26/02/2011

levante árabe X: os povos do mundo inteiro derrotarão a besta agonizante?

As revoltas populares que sacudem o mundo árabe continuam a provocar admiração  e incertezas.
No caso da Líbia é óbvio que as manifestaçãoes são benvindas, é inquestinável a sua legitimidade ética, política e humanitária.

Mas, tanto quanto no caso do Egito e da Tunísia, é preciso estar atento, sempre atento, para o papel que as grandes potências, EUA à frente, tentam desempenhar, motivadas como sempre pela necessidade de conservar o poder, explícito ou disfarçado, na região que guarda as maiores reservas de petróleo do planeta.

O texto abaixo,  A Líbia e o imperialismo,  desnuda muito bem esse papel de imperialistas travestidos de hipócritas defensores do povo, que as grandes potências sempre particam quando é de seu interesse.  

A esse propósito veja também o texto , publicado este mês as contra-revoluções emergentes...
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É oportuno também lembrar o papel da crise do capitalismo nestas admiráveis revoltas do povo árabe. Sem esquecer jamais o anseio por liberdade e dignidade, o que talvez tenha de fato detonado todas essas revoltas foi a dificuldade de sobrevivência que assola garnde parte do mundo, em razão do estado terminal do capitalismo ocidental.

A fome, a pobreza e a humilhação cotidiana motivando, conduzindo a luta pela liberdade, pelo direito de se dar um destino mais digno. Esse talvez venha a ser um roteiro cada vez mais comum para os povos que mais sofrem com esse inquestinável período de transição pelo qual passa a humanidade.

E que assim seja: que o sofrimento e  a humilhação inspirem e provoquem a libertação dos povos e o enterro das elites desprezíveis e desumanizadas, e também o enterro  daquelas  parcelas das classes médias subservientes, despersonalizadas  e desconectadas com a verdadeira realidade do mundo.  

Aliás, a propósito da crise  da besta capitalista motivar rebeliões populares, repare-se na admirável e acurada pertinácia com a qual o Boletim do GEAB previu esses acontecimentos, num texto publicado em 24 de janeiro, originalmente no site resistir e aqui reproduzido,  portanto antes dos acontecimentos no mundo árabe tomarem a grandeza que tormaram. Segue o trecho em questão:
"Mas, também no seio das potências emergentes, a transição violenta que a crise constitui conduz as sociedades para situações de rotura: na China, a necessidade de controlar as bolhas financeiras em desenvolvimento choca com o desejo de enriquecimento de sectores inteiros da sociedade e com a necessidade de emprego para dezenas de milhões de trabalhadores precários; na Rússia, a fraqueza do tecido social tem dificuldade em aceitar o enriquecimento das elites, tal como na Argélia agitada por motins. Na Turquia, no Brasil, na Índia, por toda a parte, a transição rápida que esses países experimentam desencadeia motins, protestos, atentados. Por razões perfeitamente antinómicas, para umas o desenvolvimento, para outras o empobrecimento, um pouco por toda a parte no planeta, as nossas diferentes sociedades entram em 2011 num contexto de fortes tensões, de roturas sócio-económicas que as transformam em barris de pólvora políticos."
O lúcido texto vale  também pelas suas impiedosas análises acerca da crise nos países do centro do capítalismo  e suas trágicas consequências no resto do mundo

Leia também  os textos a besta agonizante e bbb, a náusea.

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A Líbia e o imperialismo
por Workers World

De todas as lutas que agora decorrem no Norte de África e no Médio Oriente, a mais difícil de deslindar é aquela na Líbia.
Qual é o carácter da oposição ao regime Kadafi, a qual consta que agora controla a cidade de Bengazi, no Leste do país?

Será apenas coincidência que a rebelião tenha começado em Bengazi, a qual é a norte dos mais ricos campos petrolíferos da Líbia bem como próxima da maior parte dos seus oleodutos e gasodutos, refinarias e o seu porto de gás natural liquefeito (GNL)? Haverá um plano de partição do país?
Qual é o risco de intervenção militar imperialista, a qual apresenta grave perigo para o povo de toda a região?

A Líbia não é como o Egipto. Seu líder, Moamar Kadafi, não tem sido um fantoche imperialista como Hosni Mubarak. Durante muitos anos, Kadafi esteve aliado a países e movimentos que combatiam o imperialismo. Ao tomar o poder em 1969 através de um golpe militar, ele nacionalizou o petróleo da Líbia e utilizou grande parte do dinheiro para desenvolver a economia líbia. As condições de vida do povo melhoraram radicalmente.

Por isso, os imperialistas estavam determinados a deitar a Líbia abaixo. Os EUA em 1986 realmente lançaram ataques aéreos a Trípoli e Bengazi que mataram 60 pessoas, incluindo a menina filha de Kadafi – o que raramente é mencionado pelos media corporativos. Foram impostas sanções devastadoras tanto pelos EUA como pela ONU a fim de arruinar a economia líbia.

Depois de os EUA invadirem o Iraque em 2003 e arrasarem grande parte de Bagdad com uma campanha de bombardeamento que o Pentágono exultantemente chamou "pavor e choque", Kadafi tentou evitar a ameaça de outra agressão à Líbia fazendo grandes concessões políticas e económicas ao imperialismo. Ele abriu a economia a bancos e corporações estrangeiras; concordou com exigências do FMI quanto ao "ajustamento estrutural", privatizando muitas empresas estatais e cortando subsídios do estado a necessidades como alimentos e combustível.

O povo líbio está a sofrer dos mesmos preços elevados e desemprego que estão na base das rebeliões em outros lados e que decorre da crise económica capitalista mundial.
Não pode haver dúvida de que a luta que varre o mundo árabe pela liberdade política e a justiça económica também tocou um ponto sensível na Líbia. Não há dúvida de que o descontentamento com o regime Kadafi está a motivar uma secção significativa da população.

Contudo, é importante para gente progressista saber que muitas das pessoas que estão a ser promovidas no Ocidente como líderes da oposição são há muito agente do imperialismo. A BBC mostrou em 22 de Fevereiro filmes de multidões em Bengazi deitando abaixo a bandeira verde da república e substituindo-a pela bandeira do antigo rei Idris – que foi um fantoche dos EUA e do imperialismo britânico.

Os media ocidentais baseiam grande parte das suas reportagens sobre supostos factos fornecidos pelos grupo exilado Frente Nacional para a Salvação da Líbia (National Front for the Salvation of Libya), a qual foi treinada e financiada pela CIA estado-unidense. Pesquise no Google o nome da frente mais CIA e encontrará centenas de referências.

O Wall Street Journal de 23 de Fevereiro escreveu em editorial que "Os EUA e a Europa deveriam ajudar os líbios a derrubarem o regime Kadafi". Não há qualquer conversa nas salas das administrações ou nos corredores de Washington acerca de intervir para ajudar o povo do Kuwait ou da Arábia Saudita ou do Bahrain a derrubarem seus governantes ditatoriais. Mesmo com todos os falsos elogios às lutas de massas que agora sacodem a região, isso seria impensável. Em relação ao Egipto e à Tunísia, o imperialismo está a mover todas as alavancas que podem para tirar as massas das ruas.

Tão pouco houve qualquer conversa de intervenção dos EUA para ajudar o povo palestino de Gaza quando milhares morreram por serem bloqueados, bombardeados e invadidos por Israel. Exactamente o oposto. Os EUA intervieram para impedir a condenação do estado colonizador sionista.

O interesse do imperialismo na Líbia não é difícil de descobrir. Em 22 de Fevereiro a Bloomberg.com escreveu: se bem que a Líbia seja o terceiro maior produtor de petróleo da África, é o país do continente que tem as maiores reservas provadas — 44,3 mil milhões de barris. É um país com uma população relativamente pequena mas com potencial para produzir enormes lucros para as companhias de petróleo gigantes. É assim que os super ricos a encaram e é o que está por trás da sua apregoada preocupação com os direitos democráticos do povo da Líbia.

Obterem concessões de Kadafi não é suficiente para os barões imperialistas do petróleo. Eles querem um governo sob a sua dominação total, tudo do bom e do melhor. Eles nunca esqueceram que Kadafi derrubou a monarquia e nacionalizou o petróleo. Fidel Castro, em Cuba, na sua coluna "Reflexões" regista o apetite do imperialismo por petróleo e adverte que os EUA estão a lançar as bases para a intervenção militar na Líbia.

Nos EUA, algumas forças tentam mobilizar uma campanha a nível de rua promovendo uma intervenção estado-unidense. Deveríamos opor-nos a isto totalmente e recordar a qualquer pessoa bem intencionada os milhões de mortos e deslocados pela intervenção dos EUA no Iraque.
As pessoas progressistas têm simpatia com o que encaram como um movimento popular na Líbia. Podemos ajudar tal movimento principalmente pelo apoio às suas exigências justas mas rejeitando uma intervenção imperialista, seja qual for a forma que assuma. É o povo da Líbia que deve decidir o seu futuro.

