truncadas, indefinidas, passam
na memória como filmes mudos
pequenas histórias de amor
carnal. os grandes caudais da noite
sempre desaguam na tarde salobra
e rasa: janeiro amolece a tinta
das paredes, levamos à rua uma cara
mais fechada, e depois, na secção
dos congelados, não sabemos distinguir
o que sentimos além do frio que represa
as coisas todas: caminhamos sós
num privado bosque, convocamos
sombras que foram perdendo o nome
sinais que não transportam já
um sentido automático de desejo
ou sofrimento. e contudo, à revelia
das certezas que não quiséramos ter
acabamos sempre por tornar
às mesmas ruas, à noite insone
e imensa, onde nos dói descobrir
na companhia dos outros
o quanto nos reclama a solidão.
rui pires cabral (macedo de cavaleiros - portugal)
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