03/11/2012

poema de finados - 1

poema da casa assassinada

a casa abandonada foi encontrada.
e olhá-la do lado de fora, parece
ainda mais abandonada.

por segurança, melhor mesmo é
manter-se distante.
não haveremos de nos lembrar ?

pois somos nós, eternamente
o planeta das criaturas abandonadas.
como meninos largados
numa rua  qualquer do cosmos.

então de vez em quando cheiremos
alguma cola pela vida afora.

 e salve Proust:
''Mas quando nada subsiste de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis, porém mais vivos,mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis,o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo,como almas, lembrando, aguardando,esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso da recordação."
vicente gonçalves - belo horizonte, minas

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Na verdade, na versão original do poema que Vicente Gonçalves enviou, o 7° e 8° versos eram assim:
Seremos nós,eternamente o
pais dos (menores) abandonados.
Gosto muito dos poemas de Vicente, e trocamos algumas idéias acerca de seus versos.
Desta feita, chegamos à conclusão de que a nova versão dos citados versos ganhou em amplitude, já que agora a denúncia não é apenas social, ou histórica - ela se trona cósmica, metafísica, fala da mistura de admiração e perplexidade, de desorientação  e impotência, ás vezes até mesmo de mágoa e de tédio, essas impressões que nos  perseguem quando desistimos de compreender o propósito último, claro e inquestionável de termos sido lançados  no meio do ser e do tempo (sem maiores explicações) pelos desígnios de uma potência até hoje desconhecida e para  a qual danos nomes vários: Ser, Cosmos, Espírito, Deus, Alah, Javé, Energia, Big Bang, Força, Tao etc etc etc. 

Na peculiar e comovente ironia que marca seus poemas, também acima  Vicente Gonçalves fecha bem a questão: já que numa etapa qualquer do tempo e do espaço, foi-nos dada a desgastante exigência, ou a privilegiada tarefa, de não mais cumprirmo-nos como pacificados animais, então  precisamos de uma forma ou de outra cumprir nosso compromisso histórico e/ou espiritual, entrar de fato no jogo, "cheirar uma cola qualquer", seja ela a cola da revolução, da fé, do ninho familiar, do poder ou do dinheiro, ou mesmo a 'cola' da arte, do poema, mesmo que às vezes a 'cola' de um poema irônico-desistente.