2011: o ano impiedoso

Crise sistémica global:
o cruzamento dos três caminhos para o caos mundial
por GEAB

Este número 51 do GEAB assinala o quinto aniversário da publicação do Global Europe Anticipation Bulletin. Ora, em Janeiro de 2006, por ocasião do GEAB Nº 1 , a equipa de LEAP/E2020 indicava nessa altura que se iniciava um período de quatro a sete anos que seria caracterizado pela "Queda do Muro do Dólar", fenómeno análogo ao da queda do Muro de Berlim que, nos anos subsequentes, levou ao desmantelamento do bloco comunista e a seguir da URSS. Hoje, neste GEAB Nº 51 que apresenta as nossas trinta e duas previsões para o ano de 2011, calculamos que o próximo ano será um ano charneira neste processo que se estende pois de 2010 a 2013. De qualquer modo, será um ano impiedoso, porque vai marcar a entrada na fase terminal do mundo anterior à crise. [1]

A partir de Setembro de 2008, altura em que a evidência da natureza global e sistémica da crise se impôs a toda a gente, os Estados Unidos e, por detrás deles, os países ocidentais contentaram-se com medidas paliativas que apenas serviram para mascarar os efeitos de sapa da crise nos alicerces do sistema internacional contemporâneo. 2011 vai, de acordo com a nossa equipa, assinalar o momento crucial em que, por um lado, essas medidas paliativas vão ver desaparecer o seu efeito anestesiante enquanto que, pelo contrário, vão surgir em primeiro plano com toda a brutalidade as consequências da deslocação sistémica destes últimos anos. [2]

Em resumo, 2011 vai ser marcado por uma série de choques violentos que vão fazer explodir as falsas protecções instituídas desde 2008 [3] e que vão deitar abaixo, um após outro, os "pilares" sobre os quais assenta desde há decénios o "Muro do Dólar". Só os países, as colectividades, as organizações e os indivíduos que, de há três anos a esta parte, trataram realmente de tirar lições da crise em curso para se afastar o mais depressa possível dos modelos, valores e comportamentos anteriores à crise, atravessarão incólumes este ano; os outros vão enfileirar no cortejo de dificuldades monetárias, financeiras, económicas, sociais e políticas que o ano de 2011 nos reserva.

Portanto, como consideramos que 2011 será globalmente o ano mais caótico desde 2006, data do início dos nossos trabalhos sobre a crise, a nossa equipa concentrou-se neste GEAB Nº 51 sobre as 32 previsões para o ano de 2011, que incluem igualmente uma série de recomendações para fazer face aos choques futuros. É pois uma carta de previsão dos choques financeiros, monetários, políticos, económicos e sociais dos próximos doze meses que este número do GEAB oferece.

A nossa equipa considera que 2011 será o ano mais difícil desde 2006, data do início do nosso trabalho de previsão da crise sistémica, porque esta se encontra na encruzilhada dos três caminhos do caos mundial. Na ausência de um tratamento de fundo para as causas da crise, desde 2008 que o mundo apenas tem recuado para saltar melhor.

Um sistema internacional exangue

O primeiro caminho que a crise pode tomar para gerar um caos mundial, é muito simplesmente um choque violento e imprevisível. O estado de decrepitude do sistema internacional está neste momento tão avançado que a sua coesão está à mercê de qualquer catástrofe de monta [4] . Basta ver a incapacidade da comunidade internacional para ajudar eficazmente o Haiti ao fim de um ano [5] , dos Estados Unidos para reconstruir Nova Orleães desde há seis anos, da ONU para resolver os problemas de Darfour e da Costa do Marfim desde há uma década, dos Estados Unidos para fazer avançar a paz no Próximo Oriente, da NATO para vencer os talibãs no Afeganistão, do Conselho de Segurança para dominar as questões coreana e iraniana, do ocidente para estabilizar o Líbano, do G20 par pôr fim à crise mundial, quer financeira, alimentar, económica, social, monetária… para constatarmos que no conjunto tanto da paleta das catástrofes climáticas e humanitárias, como na das crises económicas e sociais, o sistema internacional se encontra actualmente impotente.

Com efeito, pelo menos a partir dos meados dos anos 2000, o conjunto dos grandes actores mundiais, em cuja primeira fila se encontram, claro, os Estados Unidos e o seu cortejo de países ocidentais, só age através da comunicação e da gesticulação. Na realidade, nada mais funciona: a esfera da crise gira e todos sustêm a respiração para que ela não caia na sua casa. Mas, progressivamente, a multiplicação dos riscos e dos temas de crise transformaram a roleta do casino numa roleta russa. Para o LEAP/E2020, o mundo inteiro começa a jogar a roleta russa [6] , ou melhor, a sua versão de 2011, "a roleta americana", com cinco balas no tambor.

A subida em espiral dos preços das matérias-primas (alimentares, energéticas [7] …) vai fazer-nos lembrar 2008 [8] . Foi com efeito no semestre anterior ao colapso do Lehman Brothers e da Wall Street que se situou o episódio precedente de pronunciadas subidas dos preços das matérias-primas. E as actuais causas são da mesma natureza que as dessa altura: uma fuga para fora dos activos financeiros e monetários a favor das colocações "concretas". Nessa altura os grandes operadores fugiram dos créditos hipotecários e de tudo o que deles dependia assim como do dólar americano; hoje fogem do conjunto dos valores financeiros e dos títulos do Tesouro [9] e de outras dívidas públicas. É pois de esperar, entre a primavera de 2011 e o Outono de 2011, uma explosão da bolha quádrupla dos títulos do Tesouro, das dívidas públicas [10] , dos balancetes bancários [11] e do imobiliário (americano, chinês, britânico, espanhol,… e do comercial [12] ; tudo isto a desenrolar-se com o pano de fundo duma guerra monetária exacerbada [13] .

A inflação induzida pelos Quantitative Easing americano, britânico e japonês e as medidas de estímulo dos mesmos, dos europeus e dos chineses, vai ser um dos factores desestabilizadores de 2011 [14] . Voltaremos a isto com maior pormenor neste GEAB Nº 51. Mas o que já é evidente no que se refere ao que se passa na Tunísia [15] , é que este contexto mundial, nomeadamente a subida dos preços dos géneros alimentícios e da energia, desemboca daqui para a frente em choques sociais e políticos radicais [16] . A outra realidade que o caso tunisino revela, é a impotência dos "padrinhos" franceses, italianos ou americanos para impedir o colapso de um "regime amigo" [17] .

Impotência dos principais actores geopolíticos mundiais
E esta impotência dos principais actores geopolíticos mundiais é o outro caminho que a crise pode utilizar para gerar um caos mundial em 2011. Com efeito, podemos classificar as principais potências do G20 em dois grupos cujo único ponto em comum é que não conseguem influenciar os acontecimentos de modo decisivo.
De um lado temos o Ocidente moribundo com os Estados Unidos, por um lado, onde o ano de 2011 vai demonstrar que a liderança não passa duma ficção (ver neste GEAB Nº 51) e que tentam cristalizar todo o sistema internacional na sua configuração do início dos anos 2000 [18] ; e depois temos a Eurolândia, "soberana" em gestação que está actualmente concentrada sobretudo na adaptação ao seu novo ambiente [19] e ao seu novo estatuto de entidade geopolítica emergente [20] e que portanto não tem nem a energia nem a visão necessárias para ter peso nos acontecimentos mundiais [21] .

E do outro lado, encontramos os BRIC (em especial a China e a Rússia) que se mostram incapazes neste momento de assumir o controlo de todo ou parte do sistema internacional e cuja única acção se limita pois a minar discretamente o que resta dos alicerces da ordem anterior à crise [22] .

No final das contas, é pois a impotência que se generaliza [23] ao nível da comunidade internacional, reforçando não só o risco de choques importantes, mas igualmente a importância das consequências desses choques. O mundo de 2008 foi apanhado de surpresa pelo choque violento da crise, mas paradoxalmente o sistema internacional estava mais bem equipado para reagir porque estava organizado em volta de um líder incontestado [24] . Em 2011, isso já não acontece: não só já não há um líder incontestado, mas o sistema está exangue como se viu anteriormente. E a situação ainda se agravou mais pelo facto de as sociedades de um grande número de países do planeta estarem à beira da rotura sócio-económica.

