olhares, rostos, corpos - 1
captei essas imagens em guriri (são mateus, norte do es) à beira do rio cricaré,
na comunidade de meleiras
sério, numa postura ciscunspecta, o atento cão mira o rio,
parece que tenta desvelar a sua fluida e inconstante aparição.
tal como um cão-filósofo grego, parece buscar,
na origem e na presença mesma das coisas,
a razão de tanta diversidade no mundo, principalmente a
visível e gritante diferença entre a sólida, protetora e perfumosa
terra e a escorregadia, hipnótica e perigosa água
imagina então que, se se apossar do ágil e ousado
barco dos homens, quem sabe chegue ao destino final das
águas, e à solução desse infinito e silencioso fluxo.
então talvez poderá decidir qual dos mestres tem razão,
em explicar as leis que de fato governam o cosmos,
o mundo e a vida dos homens:
se o grego heráclito - o filósofo da mudança e da inconstância, ou
o também grego parmênides - o filósofo da unidade e da permanência
mas o cão-filósofo, ao fim, decide que não é uma atitude sábia
se aventurar no ávido, inquieto e precário barco dos homens;
afinal não importa tanto saber quem tem razão,
mesmo porque talvez ambos os filósofos estejam certos
.o mais importante, o verdadeiramente sábio, para o cão-filósofo,
é sentir, viver o fluir do próprio rio em terra firme.
desvelar, a cada instante, o mistério de sua aparição
mesmo sem sair da aconchegante presença da terra.
a cada instante, desvelar o presença do rio, do cosmos e da vida,
como uma oração. ou como um poema, tal como o escrito aí embaixo.
ou como uma reverente vígilia daquele homem que foi para
a terceira margem do rio, lá nos nortes de minas.
tradução do rio
Sento-me e traduzo o rio,
É difícil reproduzirEsta coisa líquida,
São precisas palavras raras,
Expressões firmes,
Ritmos eternos,
Uma centena de fontes em uníssono
A contar de novo um mito antigo.
Durante toda a noite traduzi o rio.
De manhã
A minha versão tinha desaparecido.
xhevahir spahiu - albânia (1945 - )
tradução : do trapézio sem rede