13/07/2010

modesto tributo a saramago

É público, notório e inquestionável o constrangimento provocado por essas bem-intencionadas iniciativas de homenagear, discutir, debater, aplaudir e, às vezes, pateticamente tentar divinizar obras de escritores ou artistas quando morrem.

Dá margem a jornalistas e críticos oportunistas, que geralmente não têm muito o que dizer, para se destacarem ainda mais em suas mídias espetaculosas e inócuas, manifestando-se cheios de boas intenções com seus textos inteligentes e acrobáticos, grandiloquentes e contritos.
Além, é claro, de cheirar a hipocrisisa de pessoas e mídias, que não dão o devido respeito ou atenção ao autor ou obra, quando em vida, já que isso naquele momento não daria a esperada audiência.

E, por fim, isso de destacar em demasia a morte de alguém, seja um artista ou qualquer outra 'personalidade', é coisa de cultura e manipulação burguesa, elitista. Tem o efeito de distanciar o 'homenageado' do nosso cotidiano. Coloca-o num plano superior a aos outros.
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Óbvio que aqui não se coloca em questão o valor do talento individual e das diferenças de personalidade, que fazem A ou B se destacar dos demais. A questão é a má-fé de mídias e pessoas, ao fetichizar esse talento, absolutizando, destacando apenas e tão somente a personalidade individual, como se toda uma história e um contexto coletivo não houvessem contribuído para o aparecimento e desenvolvimento do talento individual. Como se o autêntico talento não fosse exatamente uma resposta a um determinado tempo e a uma determinada situação, seja ela artística, política ou científica-acadêmica.

Na verdade, funciona como uma maneira de anular exatamente a força e a verdade desse talento, ao passar a idéia de que foi produto apenas de uma decisão individual, ao passar a idéia de que basta ter 'força de vontade' para ‘vencer’, basta querer ‘competir’ para ‘vencer’.

Enfim, é o velho artifício de exagerar nas homenagens, de divinizar, para separar, engolir e neutralizar, principalmente quando se trata de alguém que incomoda, que contesta, que desmascara a ordem vigente e os seus mecanismos ocultos. E certamente que o talento de José Saramago é um desses que incomodaram e e incomodam essa ordem.
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Por isso, esse longo preâmbulo antes de prestar a merecida homenagem ao escritor português. Tal como Sartre, outro grande exemplo de engajamento e recusa, Saramago não pode, não merece e não precisa ser fetichizado por essas homenagens de uma mídia que finge acreditar ( e faz de tudo para passar essa ‘verdade’) que Saramago era apenas mais um grande escritor, o ‘único escritor em língua portuguesa ganhador do Prêmio Nobel’, etc, etc;

Por essa mídia que não consegue ou não quer ver que a grandeza de Saramago também estava exatamente em sua recusa do erro e do velho que há nesta ordem vigente, essa mídia que não consegue ou não quer ver que o escritor português nutria simplesmente desprezo e indignação por essa ordem injusta e obsoleta, à qual essa mídia despersonalizada e presunçosa pressurosamente serve.

As palavras abaixo, do próprio escritor, atestam essas afirmações e mostram um pouco do verdadeiro Saramago.

É a minha modesta homenagem ao escritor, ativista e pessoa José Saramago, nesse mês em que Desvelar também lembra o dançarino-menino Michael Jackson, que está a ser transformado numa mercadoria-mito pela mesma e implacável engrenagem da indústria cultural que o sugou até à exaustão, quando em vida.

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