Sociedades à beira da rotura sócio-económica

É em especial o caso nos Estados Unidos e na Europa onde três anos de crise começam a ter um forte peso na balança sócio-económica, e portanto política. Os lares americanos actualmente insolventes em dezenas de milhões oscilam entre a pobreza sofrida [25] e a raiva anti-sistema. Os cidadãos europeus, encurralados entre o desemprego e o desmantelamento do Estado-providência [26] , começam a recusar-se a pagar as facturas das crises financeiras e orçamentais e tratam de procurar os culpados (a banca, o euro, os partidos políticos dos governos…).

Mas, também no seio das potências emergentes, a transição violenta que a crise constitui conduz as sociedades para situações de rotura: na China, a necessidade de controlar as bolhas financeiras em desenvolvimento choca com o desejo de enriquecimento de sectores inteiros da sociedade e com a necessidade de emprego para dezenas de milhões de trabalhadores precários; na Rússia, a fraqueza do tecido social tem dificuldade em aceitar o enriquecimento das elites, tal como na Argélia agitada por motins. Na Turquia, no Brasil, na Índia, por toda a parte, a transição rápida que esses países experimentam desencadeia motins, protestos, atentados. Por razões perfeitamente antinómicas, para umas o desenvolvimento, para outras o empobrecimento, um pouco por toda a parte no planeta, as nossas diferentes sociedades entram em 2011 num contexto de fortes tensões, de roturas sócio-económicas que as transformam em barris de pólvora políticos.

É a sua posição na encruzilhada destes três caminhos que torna pois 2011 um ano impiedoso. E impiedoso será para os Estados (e para as colectividades locais) que optaram por não aprender as difíceis lições dos três anos de crise que precederam e/ou que se contentaram com mudanças cosméticas que não modificaram em nada os seus desequilíbrios fundamentais. Sê-lo-á também para as empresas (e para os Estados [27] que acreditaram que a melhoria de 2010 era sinal dum regresso "à normalidade" da economia mundial. E finalmente sê-lo-á para os investidores que não compreenderam que os valores de ontem (títulos, moedas…) não podiam ser os de amanhã (pelo menos por mais anos). A História geralmente é uma "boa rapariga". Frequentemente dá um tiro de aviso antes de varrer o passado. Desta vez deu o tiro de aviso em 2008. Prevemos que em 2011 dará a varridela final. Só os actores que tentaram, mesmo com dificuldades, mesmo parcialmente, adaptar-se às novas condições geradas pela crise se poderão aguentar; quanto aos outros, o caos espera-os no fim do caminho.

Notas:
[1] Ou do mundo tal como o conhecemos desde 1945, para retomar a nossa descrição de 2006.
[2] A recente decisão do ministério do Trabalho americano de alargar a cinco anos a medição do desemprego de longa duração nas estatísticas de emprego americanas, em vez de um máximo de dois anos como até agora, é um bom indicador da entrada numa nova etapa da crise, uma etapa que vê desaparecer os "hábitos" do mundo anterior. De resto, o governo americano cita "a subida sem precedentes" do desemprego de longa duração para justificar esta decisão. Fonte: The Hill , 28/12/2010.
[3] Estas medidas (monetárias, financeiras, económicas, orçamentais, estratégicas) estão a partir de agora estreitamente ligadas. É por isso que serão atingidas numa série de choques sucessivos
[4] Fonte: The Independent , 13/01/2011
[5] Ainda é pior, visto que foi a ajuda internacional que levou para a ilha a cólera que já fez milhares de mortos.
[6] De resto, Timothy Geithner, o ministro americano das Finanças, pouco conhecido pela sua imaginação transbordante, acaba de indicar que "o governo americano podia ter que fazer de novo coisas excepcionais", referindo-se ao plano de salvamento dos bancos de 1008. Fonte: MarketWatch , 13/01/2011
[7] De resto, a Índia e o Irão estão em vias de preparar um sistema de câmbio "ou contra petróleo" para tentar evitar roturas de abastecimento. Fonte: Times of India , 08/01/2011.
[8] O índice FAO dos preços alimentícios acaba de ultrapassar, em Janeiro de 2011 (com 215) o seu anterior recorde de Maio de 2008 (com 214).
[9] Os bancos da Wall Street estão actualmente a desembaraçar-se a grande velocidade (sem equivalente desde 2004) dos seus Títulos do Tesouro americanos. A explicação oficial é "a notável melhoria da economia dos EUA que já não justifica refugiarem-se nos Títulos do Tesouro". Bem entendido, têm toda a liberdade de acreditar nisso, como acontece com o jornalista da Bloomberg de 10/01/2011.
[10] Assim, a Eurolândia avança já a grandes passadas pelo caminho descrito no GEAB Nº 51 de um corte no caso do refinanciamento das dívidas de um Estado membro; enquanto que daqui para a frente as dívidas japonesa e americana se apressam a entrar na borrasca. Fontes: Bloomberg , 07/01/2011; Telegraph , 05/01/2011.
[11] Calculamos que, de modo geral, os balanços dos grandes bancos mundiais contêm pelo menos 50% de activos fantasmas em que o ano que entra vai impor um corte de 20% a 40% provocado pelo regresso da recessão mundial com a austeridade, pela subida dos incumprimentos dos empréstimos da habitação, das empresas, das colectividades, dos Estados, das guerras monetárias e do regresso da queda do imobiliário. Os "stress-tests" americano, europeu, chinês, japonês ou outros bem podem continuar a tentar tranquilizar os mercados com cenários "cor-de-rosa", só que este ano o que está no programa dos bancos é um "filme de terror". Fonte: Forbes , 12/01/2011.
[12] Cada um destes mercados imobiliários vai continuar a baixar fortemente em 2011 para os que já iniciaram a sua queda nos últimos anos ou, no caso chinês, vai iniciar o seu esvaziamento brutal num fundo de abrandamento económico e de rigor monetário.
[13] A economia japonesa é de resto uma das primeiras vítimas desta guerra das divisas, com 76% dos chefes de empresas das 110 maiores sociedades nipónicas sondadas pelo Kyodo News a declararem-se pessimistas quanto ao crescimento japonês em 2011 na sequência da subida do iene. Fonte: JapanTimes , 04/01/2011.
[14] Eis alguns exemplos edificantes reunidos pelo excelente John Rubino. Fonte: DollarCollapse , 08/01/2011
[15] Lembramos que, no GEAB Nº 48 , de 15/10/2010, classificámos a Tunísia entre os "países de alto risco" para 2011.
[16] De resto, não há qualquer dúvida de que o exemplo tunisino gera uma onda de reavaliação entre as agências de classificações e os "especialistas em geopolíticas" que, como de costume, não previram o futuro. O caso tunisino ilustra igualmente o facto de que, a partir de agora, são os países satélites do Ocidente em geral, e dos Estados Unidos em particular, que estão na via dos choques de 2011 e dos próximos anos. E confirma o que temos vindo a repetir regularmente, uma crise acelera todos os processos históricos. O regime Ben Ali, velho de vinte e três anos, desmoronou-se em poucas semanas. Quando está presente a obsolescência política, tudo vacila rapidamente. Ora é o conjunto dos regimes árabes pró-ocidentais que já está obsoleto, à luz dos acontecimentos na Tunísia.
[17] Sem dúvida que esta paralisia dos "padrinhos ocidentais" vai ser cuidadosamente analisada em Rabat, no Cairo, em Djeddah e em Aman, por exemplo.
[18] Configuração que lhes era a mais favorável visto que sem contrapeso quanto à sua influência.
[19] Aqui voltaremos com maior pormenor neste número do GEAB, mas do ponto de vista da China, não há engano possível. Fonte: Xinhua , 02/01/2011
[20] Pouco a pouco os europeus descobrem que estão dependentes de outros centros de poder para além de Washington: Pequim, Moscovo, Brasília, Nova Delhi,… entram muito lentamente na paisagem dos parceiros essenciais. Fonte: La Tribune, , 05/01/2011; Libération , 24/12/2010; El Pais , 05/01/2011
[21] Toda a energia do Japão está concentrada na sua tentativa desesperada de resistir à atracção chinesa. Quanto aos outros países ocidentais, não estão em condições de influenciar significativamente as tendências mundiais.
[22] O lugar do dólar americano no sistema mundial faz parte desses últimos alicerces que os BRIC corroem activamente dia após dia.
[23] Em matéria de défice, o caso americano é exemplar. Para além do discurso, tudo continua como antes da crise com um défice em aumento exponencial. No entanto, até o próprio FMI toca a sineta de alarme. Fonte: Reuters , 08/01/2011
[24] De resto, o próprio Market Watch de 12/01/2011, fazendo-se eco do Fórum de Davos, inquieta-se com a ausência de coordenação internacional, que só por si é um enorme risco para a economia mundial.
[25] Milhões de americanos recorrem aos bancos alimentares pela primeira vez na sua vida, enquanto que na Califórnia, como em muitos outros estados, o sistema educativo se desagrega rapidamente. No Illinois, os estudos sobre o défice do Estado comparam-no agora ao Titanic. 2010 bate o recorde das penhoras imobiliárias. Fontes: Alternet , 27/12/2010; CNN , 08/01/2011; IGPA-Illinois , 01/2011; LADailyNews , 13/01/2011
[26] A Irlanda, que enfrenta uma reconstrução pura e simples da sua economia, é um bom exemplo de situações futuras. Mas, a própria Alemanha, embora com resultados económicos notáveis actualmente, não escapa a esta evolução, como demonstra a crise do financiamento das actividades culturais. Enquanto que no Reino Unido, milhões de pensionistas vêem as suas receitas amputadas pelo terceiro ano consecutivo. Fontes: Irish Times , 31/12/2010; Deutsche Welle , 03/01/2011; Telegraph, 13/01/2011
[27] Sobre este assunto, os dirigentes americanos confirmam que esbarram direitinhos contra o muro das dívidas públicas, por não se terem previsto as dificuldades. Com efeito, a recente declaração de Ben Bernanke, o patrão do FED, em que afirma que o Fed não ajudará os Estados (30% de redução nas receitas fiscais em 2009, segundo o Washington Post de 05/01/2011) nem as cidades que sucumbem sob o peso das dívidas, assim como a decisão do Congresso de suspender a emissão das "Build American Bonds" que evitaram que os Estados fossem à falência nos últimos dois anos, ilustram a cegueira de Washington que só tem equivalente com a que deu provas em 2007/2008 perante a subida das consequências da crise dos "subprimes". Fontes: Bloomberg , 07/01/2011; WashingtonBlog 13/01/2011

