passeios
brilhas nos corpos alheios.
teu desespero fabril.
Teces os vestidos, teces
agasalhos e camisas
os lenços especialmente
para adeus, choro e coriza.
Teces toalhas de mesa
e a tua mesa vazia
Toca a sereia da fábrica,
E o apito como um chicote
bate neste fim de tarde
bate no rosto da lua.
Vais de novo para o bote.
Navegam fome e cansaço
nas águas negras do rio.
Há muita gente na rua
Parada no meio-fio.
Nem liga importância à tua
blusa rota de operária.
e o apito como um chicote
bate na manhã nascente
e bate na tua cama
no sono da madrugada
Ternuras de áspera lona
pelo corpo adolescente.
É o trabalho que te chama.
Às pressas tomas o banho
tomas teu café com pão
tomas teu lugar no bote
no cais de Capibaribe.
Deixas chorando na esteira
teu filho de mãe solteira.
Levas ao lado a marmita
contendo a mesma ração
do meio de todo o dia
a carne-seca e o feijão.
De tudo quanto ele pede
dás só bom dia ao patrão
e recomeças a luta
na engrenagem da fiação.
Ai, tecelã sem memória
de onde veio esse algodão?
Lembras o avô semeador
com as sementes na mão
e os cultivadores pais?
Perdidos na plantação
ficaram teus ancestrais.
Plantaram muito. O algodão
nasceu também na cabeça
cresceu no peito e na cara.
Dispersiva tecelã
esse algodão quem colheu?
Muito embora nada tenhas
estás tecendo o que é teu.
Teces tecendo a ti mesma
na imensa maquinaria
como se entrasses inteira
na boca do tear e desses
a cor do rosto e dos olhos
e o teu sangue à estamparia.
Os fios dos teus cabelos
entrelaças nesses fios
e noutros fios dolorosos
dos nervos de fibra longa.
Ó tecelã perdulária
enroscas-te em tanta gente
com os ademanes ofídicos
da serpente multifária.
A multidão dos tecidos
exige-te esse tributo.
Para ti, nem sobra ao menos
um pano preto de luto.
Vestes as moças da tua
idade e dos teus anseios
mas livres da maldição
do teu salário mensal
com o desconto compulsório
com os infalíveis cortes
de uma teórica assistênciaque não chega na doença
nem chega na tua morte.
Com essa policromia
de fazendas, todo o dia
iluminas os passeios
brilhas nos corpos alheios.
E essas moças desconhecem
o teu sofrimento têxtilteu desespero fabril.
Teces os vestidos, teces
agasalhos e camisas
os lenços especialmente
para adeus, choro e coriza.
Teces toalhas de mesa
e a tua mesa vazia
Toca a sereia da fábrica,
E o apito como um chicote
bate neste fim de tarde
bate no rosto da lua.
Vais de novo para o bote.
Navegam fome e cansaço
nas águas negras do rio.
Há muita gente na rua
Parada no meio-fio.
Nem liga importância à tua
blusa rota de operária.
Vestes o Recife e voltas
para casa, quase nua.
mauro mota - pernambuco, brasil, "elegias" (1952)
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