06/07/2009

silêncios e desvelos I

Os cinco poemas de Cecília Meireles, abaixo publicados, somente vieram a público em uma edição póstuma, “Cânticos”, publicada em 1982, pela Editora Moderna.
São 26 peças admiravelmente singelas, com um quê de aforismos. Na verdade, numa primeira leitura é como se não passassem de fórmulas sobre o bem viver, vazadas numa atmosfera de despojamento - no melhor estilo dessas supostas sabedorias orientais, oferecidas aos montes em livrarias, seitas e sites, como remédios existenciais milagrosos, eivados de lições sobre renúncia e autoconhecimento, estimulantes de desapego às ilusões e de indiferença às contradições deste mundo terreno.

Mas esse aparente esquematismo dos poemas é facilmente ultrapassado numa leitura minimamente cuidadosa. Aí, sim, percebe-se que há neles uma certa atmosfera filosófica, ou melhor, de maturidade existencial, que faz o leitor, mais do que refletir, sentir que se tratam de impressões realmente amadurecidas, de uma fala que reflete de fato a vivência de alguém, que se trata de um dizer verdadeiro, longa e pacientemente produzido no interior, e não apenas reproduzido do exterior.

Aliás, a esse respeito, leia o texto acerca da poesia de Rilke, no qual são apontadas algumas aproximação entre Cecília e o poeta alemão.
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Claro que essa sugestão de afinidade entre os dois poetas não tem a presunçosa pretensão de inventar filiações e referências para a poesia de Cecília Meireles. Apenas situá-la num plano diferente, realçar a atmosfera meio filosófica de seus poemas. Pela maior parte da poesia de Cecília perpassa uma discreto diálogo com o silêncio e a densa presença das coisas, diálogo feito de delicadeza e nostalgia - como se sua poesia murmurasse uma secreta saudade e lamento por aquele perecimento das coisas e de nós próprios no meio das coisas e do tempo.
Essa talvez a grande diferença entre a poetisa brasileira e o poeta alemão. Rilke é mais denso, trágico, a sua fala é mais carregada de perplexidades e interrogações. Cecília é mais singela, menos metafísica e mais terrena, menos discursiva e mais ‘retratista’ (‘Retrato natural’, uma de suas obras) das coisas. Mas, sem querer entrar em sutis e profundas considerações acerca daquilo que gestou a obra de um e de outra, vale apenas lembrar que o mundo de Rilke é outro, a história vivenciada pelo poeta alemão é bem diferente daquela vivida pela poeta brasileira - estavam cercados por coisas e histórias diferentes.

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