O original encontra-se em www.leap2020.eu/ . Tradução de Margarida Ferreira.
Este comunicado público encontra-se em http://resistir.info/ .
24/Jan/11

22/02/2011

levante árabe IX: comunicado avaaz

Caros amigos

Uma onda extraordinária de mobilização popular está inundando o Oriente Médio, mas os regimes autocráticos estão respondendo com violência – e apagões da Internet como no Egito. Vamos furar o apagão anti-protesto provendo tecnologia de comunicação via satélite para organizadores chaves dos protestos:
Por todo o Oriente Médio – Bahrein, Líbia, Iêmen e mais países, regimes autocráticos estão tentando esmagar a disseminação sem precedentes de protestos pacíficos, usando a brutalidade e bloqueando meios de comunicação. Estes países estão em uma encruzilhada entre a libertação e a violência – e a habilidade dos manifestantes conseguirem transmitir informações para o mundo poderá definir o resultado.

A Avaaz está trabalhando para “furar o apagão anti-protesto” -- garantindo modems e telefones via satélite, filmadoras minúsculas, transmissores de rádio portáteis e provendo equipes especializadas nas ruas – para permitir que os ativistas transmitam vídeos ao vivo mesmo com a Internet e linhas telefônicas bloqueadas, garantindo que os olhos e solidariedade do mundo fortaleçam estes movimentos corajosos pela revolução social.

O tempo disponível para entregarmos a ajuda está acabando, os regimes estão agindo rapidamente para bloquear as fronteiras e as conexões de Internet. Pequenas doações de 15.000 pessoas poderão financiar a tecnologia crucial e equipes de apoio onde a ajuda é mais necessária. Vamos contribuir para fortalecer aqueles que estão carregando o destino do Oriente Médio em suas mãos pacíficas -- doe agora:
https://secure.avaaz.org/po/blackout_proof_the_protests/?vl
As incríveis transmissões ao vivo da praça Tahrir no Cairo foram vitais para manter o apoio popular, ao expor a violência descarada do regime do Mubarak contra os manifestantes egípcios. Ao assistir aos protestos do mundo todo, centenas de milhares de nós assinamos a petição de solidariedade da Avaaz, que foi anunciada na rede de televisão Al Jazeera, mostrando aos egípcios que o mundo os apoiava. Hoje, líderes dos protestos no Egito dizem que o apoio mundial sobre a sua causa os ajudou a impedir que os momentos de violência se transformassem em tragédia.

Quando a censura da Internet se agravou, a Avaaz e parceiros trabalharam para enviar equipamento de Internet via satélite para os organizadores lá. Agora, Bahrein está se desdobrando para implementar o seu próprio apagão da Internet e nós temos a chance de prover um apoio fundamental para impedir a censura. O equipamento de comunicação e equipes de apoio vão ajudar os organizadores fazerem transmissões locais para organizar os protestos, se comunicar com outros ativistas na região e prover informações para o mundo se houver um apagão. Assim eles poderão contrapor a propaganda do regime e proteger os manifestantes através da exposição na mídia.

Se a mídia internacional for expulsa, os manifestantes poderão manter um canal direto e ao vivo de informações circulando pela Internet. Com os recursos captados, a Avaaz poderá despachar imediatamente os equipamentos e uma equipe especializada para o Oriente Médio.
Há momentos na história que o impossível se torna inevitável. Assim como a dissolução da União Soviética pouco antes da sua queda, as mudanças varrendo o Oriente Médio eram inimagináveis apenas um mês atrás. Mas o poder da sociedade tem uma lógica própria. Enquanto muitos de nós nunca pisou no Oriente Médio, a esperança deste povo está entrelaçada com a nossa e ao redor do mundo. Em momentos como este, é inspirador saber que a nossa solidariedade, em forma de esperança e ação, pode ter um pequeno papel em uma transformação histórica.

Com determinação
Stephanie, David, Alice, Morgan, Ricken, Rewan, Maria Paz e toda a equipe Avaaz

Fontes
Mundo árabe: em ebulição por democracia

Milhares protestam contra governo no Iêmen, Líbia e Jordânia

Líbia e Bahrein bloqueiam acesso à Internet

Censura na Líbia começou: Internet bloqueada

20/02/2011

levante árabe VIII - kadafi reprime protestos com sangue e fogo na lííbia

E o povo árabe continua a surpreender  a nós, ocidentais, que nos habituamos a vê-los como eternamente submissos a ditadores, ou entregues a governos dominados por religiosos obscurantistas. O levante árabe continua a se espalhar: Barhein, Iemen, Argélia e Lìbia, cujos povos vem manifestando uma grandeza e uma coraggem comparáveis  à dos povos  do Egito e da Tunísia.

É impressionante, mas todos esses países são governados, ou melhor, são submetidos por ditadores há vinte, trinta, quarenta anos. De fato, já passou da hora dos povos árabes botar esses cretinos para correr.

O povo não pode deixar pedra sobre pedra, nem mesmo na Líbia, do ditador Muamar Kadafi. Não é porque Kadafi tem, ou teve, um passado de resistências e enfrentamento contra o arrogante e decrépito império americano e o não menos arrogante  e decrépito estado de Israel, que isso lhe dá o direito de submeter o povo líbio a uma ditadura.

Para vencer o decrépito império americano e os seus asseclas europeus e israelenses, os povos do mundo inteiro não podem e nem precisam se escorar em ditaduras - pelo contrário, devem criar e consolidar democracias populares, democracias verdadeiras.

Sabe-se que as revoltas do povo árabe serão absorvidas e neutralizadas pelo império americano e pelas elites econômicas e  militares dos países cujos ditadores form derrubados - veja texto abaixo.

 Mas essa aparente derrota  não invalida a legitimidade e grandeza dos levantes árabes. Na verdade, as revotas populares dos árabes vêm se somar, com todas as dificulades e repressões, às lutas dos povos de todo o planeta pela construção de sociedades efetivamente humanizadas, democráticas e  igualitárias, o que não quer dizer massificadas, padronizadas, ezxcessivamente institucionlizadas. 

Abaixo texto extraído de carta Maior, acerca dos acontecimentos na Líbia.

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Os protestos populares que sacodem o Oriente Médio chegaram a Líbia, onde milhares de pessoas saíram às ruas em várias cidades, apesar da violenta repressão, para pedir o fim de 41 anos do regime autocrático de Muammar Kadafi. Segundo denúncia da Anistia Internacional, pelo menos 46 pessoas morreram nas últimas 72 horas, vítimas da repressão governamental. A maioria das queixas dos líbios é similar às que levaram tunisianos e egípcios a se rebelar. Muitos pediram o fim da ditadura, a instauração de uma democracia e um melhor uso para os lucros petroleiros.
Emad Mekay - IPS


A organização de direitos humanos Anistia Internacional assinala que nas últimas 72 horas morreram pelo menos 46 pessoas, resultado da violência empregada pelo regime em resposta ao primeiro grande desafio de sua história. Como ocorreu com as revoluções que derrubaram os governos da Tunísia e do Egito, as redes sociais na internet se tornaram uma importante fonte de informação sobre o levante na Líbia. O mal estar iniciou quando ativistas da rede das redes se opuseram ao mandato ditatorial de Kadafi, convocando um “Dia da ira” para 17 de fevereiro, reclamando sua renúncia. Eles criaram uma página na internet para publicar informações a respeito (http://www.libyafeb17.com).

