06/07/2010

o menino michael

O primeiro aniversário da morte de Michael Jackson  não passou em brancas nuvens, como era de se esperar.
Na verdade, tudo leva a crer que a data do 25 de junho se tornará a cada ano mais marcante, tanto para os seus fãs em vida quanto para os que passarem a conhecê-lo após a sua morte. Podemos estar presenciando o nascimento de um ícone ainda mais forte do que Elvis Presley, John Lennon, Beattles, Airton Senna, Lady Di, e tantas outras tentativas ou necessidades de se criar mitos e mártires na cultura pop.

Mas se todas essas construções de ícones pops são iguais em essência - se, numa análise resumida,  são todos uam msitura de mídia e de sociedade do espetáculo com uma necessidade que as massas têm de suprir suas perdas de referência e de autonomia - em que então o fenômeno Michael Jackson iria diferir tanto dos outros ícones ou espetáculos post mortem?

Uma pista, talvez. Talvez pela sua imagem de fragilidade, de criança crescida, de adulto que se perdeu nos confusos caminhos do mundo. Mas não um adulto qualquer. E sim um artista que foi por demais engolido, sugado pelo pavoroso sistema no qual ele cresceu e venceu.

Ou seja, ao mesmo tempo em Jackson se tornou mais um mito, mais um boneco criado pela narcotizante indústria cultura pop, ele foi uma de suas vítimas, tanto quanto muitos outros artistas sérios ou consistentes, que não sucumbiram à contradição de criar e viver no mundo moderno e acabaram sendo destruídos ou se autodestruindo: Raul, Cazuza, Elvis, Hendrix, Celan e tantos outros artistas, menos conhecidos e mesmo anônimos - certamente que esses últimos existem aos montes por aí.

Que contradição? A contradição de ser um grito, um guerrilheiro  contra essa cultura pop e ao mesmo tempo ser filho do sistema, a contradição de aceitar ser uma mercadoria do engrenagem para poder bradar contra essa mesma engrenagem.

E, mais dramático ou desesperador, ao final ver que os seus brados, ódios e combates contra a engrenagem de nada servem, já que a engrenagem absorve, vive desses combates e supostos ódios, transforma-os em mercadoria altamente vendável, coloca como produtos de mercado a arte e o artista. E aí  a perplexidade,  a impotência, a perda de identidade e, por fim, autodestruição. Na verdade, esse parece ser  o eterno círculo vicioso da muito daquilo que que se chama de arte moderna.

E o fenômeno Michael Jackson talvez tenha levado ao ápice essa contradição: foi o mais endeusado das crias da cultura pop e ao mesmo tempo uma de suas maiores vítimas, um dos maiores exemplos de perda de identidade, de autodestruição ou de autonegação. Uma negação tão forte, que Jackson se recusava até mesmo a crescer, a se postar como adulto perante uma tão engrenagem tão complexa, que ele sabia que estava a devorá-lo.
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E é preciso não esquecer o escabroso detalhe, no caso do menino Jackson: ele foi fabricado e engolido pela engrenagem já na infância, antes mesmo dos dez anos de idade. Ele não pode sequer vivenciar o que seria uma infância feita de inocência, espantos e transcendentes contatos com o mundo e com a vida - aliás, até onde as virtuais e presunçosas crianças de hoje vivenciam uma infância digna desse nome?

Enfim, a par do virtuoso e emblemático dançarino que foi, Jackson compunha e cantava letras que falavam desses gritos, impotências - veja-se os dois vídeos publicados abaixo.
Certamente que esse seu lado incontestável de grande e verdadeiro artista foi captado pelos seus milhões de fãs, juntamnte com a sua tragédia de menino que não queria crescer num mundo por demais delirante, amedrontando e plastificado, como o é a sociedade americana e suas colônias culturais mundo afora - aí se incluindo muito de nossa pátria amada, é claro.
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E tem-se então a criação de um dos maiores ícones desses nossos tenebrosos tempos. Acompanhemos, pois, a construção desse mito moderno em que está se tornando o menino Michael, já nesse seu primeiro ano de vida-virtual-após-a- morte.

Afinal, enquanto participamos da dura batalha para afastar em definitivo o risco da bárbarie e da plastificação da vida,  relaxemos um pouco. Embora crucial e urgente, a batalha também pode ser divertida.

Nem só absurdos  vazamentos no Golfo devemos vigiar, também podemos presenciar os dançantes passos de Jackson e dos artistas do futebol nos gramados da Copa da África - claro, aplaudir a dança dos verdadeiros artistas do futebol, os jogadores, e não a dança macabra dos espectros sujos e infelizes que estão a sugar e mercadejar o futebol: fifas, federações, salários milionários, construção suspeita de estádios novos e faraônicos (qual será o verdadeiro motivo de a FIFA não aceitar o Morumbi para a copa de 2014?), mercado de publicidade, direitos televisivos da Rede Bobo,  e tantos outros miasmas fedorentos...  

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