12/04/2011

massacre de realengo: mais vítimas da besta agonizante

Passada o choque inicial, que se segue a toda tragédia, e passada também a espetacularização e a banalização próprias dos atuais veículos de comunicação,  já se pode refletir com um pouco mais de lucidez sobre o Massacre de Realengo. Embora lucidez seja uma palavra um pouco difícil de se aplicar em acontecimentos como esse Massacre.

De toda forma, os trechos abaixo colocam  a questão num foco menos distorcido, ao invés de se procurar causas e soluções fáceis e moralistas. Pode parecer discurso repetitivo e inócuo, mas não é  focando em indivíduos e situações específicas que se compreende tragédias assim.

Sabemos que é apenas mais um infeliz episódio provocado pela irracionalidade do atual modelo de sociedade, a irracionalidade desta organização de controle e manipulação que não cessa de produzir dor, infelicidade, conflitos e às vezes tragédias explícitas. Tanto Columbine, nos EUA, quanto Realengo são aspectos da mesma realidade. E  sabemos que infelizmente muita dor e muita tragédia ainda hão de ocorrer, até que a humanidade consiga finalmente superar esse estágio em que a besta agonizante do capitalismo ainda consegue ferir e escoicear. 

palavra e silêncio (trechos)
por alfredo gonçalves, publicado originalmente em  província são paulo

O que dizer deste trágico e inesquecível dia 7 de abril carioca? O que dizer frente ao massacre de 12 crianças e adolescentes em plena sala de aula? O que dizer, na noite seguinte, diante dos muros revestidos de flores e velas da Escola Municipal de Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro? O que dizer de uma violência tão nua e crua, tão fria e meticulosamente calculada?

As palavras emudecem. Emudece a escola Tasso de Oliveira, com suas paredes banhadas de sangue inocente. Igualmente mudos ficam a Cidade Maravilhosa, o Brasil e o Mundo. Mudos e atordoados, estupefatos, quedamos todos nós! Palavras como perplexidade, terror, barbárie ficam aquém dos fatos brutais… Infinitamente aquém! Parece que só o silêncio respeitoso e reverente é capaz de dizer algo. No sangrento espetáculo de vidas tão precocemente ceifadas, as palavras parecem sobrar ou faltar. Serão sempre de mais ou de menos.

Entretanto, não basta o silêncio! Ainda que as palavras sejam de menos, é preciso arriscar algumas, sob pena de cumplicidade ou omissão. Mas, de forma insistente, volta a pergunta: o que dizer?

(...)O que dizer às famílias enlutadas, obrigadas a sepultar seus entes queridos no vigor de sua primavera? Expressões de conforto? Abraços de carinho? Mensagens de confiança? Presença de holofotes, câmeras e microfones? Notícias sensacionalistas? Espaço para desabafos na mídia? Mas a dor é mais forte e mais funda, muito mais forte e mais funda que tudo isso. E ainda neste caso o silêncio se sobrepõe às palavras indiscretas e ao pranto sufocado, engolido.(...)

(...)O que dizer sobre o ex-aluno da escola, Wellington Menezes de Oliveira? Nome inglês mesclado com sobrenome bem brasileiro. O que dizer desse jovem de apenas 23 anos, órfão e só, perdido e abandonado? O que dizer de sua existência solitária e subterrânea, fora do alcance de toda a análise? Poderia ser o irmão mais velho das crianças que alvejou de maneira tão friamente pensada. O que dizer de alguém que mata, fere e em seguida se mata? Aqui poderíamos enfileirar uma série de por quês: de ordem social, econômica, política, cultural, psicológica, psicopatológica… Também poderíamos recorrer à sua carta-testamento ou ao testemunho dos policiais. Mas tanto seus tiros letais quanto suas palavras escritas continuam um enigma para quem segue vivendo sobre a face da terra. O que sobra desses poucos minutos de horror? Um silêncio tão cerrado quanto a boca dos mortos!

O que dizer, enfim, de uma sociedade que engendra ações desse gênero? Cenas que estávamos acostumados a presenciar pela telinha, vindas do outro lado do mundo ou mar: dos Estados Unidos, da Alemanha, ou da Inglaterra…(...)

(...) Desta vez, porém, a violência parece ter atingido um grau mais elevado. Ou descer aos porões sombrios infectos, inusitados e selvagens em que se escondem inúmeras crianças, adolescentes e jovens. Quantas vezes já estivemos reféns desses seres, agindo em grupo ou solitariamente! E quantos deles nunca conheceram um olhar mãe, um beijo molhado, um carinho de afeto, uma palavra de ternura, um leito suave, uma roupa nova ou uma comida quente!

A brutalidade é grande demais para caber, inteira, na alma de um jovem. Wellington carrega muito mais anos de sofrimento do que sua tenra idade pode suportar. Sofrimento que se transfigura em agressão e, como um dique que se rompe, devasta tudo o que vê pela frente. Violência exacerbada à máxima potência, que atinge simultaneamente as vítimas, seus familiares, a sociedade e o próprio assassino. É aqui que a palavra emudece! Como emudeceu diante do holocausto da Segunda Guerra Mundial, por exemplo. As letras e palavras se tornam estreitas, acanhadas, impotentes. Incapazes de conter os sentimentos que varrem o coração de cada um de nós.(...)

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