Vídeos feitos com telefones celulares mostram manifestantes na cidade de Benghazi atacando escritórios dos “comitês populares” de Kadafi, que, na verdade, são escritórios do governo. Jovens manifestantes também destruíram monumentos oficiais que representam o Livro Verde, escrito por Kadafi e usado como Constituição de fato do país, onde o governante expõe sua ideologia. “O povo quer uma mudança de regime”, disseram os manifestantes em vídeos publicados na internet, adotando slogans da revolução egípcia que derrubou Hosni Mubarak (1981-2011). “Abaixo, abaixo o ditador”, gritaram.

A maioria das queixas dos líbios é similar às que levaram tunisianos e egípcios a se rebelar. Muitos pediram o fim da ditadura, a instauração de uma democracia e um melhor uso para os lucros petroleiros. Os protestos na Líbia suscitaram uma resposta sangrenta e imediata. Na rede social Twitter, alguns sustentaram que as forças de segurança pessoal dos filhos de Kadafi dispararam contra os manifestantes. Organizações internacionais de direitos humanos confirmam que o regime usou balas de chumbo contra os opositores. Segundo fontes locais, o regime utilizou mercenários de países africanos para dispersar os manifestantes. Kadafi, célebre por sua excentricidade, se autodenominou nos últimos anos “rei dos reis da África”.

Cidadãos líbios publicaram na internet que a cidade de Derna “agora é livre”, o que significa que, nas últimas horas de sexta, não havia efetivos pró Kadafi na região. Outros disseram que os habitantes de Derna se dirigiam a Benghazi para ajudar a população a defender-se dos mercenários. A Anistia Internacional pediu às autoridades líbias para “deixar de usar a força excessiva para eliminar os protestos contra o governo”.

Os protestos ocorrem agora apesar das medidas tomadas pelo regime líbio para prevenir revoltas como as da Tunísia e do Egito. Dezenas de ativistas foram presos e advertiu-se aos cidadãos para que não se unissem aos protestos. As forças de segurança incrementaram sua presença nas ruas. O governo proibiu toda a cobertura de imprensa sobre esses fatos e prendeu vários jornalistas em Benghazi, cidade que está registrando alguns dos enfrentamentos mais violentos. O governo de Kadafi proibiu, sexta-feira, todo acesso ao site da Al Jazeera. “As autoridades líbias tentaram silenciar este protesto mesmo antes dele iniciar, mas isso, claramente, não funcionou”, disse um comunicado do diretor da Anistia Internacional para o Oriente Médio e norte da África, Malcolm Smart. “Agora estão recorrendo a meios brutais para castigar e dissuadir os manifestantes”, acrescentou.

A organização pediu ainda que as autoridades líbias ordenassem uma investigação imediata sobre os mortais ataques contra o povo que saiu às ruas. Informes locais sugerem que os manifestantes tomaram o controle da praça Al-Sehaba, em Derna, imitando os egípcios que fizeram o mesmo na praça Tahrir, no Cairo. Logo dominaram a cidade, acrescentam.

O governo respondeu com manifestações favoráveis a Kadafi. A agência oficial de notícias Jamahiriya informou que milhares de líbios marcharam sexta-feira em apoio a Kadafi. A mesma agência publicou mais de 40 informes sugerindo que Kadafi conta com respaldo da população em todo o país. Kadafi, que derrubou a monarquia mediante um golpe militar em 1969, quando tinha apenas 27 anos, é o líder que se mantém no poder há mais tempo na região, governando com mão de ferro esta nação de 6,5 milhões de habitantes. Kadafi obriga os alunos do país a estudar seu Livro Verde e mudou os nomes dos meses no calendário por títulos inventados por ele.

Desértica em sua maior parte, a Líbia é rica em petróleo. As vendas de combustível e gás representaram mais de 95% dos lucros derivados das exportações e cerca de 80% das receitas tributárias em 2008, segundo o Fundo Monetário Internacional. A insatisfação popular que agora se expressa nas ruas pode afetar as exportações para países europeus e pressionar a alta de preços do petróleo. A Líbia vende este recurso para Itália, Alemanha, França e Espanha. Após levantar as sanções contra a Líbia em 2004, os EUA também aumentaram suas importações do petróleo líbio.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

14/02/2011

as contra-revoluções emergentes na Tunísia e no Egipto

por Mahdi Darius Nazemroaya

"O Egipto está livre! O Egipto está livre" gritavam eles na Praça Tahrir. "O regime caiu!". The Washington Post (11/Fevereiro/2011)

Um faraó arrogante caiu. Os egípcios podem estar a cantar que o seu país é livre, mas a sua luta está longe de terminada. A República Árabe Unida do Egipto ainda não é livre. O velho regime e o seu aparelho ainda estão ali e à espera de que assente o pó. Os militares egípcios estão oficialmente a controlar o país e a contra-revolução está a emergir. Uma nova fase da luta pela liberdade iniciou-se.

As chamadas "fases de transição" pretendidas para os regimes na Tunísia e no Egipto estão a ser usadas para comprar tempo a fim de fazer três coisas. O primeiro objectivo é desgastar e finalmente as exigências populares. A segunda meta é actuar para preservar políticas económicas neoliberais, as quais serão utilizadas para subverter o sistema político e reforçar o colete-de-forças das dívidas externas. Finalmente, a terceira motivação e objectivo é a preparação da contra-revolução.

Os auto-seleccionados "homens sábios" do Egipto

Figuras desqualificadas estão a emergir, as quais afirmar estar a falar ou a liderar o povo árabe. Isto inclui o chamado comité de "homens sábios" no Egipto. Estas figuras não eleitas estão supostamente a negociar com o regime de Mubarak em nome da população egípcia, mas eles não têm legitimidade como representantes do povo. O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, está entre eles. O secretário-geral Moussa disse também que está interessado em tornar-se ministro num futuro gabinete no Cairo. Todas estas figuras são ou de dentro do regime ou agentes do status quo.

Dentre estes indivíduos auto-designados está também o chefe da Orascom Telecom Holdings (O.T.H.) S.A.E., o multimilionário egípcio Naguib Sawiris. A Bloomberg Newsweek tinha isto a dizer acerca de Sawiri: "A maior parte dos homens de negócio egípcios estão a comportar-se discretamente nestes dias. Os manifestantes na Praça Tahrir do Cairo culpam-nos pelos males do Egipto e multidões até destruíram algumas das suas propriedades. Mas o mais eminente magnata do Egipto, Naguib Sawiris, presidente da Orascom Telecom Holding, a maior companhia de telecomunicações do Médio Oriente, está no Cairo a receber chamadas no seu telemóvel, a aparecer na TV e (como membro de um comité informal de "homens sábios") a negociar com o recém nomeado vice-presidente Omar Suleiman uma transferência gradual de poder do presidente Hosni Mubarak. Longe de desanimado, o multimilionário pensa que uma economia egípcia mais vibrante pode emergir da tempestade". [1]

Os chamados "homens sábios" no Egipto estão envolvidos em bravatas. Para quem está o poder a ser "gradualmente transferido"? Uma outra figura não eleita, como Suleiman?

Qual é a natureza das negociações? Partilha de poder entre um regime não eleito e uma nova casta? Não há nada a negociar com déspotas não eleitos. O papel que os "homens sábios" desempenham é o de uma "oposição fabricada" que manterá em vigor os interesses por trás do regime Mubarak e diluirá também os movimentos de oposição real no Egipto.

Poderes ditatoriais dados a Al-Mebazaa enquanto militares da reserva tunisina são mobilizados

Na Tunísia, militares da reserva estão a ser convocados para administrar os manifestantes. [2] A mobilização dos militares tunisinos foi justificada com o pretexto de combater o desrespeito à lei e a violência. O próprio regime tunisino tem estado por trás da maior parte destes desrespeitos e violências.

Em simultâneo com a mobilização de reservistas tunisinos, ao presidente interino da Tunísia, Fouad Al-Mebazaa, foram atribuídos poderes ditatoriais. [3] Al Mebazaa foi o homem que Ben Ali escolheu como porta-voz parlamentar da Tunísia e foi uma figura de proa dentro do partido Constitutional Democratic Rally (CDP) de Ben Ali. Os manifestantes tentaram pacificamente impedir os membros do parlamento tunisino de votarem a concessão de poderes ditatoriais a Al-Mebazaa bloqueando a entrada no parlamento tunisino.

