24/06/2010

futebol e resistência popular - copa da áfrica VI

Abaixo, vídeos e textos relacionados com a Copa da África.

Não pretendia entrar nessa melindrosa questão da Copa do Mundo. Mas vale o registro, já que tantos têm sido os acontecimentos extra-campo neste atual Campeonato Mundial, alguns divertidos, outros lamentáveis, outros gratificantes: briga do técnico francês com Parreira, crise na seleção francesa, com greves, cortes, abandonos, protestos de trabalhadores contra a poderosa FIFA, repressão policial, o carisma e a arrogância de Maradona e, por fim, o surpreendente enfrentamento de Dunga com a Globo e a CBF.

Melindrosa, porque como todo fenômeno, muitos podem ser os ângulos de leitura, ou de visão. A Copa não pode ser vista apenas e tão somente como momento de alienação, espetacularização e imbecilização das massas, como querem alguns.

A Copa é uma construção cultural que vem se consolidando no imaginário popular ao longo de décadas - aliás, tal como o futebol em geral. É momento de integração, de comunhão entre povos ou entre pessoas de uma nação. É certo, trata-se de uma comunhão precária, de uma integração apenas em potencial, ou virtual, mas não deixa de ser uma reafirmação dessa possibilidade e necessidade de integração entre pessoas, povos e culturas.

Não é muito previdente condenar drástica e unilateralmente todas essas grandes manifestações populares, nem é muito inteligente colocá-las todas ‘no mesmo saco’ da alienação, da manipulação e da imbecilização: procissões religiosas, carnavais, peregrinações, futebol e mesmo enterros de ícones como Airton Senna, Tancredo Neves, Michael Jackson. Principalmente no caso do futebol, que talvez seja a única - ou ao menos a mais intensa - manifestação de cultura popular que atravessa praticamente todos os países do mundo.

Todos essas formações de multidão não deixam de ser uma negação do individualismo, da fragmentação, da hostilidade, da indiferença, que são tão bem utilizados pelos mecanismos de dominação para minar o potencial de transformação de pessoas e povos, quando tomam consciência de si e para si.

Se as elites, o mercado, a mídia etc etc etc aproveitam esse momento de magia e de precária comunhão para aperfeiçoarem ou reforçarem o seu controle sobre a história e as forças populares, isso não invalida o caráter de resistência e de construção popular presente na prática do futebol e dos campeonatos em geral, principalmente do Campeonato Mundial.

Seria muito tolo destruir, negar a identidade de tantos povos somente em razão da lamentável apropriação do futebol que os mecanismos de dominação praticam, e cada vez com mais eficiência (ou cada vez de forma mais patética, presunçosa e boba - depende da forma como cada um vê as ‘inteligentes’ e ‘sensíveis’ criações de nossos publicitários). Copa do Mundo não é meramente fruto das ações de indivíduos e grupos que exercem a sua lamentável tarefa de manter o controle dos povos e pessoas, pelo menos até o momento em que essa dominação for percebida, enfrentada, destruída e superada por esses mesmos povos e pessoas.

E já que estamos falando de Copa da África, aqui cabe lembrar a famosa pergunta que uma vez um jornalista fez a Sartre, parece que a propósito de uma crítica, que o lúcido e combativo filósofo francês teria feito à cultura popular africana, a qual estaria ‘desviando’ os esforços da luta pela libertação da África. O jornalista teria então perguntado: “Sim, mas e depois da revolução, os africanos vão fazer o quê? Vão ler os livros de Sartre?”

P.S. - Uma nota de caráter pessoal, apenas para reforçar esse aspecto de resistência de construção popular das Copas. Ainda aos oito anos, no mesmo ano em que fui arrancado de minha terra para morar na cidade (digo arrancado porque não me foi permitido decidir se eu já estava pronto romper com o aparentemente monótono mas denso universo rural) pude acompanhar a Copa de 70. Os vizinhos e os numerosos parentes iam para a sede do município (São Miguel, Minas) no caminhão de meu pai, para experimentar a grande novidade, que era a televisão. Haviam apenas três ou quatro televisões na pequena cidade. Amontoávamo-nos nas salas, janelas e varandas, numa tensa, expectante, mas festiva integração. Na volta, na escuridão e no frio da estrada de chão, havia a costumeira festa – afinal o Brasil ganhou todas. E com certeza toda essa emoção não era em função das manipulações dos ideólogos da ditadura militar, com certeza a maioria de nós – crianças ou adultos - nem sabia quem eram esses infelizes. E as Copas de antes da televisão obviamente já galvanizavam a todos, mesmo sem a presença dos maléficos bobos da mídia. Copa do Mundo é memória, é história coletiva ou pessoal. Quem não tem essa memória que se sinta à vontade para criticar ou se manter indiferente. Quanto a mim, sou grato por essas memórias.

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