E já que estamos a falar do mar, de Portugal, de saudades e lamentos, de partidas, e também do Ulisses, com seu périplo de perigos e saudades pelo mar afora, aqui não poderia faltar o poeta maior de Portugal, uma de mais marcantes vozes.
Temos então dois poemas de Fernando Pesssoa. Ambos fazem parte do poema épico 'Mensagem', no qual Pessoa recria, tal como em 'Os lusíadas' ou na 'Odisséia, toda uma atmosfera épica.
'Mar português' é um retrato fiel dessa paixão, ou desse destino, português pelo mar e pelo longínquo.
O outro poema, que tem por título exatamente 'Ulisses', sugere uma espécie de identificação que o poeta faz do povo português com os gregos, com a inquieta vocação de ambos os povos para o oceano e o desconhecido. O poema lembra, inclusive,a lenda da criação de Lisboa, a Olissipo, por Ulisses, num de seus périplos pelo mar.
Só para lembrar: neste primeiro poema é que estão os mais populares versos de Pessoa: 'Tudo vale a pena...'
mar português
Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
ulisses
O mito é o nada que é tudo.O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo –
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar nas realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
Fernando Pessoa, 'Mensagem', Ed. Círculo do Livro, São Paulo
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