Todos os membros do parlamento tunisino são do "velho regime". Em meio a protestos, o parlamento tunisino ainda conseguiu avançar com o plano: "Legisladores finalmente contornaram os manifestantes entrando na sala de votação através de uma porta de serviço, informou a agência de notícias TAP . Numa votação de 177 a 16, a câmara baixa aprovou o plano de dar ao presidente interino Fouad Mebazaa poderes temporários para aprovar leis por decreto". [4] No dia seguinte, o senado tunisino ratificou isto. [5]

Al-Mebazza agora pode escolher governadores e responsáveis à vontade, mudar leis eleitorais, conceder amnistia a quem quer que seja e contornar todas as instituições do estado tunisino através dos seus decretos. A aprovação da moção para dar a Al-Mebazaa esta quantidade de poderes ditatoriais é uma ilustração das facetas da "democracia cosmética". Este acto do parlamento canguru da Tunísia faz-se passar como um acto democrático de votação, mas na realidade todos os seus membros foram escolhido não democraticamente pelo regime Ben Ali.

Os generais egípcios e o vice-presidente Suleiman são uma continuação de Mubarak

No Egipto, os comandantes militares declararam não permitir que as manifestações continuem por muito mais tempo. As lideranças militares do Egipto estão fortemente envolvidas no status quo cleptocrático do regime Mubarak. Os generais egípcios ou os oficiais condecorados são todos membros ricos da classe capitalista egípcia. Sem quaisquer distinções, a lideranças dos militares egípcios e o regime Mubarak são uma e a mesma coisa. Todas as figuras chave no regime Mubarak saíram das fileiras dos militares.

Omar Suleiman, o recém-nomeado vice-presidente do Egipto e o general que foi antigo chefe dos serviços de inteligência do Egipto, começou por voltar atrás nas promessas feitas pelo regime Mubarak e ele próprio. O New York Times informou que "Omar Suleiman do Egipto afirma que não pensa ser tempo de suspender a velha lei de emergência com 30 anos que tem sido utilizada para suprimir e aprisionar líderes da oposição". [6] Poucos dias antes da resignação de Mubarak, Suleiman declarara: "Ele não pensa que o presidente Hosni Mubarak precise resignar antes do fim do seu mandato em Setembro [2011]. E não pensa que [o Egipto] esteja pronto para a democracia". [7]

Foram ganhas batalhas, mas a luta continua...

Os riscos estão a ficar mais altos. O povo da Tunísia e do Egipto deveria estar consciente de que os governos dos EUA e da União Europeia estão a cobrir politicamente as suas apostas. Eles apoiam as contra-revoluções dos velhos regimes, mas também estão a trabalhar para cooptar e controlar os resultados dos movimentos de protesto. Em outro desenvolvimento, os EUA e a NATO também estão a fazer posicionamentos navais no Mediterrâneo Oriental. Especificamente com o Egipto em mente, isto também poderia significar ajuda à contra-revolução, mas também poderá ser utilizada contra uma revolução com êxito.

Os acontecimentos na Tunísia e no Egipto demonstraram estarem erradas todas as falsas suposições acerca dos povos árabes. Os povos tunisino e egípcio actuaram pacificamente inteligentemente. Eles também provaram que a suposição de uma cultura política avançada na Europa Ocidental, América do Norte ou Austrália é simplesmente um contra-senso absoluto utilizado para justificar a repressão de outros povos.
12/Fevereiro/2011
 
Este artigo encontra-se em resistir.info.

11/02/2011

levante árabe VII: uma festa merecida... e uma sapatada também

mágicas, gratificantes essas singulares ocasiões em que um povo faz por merecer o seu prêmio, a sua festa.

de nada adiantou o poder do império americano adiar o desfecho. ou tentar empurar goela abaixo do povo egípcio um substituto que continuaria o regime de submissão e espoliação, que tanto serviu ao império dos eua.

a persistência, a lucidez e o ímpeto do povo do egito falaram mais alto. claro, nada indica que se trata de uma verdadeira revolução pelo menos ainda. no máximo, a troca de uma ditadura truculenta, servil e desprezível por uma democracia representativa, com  todos as limitações e contradições que a democracia burguesa impõe.

mas foi uma bela e inesquecível demonstração de que o povo, quando chega o momento, decide os rumos da história.

em breve, textos mais detalhados e abrangentes - e infelizmente mais realistas e menos empolgados -  acerca dessas marcantes semanas.

mas, por ora,  apenas a celebração, a reverência e a partilha da alegria com o povo egípcio. 









 imagens mostrando  as comemorações do povo do egito, no mento da renúncia do patético e lamentável mubarak, quando mais de 14 milhões!!! de pessoas saíram às ruas. a ren[uncia e a fesata conteceram nesta noite de sexta - à tarde, no brasil   

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Texto publicado em resistir.info, em 10/02/2011, após o ridículo discurso de Mubarak, pretendendo permwnecer no governo:

A REVOLTA EGÍPCIA CONTINUARÁ

A transição no Egipto desejada por Obama era para um mubarakismo sem Mubarak. Mas o discurso do velho ditador na noite do dia 10 arruinou tais planos. A decisão de Mubarak de não renunciar significa a continuação do mubarakismo com Mubarak. Isso significa que continuará o corajoso movimento popular de massa difuso por todo o Egipto. Significa que a economia do país continuará paralizada com a greve geral que se estende a sectores como o têxtil, siderurgia, gás natural e transportes. Significa até mesmo possíveis dificuldades no tráfego do Canal de Suez.

Após este discurso, os altos escalões das forças armadas egípcias terão de abandonar a sua aparente neutralidade perante o movimento popular. Eles têm duas alternativas: ou removem o velho ditador carcomido ou a ele se submetem. Neste último caso teriam de exercer funções repressoras contra o seu próprio povo.

Não é de excluir a hipótese de um movimento de oficiais intermédios nas forças armadas egípcias, em oposição aos altos escalões. Nasser era apenas um coronel quando tomou o poder.

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Texto publicado em resistir.info, em 11/02/2011, após a renúncia de lastimável Mubarak, um dia após mo seu ridículo discurso:
FOI-SE! A SAPATADA MERECIDA
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O dia 11 de Fevereiro é histórico. O povo egípcio, finalmente, deu a sapatada final no ditador ao serviço do império americano e do estado nazi-sionista. A continuação da resistência popular após o discurso de Mubarak na noite do dia 10 foi decisiva. Os altos escalões militares tiveram de intervir. Num golpe palaciano, varreram o ditador.

O novo governo militar deverá devolver as liberdades democráticas roubadas ao povo egípcio e cessar o bloqueio cruel imposto ao povo palestino aprisionado na Faixa de Gaza. Se não o fizer, será a continuação do murabakismo sem Mubarak. A pressão popular deve continuar.

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Em breve, alguns textos acerca da questão egícia  e árabe, extraidos de resistir.info. As análises publicadas no site resisitir.info são das mais consistentes e acuradas, mesmo entre as mídias alternativas.

levante árabe VI: o monstro ainda vive

trechos do artigo:  3ª semana, 16º dia, mas o monstro ainda vive
por Robert Fisk, no The Independent – Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

"..." Durante dois dias, o novo governo ‘de volta à normalidade’ tentou pintar uma imagem do Egito como nação que estaria voltando ao velho torpor da ditadura de sempre. Postos de gasolina funcionando, os obrigatórios engarrafamentos no trânsito, bancos abertos – embora só se permitam saques de pequenas quantias – lojas voltando aos negócios, ministros sentados frente às câmeras da televisão estatal, como instruídos pelo homem que quer manter-se rei por mais cinco meses, para impor ordem ao caos – único motivo alegado para agarrar-se tão alucinadamente ao poder.

Issam Etman provou que o rei errou. Empurrado e apertado pelos milhares que o cercavam, levava sobre os ombros a filhinha de cinco anos – Hadiga. “Estou aqui por causa dela” – gritava para ser ouvido acima das vozes da multidão. “Pela liberdade dela, quero que Mubarak se vá. Não sou pobre. Tenho uma empresa de transportes e um posto de gasolina. Está tudo parado e as coisas estão difíceis, mas não reclamo. Estou pagando meus empregados, mesmo sem trabalhar, do meu próprio bolso. Aqui, é questão de liberdade. A liberdade vale qualquer sacrifício.” Nos ombros de Issam Etman, seu pai, Hadiga assistia ao movimento épico daquela multidão em ação. Nenhuma aventura de Harry Potter algum dia superará essa experiência.

Muitos dos manifestantes – tantos, na noite passada, que a multidão chegava às pontes sobre o Nilo e avançava para outras praças no centro do Cairo – estavam ali pela primeira vez. Os soldados do 3º Exército do Egito pareciam poucos, 40 mil manifestantes para cada soldado, sentados nos tanques e carros blindados de transporte, sorrindo nervosos, cercados por velhos e jovens, homens e mulheres que escalavam os tanques, ou dormindo sobre a carroceria, a cabeça sobre as grandes engrenagens das esteiras. Uma força militar tornada impotente ante um exército popular.

