22/12/2008

"então é natal, e ano novo também..."


Sabemos que a época natalina, há muito tempo, não é mais vivida apenas como momento maior da cristandade. O natal se tornou para todas as pessoas sinônimo de solidariedade, de esperança, de perdão e superação de conflitos. Em parte, talvez pelo fato de ser comemorado tão próximo ao Ano Novo das sociedades ocidentais. A proximidade das datas fortaleceria naturalmente o sentimento de renovação, de fim de um ciclo e início de outro (tal como insinuado no verso da famosa música de Lennon, que escolhemos como título desta postagem). O sagrado e o profano. A memória religiosa e a promessa terrena se encontrando. A celebração anual da esperança de que um dia a Grande Festa ocorra aqui e agora no reino dos homens.

Nem mesmo esta época de desenfreado consumismo e de indiferença e medo entre as pessoas é capaz de desvirtuar ou eliminar completamente esse momento de celebração e de resistência, que chamamos de espírito natalino.

Trazemos então três poemas, tendo como motivo a figura do Cristo, esse que, até hoje no Ocidente, ainda é o símbolo dessa crença, celebração e resistência. Poemas aparentemente amargos, pessimistas, até mesmo irônicos. Mas nem por isso menos tributários da crença e da possibilidade da Grande Festa, nem por isso menos respeitosos para com essa figura-símbolo. Ao contrário, é da sua crença que brota a sua aparente amargura e ironia.


o lamento do ressuscitado
não nasci, não cresci
nem morri de verdade...
até hoje!!!
chorei assim mesmo
sem mais sangue nas veias

é muito complicado ir além
a porta não abre, não abre...
forçá-la é tentativa vã
e pela fresta a fé não vem

nada do que dei fez a festa
o trunfo, sem triunfo
é só um defunto...
vicente filho




fotopoema: madeiro milenar


ei, companheiro crucificado
2000 já veio e já se foi admirado
da abundância de brilhosas bündchens
de bytes & gates, de gatunos & wall streets
e de restos de gente humana exilada
nas ruas capitais
deitadas em escadarias de catedrais salpicadas de bosta


cruz credo! credo em cruz! não
se
acenderam
ainda
as
luzes
de
tuas
árvores

(poema e fotografia de roberto soares - a foto foi tirada em ponta da fruta, vila velha, es)



UMA VEZ bem que o escutei
ele mesmo lavou o mundo, limpou tudo
sem ser notado, a noite toda
efetivamente

Uno e infinito
aniquilado
ilhado

Brilho havia. Luz. Salvação.
paul celan Junto com este poema de Celan, pretendia publicar os comentários de Flávio Kothe, o seu tradutor aqui no Brasil (em sua tradução de “Poemas”, publicada pela Tempo Brasleiro, Kothe comenta todos os poemas de Celan). Mas como estou em viagem não tenho o livro em mãos.
Assim, vou tentar transmitir de memória o essencial dos comentários de Kothe e quando possível publicá-los-ei na íntegra.

É com uma forte ironia que Celan relembra o breve tempo em que pode “escutar”, em que pode acreditar numa redenção da humanidade advinda da fé ou da abnegação cristã. Mas apesar da gradual descrença e do desespero - mesmo em relação à ação política e à própria possibilidade da vida (Celan se matou em 1970) - a figura do Messias mantém o seu fascínio para Celan: o Cristo como poeta que assume para si o louco e absurdo projeto de se imolar em nome de uma tarefa que ele sabia fadada ao fracasso, ao menos em termos imediatos. Mas mesmo assim se aniquilando, se ilhando, anônimo e desamparado, em nome dessa absurda escolha, em nome do projeto de ligar o homem ao divino, de despertar o que havia de divino no homem e de mostrar ao homem o que poderia haver de humano e precário no divino. O poema parece ser uma espécie de acerto de contas de Celan com a sua nostalgia, com o que ainda restava em seu imaginário de fascínio pela figura do Messias, mas um Messias humano, poeta, precário.

Um comentário:

  1. Feliz natal meu caro Roberto, os textos sempre de boa safra. abraços.

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