01/12/2008

a festa da vida nas ruas

Numa inciativa conjunta da Prefeitura Municipal de Vitória e da Comissão Espírito-santense de Folclore, aconteceu no último sábado, 29/11, a I Festa da Identidade Capixaba, que reuniu mais de 60 grupos folclóricos capixabas, num grande desfile pelas ruas do Centro de Vitória.

O tema da festa foi a histórica rivalidade entre as irmandades cristãs apelidadas de Caramurus e Peroás, devotos fervorosos de São Benedito que disputavam, ainda no século 19, a primazia de realizar a festa mais bela para o santo, e o trajeto do cortejo passou em frente aos mais importantes prédios e logradouros históricos do Centro de Vitória.

A seguir, um relato nada jornalísitico do que foi o desfile; ao contrário, a descrição é intencionalmente entusiasmada, decalaradamente apaixonada, de alguém que participou de todo o desfile e se encantou com o que viu e ouviu.

aqui, o início, nas escadarias da Igreja do Rosário e na de mesmo nome

“Foi bonita a festa, pá...”
As ruas da cidade foram tomadas por uma guerrilha multicolorida e multicultural.
Congo, folia de reis, ticumbi jongo, danças indígenas, grupos de dança alemã, pomerana e italiana.
Depois de se concentrar por um longo e festivo tempo na Praça Costa Pereira, lá pelas quatorze horas o assalto se iniciou pelas escadarias da Igreja do Rosário. Com o público e os artistas populares espremidos nas escadas, já se tinha uma impressão, embora ainda vaga, de que estávamos participando de algo diferente, algo mais aconchegante.
Mas, caminhando pelo relvado pátio da Igreja e descendo pela Rua Pereira Pinto, ainda havia uma certa postura de apenas espectadores de um espetáculo promovidos por artistas, ainda havia aquela atitude de distanciamento entre artista e público. Mas também havia já uma atmosfera verdadeiramente efusiva, com pessoas nas portas, janelas e calçadas, aplaudindo, tomadas por uma mistura de surpresa e admiração com aquilo que viam, com aquele rio de gente brotando súbito dos portões da igrejinha da comunidade.

na ladeira e em frente ao bar do Gegê
E na descida da Ladeira São Bento, a coisa começou a mudar de figura. Já não se separava mais público, cantores, músicos, personagens fantasiados. Era uma só vaga humana descendo pela ladeira – sonora, colorida, melodiosa. O cortejo desembocou no cruzamento com a Graciano Neves, em frente ao tradicional Bar do Gegê.
cortando o calçadão da Rua Sete e em frente à Igreja do Carmo
Dali para a frente, certamente que ainda mais animado pelo espírito irreverente da clientela do Gegê, o cortejo assumiu de vez a sua atitude guerrilheira, a sua missão de subverter a ordem natural, que geralmente vemos em relação à arte - de um lado, ou acima, o artista, ativo, centro do espetáculo, de outro lado, ou abaixo, o público, silencioso, espectador passivo.
Do já quarentão reduto da boemia de Vitória, a marcha musical prosseguiu rumo à Igreja do Carmo, passou em frente ao Convento de São Francisco, por cima do Viaduto Caramuru, se afunilou ao lado do Colégio Maria Ortiz e, depois de se espremer num beco, se espraiou pelo paço em frente ao Palácio Anchieta e ao Palácio Domingos Martins.

a bandeira segue em frente mesmo espremida entre os palácios e os muros do poder

Nesse ponto, já havia se configurado em definitivo o caráter subversivo do cortejo. O espetáculo era de todos, feito por todos e para todos, a dança, a cantoria e a música dos instrumentos já não tinham mais sentido sem a participação do público, que ora assistia, ora acompanhava, ora se esgueirava pelas ruas, becos e calçadas junto com os grupos folclóricos, já não havia artistas e público, atores espectadores. Havia apenas arte, cultura, ou melhor, celebração popular - havia na verdade a vida fluindo em festa pelas vias de Vitória, a vida festejando, a vida se festejando numa tarde de sábado.

Era como se os artistas precisassem de fato das pessoas, da sua presença, para que a sua arte se realizasse naqueles momentos: total comunhão, interdependência, entre vida e arte.

Palácio Anchieta

Palácio Domingos Martins

nas proximidades da Catedral

Por fim, depois de ladear a Catedral de Vitória os guerrilheiros da arte popular, descendo pela Escadaria , finalmente retornaram ao ponto de partida.
O que foi realmente uma pena, da próxima vez que o percurso seja um pouco mais longo e demorado. Com certeza os atores do espetáculo – músicos, cantores, dançarinos e o público – encontrarão um fôlego extra, em nome dessa celebração da vida e da diferença, da tolerância e da riqueza cultural.
Aliás, será imperdoável, será injustificável que o Poder Público não faça o que estiver ao seu alcance para que essa celebração ocorra novamente, por muitas e muitas vezes – com certeza, não faltarão recursos para que aarte popular tenha a mesma atenção que o carnaval, o Festival Nacional de Teatro, o Vitória Cine Vídeo e outros eventos culturais de grande e médio porte patrocinados pela Prefeitura de Vitória e pelo Governo do Estado.

Afinal, a arte popular, coletiva, e o folclore merecem o mesmíssimo cuidado que a arte contemporânea, individual ou de grupo. E que não se cometa a afronta, o pecado de querer aprisionar essa celebração da beleza e da alegria, da resistência e da vida, em uma forma convencional, como uma espécie de desfile, com arquibancadas, cordões de isolamento, ingressos e camarotes e tudo o mais a separar o público dos artistas populares, a separar o público de si mesmo e a dividi-lo em castas.

Para ler mais sobre a poesia e a espontaneidade da arte popular clique em 'Arte Popular: resgate e comunhão'

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