Muitos disseram que vieram à praça, porque tiveram medo de que o mundo estivesse começando a desinteressar-se daquela luta, porque Mubarak continuava no palácio, porque nos últimos dias a multidão diminuíra, porque muitas das equipes de televisão haviam sumido à caça de outras tragédias e outros ditadores, porque se sentia no ar o cheiro da traição.

Se a República de Tahrir secar, acabou-se o despertar nacional. Mas ontem se viu que a revolução continua viva.

O único erro até agora subestimar a capacidade de sobrevivência também do regime, de ele vencer a indignação das ruas, de fazer desligar as câmeras de televisão, de calar a única voz dessa multidão – os jornalistas – e de persuadir os velhos inimigos da revolução, os ‘moderados’ que o ocidente tanto ama, a esquecer as reivindicações do povo na praça.  "..."

"..." Como um povo que só conhece a ditadura, há tanto tempo, planejará sua revolução? No ocidente, tendemos a esquecer essa dificuldade. Vivemos tão fortemente institucionalizados, que tudo, no nosso futuro está programado.

O Egito é uma tempestade sem direção, uma avalanche, uma inundação de manifestação popular que não cabe perfeitamente nos nossos livros de história revolucionária nem em nossa meteorologia política. "..."

"..." 3ª semana – 16º dia – já sem o romance e a promessa do “Dia de Fúria” e das grandes batalhas contra os bandidos do ministério do Interior de Mubarak, e o momento, faz apenas uma semana, quando o exército desobedeceu a ordem de Mubarak para esmagar, literalmente, o povo na praça.

Haverá 6ª semana, algum 32º dia? As câmeras de televisão ficarão aqui? E o povo? E nós? Ontem, outra vez, nossas previsões foram derrotadas. Mas será que os egípcios lembrarão que as unhas de aço da ditadura estão plantadas muito fundas na areia, mais fundas que as pirâmides, mais poderosas que qualquer ideologia? Ainda não vimos o corpo inteiro do monstro. Nem a extensão de sua vingança.

Se quiser ler o texto completo, está no site escrevinhador:
3ª semana, 16º dia mas o monstro ainda vive

levante árabe V: a revolta egípcia está a vir para casa

O levantamento no Egipto desacreditou todos os estereótipos dos media do Ocidente acerca dos árabes. A coragem, determinação, eloquência e generosidade daqueles na Praça da Libertação contrasta com os "nossos" especiosos traficantes do mercado, com os seus falsos al-Qaeda e Irão e suas suposições irrefutáveis, sem ironia, quanto à "liderança moral do Ocidente". Não é de surpreender que a fonte recente de verdade acerca do abuso imperial do Médio Oriente, WikiLeaks, esteja ela própria sujeita à covardia, ao pequeno abuso naqueles jornais auto-congratulátórios, que estabelecem os limites do debate da elite liberal em ambos os lados Atlântico.
por John Pilger

O levantamento no Egipto é o nosso teatro do possível. É aquilo pelo que as pessoas de todo o mundo têm lutado e os seus controladores têm temido. Os comentadores ocidentais invariavelmente abusam da palavra "nós" para falar em favor dos poderosos que vêem o resto da humanidade como utilizável ou descartável. O "nós" é universal agora. A Tunísia chegou primeiro, mas o espectáculo sempre prometeu ser o Egipto.

Como repórter, tenho sentido isto ao longo de anos. Na Praça Tahrir (Libertação) do Cairo em 1970, o ataúde do grande nacionalista Gamal Abdul Nasser ondeava sobre um oceano de povo que, com ele, havia vislumbrado a liberdade. Um deles, um professor, descreveu o passado desgraçado como "homens maduros a apanharem bolas de cricket para os britânicos no Cairo Club". A parábola era para todos os árabes e grande parte do mundo. Três anos depois, o Terceiro Exército Egípcio atravessou o Canal de Suez e invadiu fortalezas de Israel no Sinai. Ao retornar deste campo de batalha para o Cairo, juntei-me a um milhão de outros na Praça de Libertação. O seu auto-respeito restaurado era se fosse uma presença – até que os Estados Unidos rearmaram os israelenses e provocaram uma derrota egípcia.

Depois disso, o presidente Anwar Sadat tornou-se o homem da América através do suborno habitual de mil milhões de dólares e, por isso, foi assassinado em 1980. Sob o seu sucessor, Hosni Mubarak, dissidentes vieram à Praça da Libertação sob o seu próprio risco. Enriquecido pelos homens de Washington, o mais recente projecto americano-israelense de Mubarak é a construção de uma muralha subterrânea atrás da qual os palestinos de Gaza fossem aprisionados para sempre.

Hoje, o problema para o povo na Praça da Libertação já não reside no Egipto. Em 6 de Fevereiro, o New York Times informava: "A administração Obama lançou formalmente o seu peso numa transição gradual no Egipto, apoiando tentativas do vice-presidente do país, general Omar Suleiman, para articular um compromisso com grupos da oposição... A secretária de Estado Hillary Clinton disse que era importante apoiar o sr. Suleiman pois ele procura desactivar protestos de rua..."

Tendo-o salvo de supostos assassinos, Suleiman eé, com efeito, o guarda-costas de Mubarak. A sua outra distinção, documentada no livro de investigação de Jane Mayer, The Dark Side, é como supervisor dos "voos de rendição" americanos para o Egipto, onde pessoas são torturadas a pedido da CIA. Ele também é, como revela a WikiLeaks, um favorito em Tel Aviv. Quando perguntaram ao presidente Obama se encarava Mubarak como autoritário, a sua resposta rápida foi "não". Chamou-o de pacificador, reflectindo aquele outro grande tribuno liberal, Tony Blair, para quem Mubarak é "uma força para o bem".

O pavoroso Suleiman é agora o pacificador e a força para o bem, o homem do "compromisso" que supervisionará a "transição gradual" e "desactivará os protestos". Esta tentativa de sufocar a revolta egípcia recorrerá ao facto de que uma proporção substancial da população, desde homens de negócio a jornalistas e pequenos responsáveis, tem cuidado do seu aparelho. Num certo sentido, eles reflectem aqueles na classe liberal do Ocidente que apoiaram a "mudança em que você pode acreditar" de Obama e o igualmente falso "cinemascópio político" de Blair (Henry Porter no Guardian, 1995). Não importa quão diferente eles pareçam e se apresentem, ambos os grupos são os apoiantes domesticados e os beneficiários do status quo.

Na Grã-Bretanha, o programa Today da BBC é a sua voz. Aqui, desvios sérios do status quo são conhecidos como "Deus sabe o que". Em 28 de Janeiro o correspondente em Washington, Paul Adams, declarou: "Os americanos estão numa situação muito difícil. Eles querem ver alguma espécie de reforma democrática mas também estão conscientes de que precisam líderes fortes capazes de tomar decisões. Eles encaram o presidente Mubarak como um baluarte absoluto, um aliado estratégico chave na região. O Egipto é o país, juntamente com Israel, sobre o qual a diplomacia americana no Médio Oriente está absolutamente dependente. Eles não querem ver qualquer coisa que salte de uma situação caótica para francamente Deus sabe o que".

O medo de Deus sabe o que exige que a verdade histórica da "diplomacia" americana e britânica tão grandemente responsável pelo sofrimento no Médio Oriente seja suprimida ou revertida. Esquecer a Declaração Balfour que levou à imposição do Israel expansionista. Esquecer o patrocínio anglo-americano dos jihadistas islâmicos como "baluarte" contra o controle democrático do petróleo. Esquecer o derrube da democracia no Irão e a instalação da tirania do xá e a carnificina e destruição no Iraque. Esquecer os aviões de caça americanos, as bombas de fragmentação (cluster), o fósforo branco e o urânio empobrecido cujo desempenho é testado sobre crianças em Gaza. E agora, na causa da prevenção do "caos", esquecer a negação de quase toda liberdade civil básica no contrito "novo" regime de Omar Suleiman no Cairo.

O levantamento no Egipto desacreditou todos os estereótipos dos media do Ocidente acerca dos árabes. A coragem, determinação, eloquência e generosidade daqueles na Praça da Libertação contrasta com os "nossos" especiosos traficantes do mercado com os seus falsos al-Qaeda e Irão e suas suposições irrefutáveis, sem ironia, quanto à "liderança mora do Ocidente". Não é de surpreender que a fonte recente de verdade acerca do abuso imperial do Médio Oriente, WikiLeaks, esteja ela própria sujeita à covardia, ao pequeno abuso naqueles jornais auto-congratulátórios que estabelecem os limites do debate da elite liberal em ambos os lados Atlântico.

