21/06/2012

o semáforo

amarelo, cuidado! vermelho, parar!
som de freios no asfalto aquecido, estridente e metálico
automóveis se alinham brusca e desigualmente
motocicletas disputam os espaços intermediários
camelôs giram em órbita dos carros
com seus produtos e serviços descartáveis.
cruza a faixa uma pequena multidão, muda e apressada
do outro lado, motores roncam em tonalidades dissonantes
buzinas nervosas insistem em erguer a voz

foi então que vi aquele olhar.
uma criança, menina, estacionada à minha frente.
yinha nas mãos um maço de folhetos
mas aparentemente esquecera que devia entregá-los.
despenteada, com alguns farrapos sobre os ombros
não devia ter nome e menos ainda família
de perfil, olhava sobre os ombros:
olhar sem palavras, seco de riso e de lágrimas
onde medo e desejo pareciam alternar-se.
abarcava tudo e nada, perdido e só
sobre o ruído das máquinas e a pressa dos transeuntes.

vermelho, avançar!
mas aquele olhar permaneceu ali, vívido e teimoso
como que petrificado no pára-brisa do carro
gravado para sempre no mármore da memória.

certamente me fará algumas visitas inoportunas
nas noites quentes de insônia.

pe. alfredo gonçalves, CS