Meu nome é Lázaro, e atualmente estou
morando em Belo Horizonte, num apartamento de dois quartos. Moro na Augusto de
lima, próximo ao Maletta, e nas imediações do Mercado Central.
Vou construir um “diário” do meu
confinamento, durante a reinado de Monsieur
Corona (prometo que buscarei outra palavra, sei que essa se tornou por demais
consumida-obsoleta e adolescente).
Apenas quatro dias de isolamento.
E começa a parecer que já não existem mais
diferenças entre os dias. Você tem que pensar uns segundos, para decidir - com
o necessário grau de certeza - que hoje é realmente domingo, e não mais sábado,
nem ainda segunda.
Ontem, já tinha passado por algo assim,
mas de fugaz duração. Além disso, tal flutuante percepção do tempo já veio
seguida, hoje, de uma leve indiferença e
liberdade em relação ao cotidiano: assim que levantei e fui à geladeira, decidi
que não iria tomar a outra metade da garrafa de vinho que lá estava; afinal,
terei dias e dias de confinamento pela frente, e assim posso tomar vinho ou
cerveja a qualquer dia, a qualquer hora.
Supondo-se, é claro, que eu seja um sobrevivente ao Corona e que possa
continuar existindo.
Então, creio que foi a conjugação dessas
duas percepções que permitiram que a Voz novamente surgisse para mim, e murmurasse ao meu ainda sonolento despertar,
exigindo que eu escrevesse um diário de minha quarentena.
Afinal, está-se passando por uma singular
vivência de si e do mundo, e é preciso dar
tal testemunho ao vivo, a loucura in loco:
porque esperar que tudo passe para, então, daqui a alguns meses, fazer dessa vivência algo a ser
literária e filosoficamente processado, e somente assim colocado em palavras?
Ora, tudo urge, tudo se dissolve, já não há
referências, marcos no horizonte etc etc: qual a certeza de que estarás
sobrevivo ao Corona, daqui a meses ou semanas?
Contra tão implacável argumento da
Voz, desvio não havia.
Mas, suspeito que seja também por uma espécie
de compensação, já que, desde quarta-feira, eu escrevi meros quatro ou cinco
parágrafos para “Isaía, Irma e Baiano”, o romance aonde narro a última noite de
vida e, por óbvio, a morte do mendigo Baiano, já em finalíssima de fase conclusão – ó, terra do Verbo, grato
pelo término de mais uma árdua-fascinante jornada, por teus
labirínticos-exigentes caminhos.
Depois falo um pouco desse meu testemunho
acerca do mendigo Baiano, vou colocar aqui pequeno trecho da obra.
Por ora, por aqui: atender a essa nova
exigência da Voz.
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