Talvez estejam preocupados. Por todo o mundo, a consciência pública está a levantar-se e a ultrapassá-los. Em Washington e Londres, os regimes são frágeis e muito pouco democráticos. Tendo há muito deitado abaixo sociedades no estrangeiro, eles agora estão a fazer algo semelhante em casa, com mentiras e sem um mandato. Para as suas vítimas, a resistência na Praça da Libertação do Cairo deve parecer uma inspiração. "Não pararemos", disse uma jovem egípcia na TV, "não iremos para casa". Tente juntar um milhão de pessoas no centro de Londres, decididas à desobediência civil, e tente imaginar o que podia acontecer.

09/Fevereiro/2011

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

07/02/2011

levante árabe IV: o desafio da fragilidade,

da coragem e da verdade
há ocasiões singulares, quando as pessoas se encontram e se reconhecem  como portadores de uma tarefa maior do que suas vidas isoladas. assim são as verdadeiras revoluções e transformações na vida de um povo; em ocasiões assim, não há como: as imagens falam mais do que as palavras, ou melhor, devem falar tanto quanto as palavras lúcidas e vibrantes (pessimistas ou otimistas) que também acompanham tais momentos de festiva e corajosa ruptura. 
e as imagens aqui exibidas, então, são inconstestáveis, para além de sua poesia e vibração.
na tunísia, o homem que fez do pão uma arma: quimera, bravata, frágil utopia? os companheiros desse homem mostraram que não: o pão da coragem, da celebração da vida e da ânsia de dignidade fermentou e cresceu por todo o mundo árabe.

nós os inconformados do ocidente precisamos reaprender a coragem, a poesia e  a ousadia simbolizadas no 'tiro' desse homem.  
acima, uma fusão entre ação política e vivência da religiosidade: em meio às manifestações de protesto contra o patético ditador mubarak,  os muçulmanos egípcios fazem uma pausa para as suas orações. guardadas as diferenças culturais e históricas, certamente que essa fusão deveria ser observada com mais atenção pela ação política da esquerda ocidental. 

mais ainda: a esquerda deveria fazer avançar essa fusão, superá-la dialeticamente no que ela tiver de atraso e de obscurantismo. enfim,  aprender a apresentar a ação política como parte de nossa tarefa ontológica - ou cósmica, se se preferir -  aprender a convocar o povo com uma linguagem nova, mais envolvente e verdadeiramente transcendente. 
esta talvez a mais bela e comovente dessa bela e comovente marcha do povo egípcio. é preciso  estar por demais domesticado e anestesiado pela sociedade de controle para não se emocionar com esses olhares infantis que misturam ingenuidade e desafio.

somente os desistentes - por demais anestesiados, preguiçosos e acomodados - para não ver nessa imagem o próprio símbolo da tarefa humana  no mundo e na vida: desvelar outros horizontes, forjar outros caminhos, para si e para os outros, apesar da brutalidade, da truculência ou do enraizamento na normalidade que amesquinha.

o desafio da ingenuidade e da fragilidade  convidando para o aprendizado e para a redenção, até mesmo para esses que foram engolfados pela brutalidade e pela normalidade medíocre das sociedades de controle. e do desafio e  do convite brotando a comunhão, o reconhecimento de que a tarefa maior de todos é exatamente esse desvelar de novas possibilidades para si e para os outros.

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levante árabe III: chico e milton saúdam novamente a liberdade

 chico e milton, interpretando essa belíssima e empolgante canção,  é um desses momentos que a nossa geração nunca esquecerá. 'cálice' faz parte da história política e poética deste país.

e aqui vai como  uma modesta mas oportuna  homenagem aos companheiros e companheiras, adultos, velhos e crianças egípcios, que nesses heróicos e vibrantes dias têm enfrentando a ditadura do patético mubarak. assim como o povo brasileiro superou aqueles duros tempos, agora o povo egípcio faz ouvir a sua voz e a sua escolha. 

bbb, a náusea

enquanto isso, em terras brasileiras: mais uma vez o povo anestesiado e estupidificado pelo imbecilidade do BBBial da Rede Bobo. é impressionante como aqueles participantes da 'casa' desempenham com perfeição e espontaneidade a enjoativa tolice que se exige deles.

tão impressionante quanto a naturalidade e a seriedade com que os os chamados telespectadores assimilam e legitimam toda esse circo nauseante. o que fatalmente leva à conclusão de que os presunçosos ideólogos, acadêmicos, jornalistas, professores, artistas e marqueteiros das sociedades de controle não têm tanto trabalho assim para conduzir os rebanhos, seja das classes médias seja das classes populares: é triste reconhecer, mas a verdade é que a 'natureza' humana ajuda nesse trabalho (infelizmente cada vez mais eficiente) de domesticação, anestesia e paralisia existencial e espiritual.

não somente pelo patético bbb, mas por tanta outras situações: afunilam-se as posibilidades, urge a cada mais uma revolta planetária, com a mesma coragem, persistência e grandeza do povo egípcio, mas mirando além, visando horizontes mais ousados: nada mais nada menos do que a interrupção da inigualável mas agressiva e desumana marcha ocidental. 

é momento de relembrar e reassumir  algumas das inventivas e lúcidas metas propostas pela geração da contracultura, e fazer avançar ou criar outras propostas. parece que somente a esquerda clássica, as ongs e os fsm's da vida e os 'terroristas' árabes não darão conta de interromper a  marcha ocidental (outrora revolucionária mas hoje apenas insana).

a boca do abismo se abre cada vez mais perto de nós.  

01/02/2011

lugar de povo é nas ruas - levante árabe II



Algumas imagens dos vibrantes acontecimentos protagonizados pelo povo do Egito.

levante árabe: manifesto avaaz

Caros amigos

Manifestantes egípcios corajosos irão determinar o que irá prevalecer no Egito e região: a tirania ou a democracia. Eles apelaram para a solidariedade internacinonal – vamos demonstrar um apoio massivo e pedir para os nossos governos apoiarem eles também.

Milhões de egípcios corajosos estão enfrentando uma escolha crítica. Milhares foram presos, feridos e mortos nos últimos dias. Mas se eles insistirem em se manifestar de forma pacífica, eles poderão acabar com décadas de tirania. Os manifestantes apelaram para a solidariedade internacional, mas a ditadura sabe que a união faz a força em um momento como este, portanto eles estão desesperadamente tentando isolar os egípcios do resto do mundo e desunir a população completamente, bloqueando a internet e telefones celulares.

Redes via satelite e rádio ainda podem driblar o apagão do regime -- vamos inundar estes canais de comunicação com um chamado de solidariedade para mostrar aos egípcios que estamos com eles, e que nós exigiremos um posicionamento dos nossos governos para apoiá-los também. A situação está por um fio -– cada hora conta -- clique abaixo para assinar a mensagem de solidariedade e depois encaminhe este email:
 O poder popular está se espalhando pelo Oriente Médio. Em dias, manifestantes pacíficos derrubaram a ditadura de 30 anos da Tunísia. Agora os protestos estão se espalhando para o Egito, Iêmen, Jordânia e além. Isso pode se tornar a derrubada do muro de Berlim do mundo árabe. Se a tirania for derrubada no Egito, uma onda democrática poderá se espalhar por toda a região.

O ditador egípcio Hosni Mubarak tentou esmagar os protestos. Mas os protestos continuam, com uma coragem e determinação incríveis. Há momentos no planeta em que a história é escrita não pelos poderosos, mas pelo povo. Este é um deles. As ações dos egípcios nas próximas horas terão um efeito massivo no seu país, região e no mundo. Vamos congratulá-los com um manifesto de solidariedade, mostrando que estamos ao lado deles nesta luta:
A família de Mubarak já fugiu do país, mas neste fim de semana, ele colocou o exército nas ruas. Ele prometeu tolerância zero para o que ele chama de “caos”. De qualquer forma, a história será escrita nos próximos dias. Vamos usar este momento como exemplo para cada ditador no planeta, mostrando que eles não vão durar, frente à coragem de um povo unido.

Com esperança e admiração pelo povo egípcio, Ricken, Rewan, Ben, Graziela, Alice, Kien e toda a equipe da Avaaz

Leia mais:
Manifestantes convocam greve geral e passeata apesar de gestos de Mubarak: http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-12303564
http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5hUh7xjPXnWCoxDJyBSUwcsBNxeGw?docId=CNG.89d0ef788bc15f982b5143260ae6befb.21

Egito está "no início de uma nova era", diz ElBaradei: http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5gJfTYJ6h7PZmJasIeyRiFiAswLfg?docId=CNG.d5e7dd1f2e7c4521a8354284c972c2e1.301

Egito: Continua a contestação ao regime:
http://pt.euronews.net/2011/01/31/egito-continua-a-contestacao-ao-regime/

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