01/11/2010

ilha, luto

a domingos, companheiro atropelado pelo real

pater, eu tenho um mar até o peito
mas não me alço alto e forte

nada a dor

na tarde que neblina, brinda
e escorre cremes e cristais de melancolia

eu temo e amo a visão boquiaberta
a que me lava e voa em sonhos:

tu e tua urna sem porto
aí nesse mar maior
que esta ilha de migalhas

urna úmida, muda e balouçante
a vadear as areias e arestas desta terra
arrastada em ondas que voam, rugem
além da vitória ou da derrota
no seio da vertigem

e então reconto, desponto
de praia a ponta
de barra a mar
de campos a serra viçosa:
eu busco o esquife inesquecido
as memórias jamais perdidas
na fraturada memória da partida

e ja à porta do espanto
à meia fundura do mar
eu paro, eu espero
eu-parto: o olhar ofega
mas esse teu ômega afaga-o

então já não mais naufrago
a memória na melancolia
continuarei.
carregarei essas tardes como quem carrega teus
sapatos de afogado

ancoro-me em lágrimas doces e as mesclo
com neblinas, ondas, espumas, crinas
e gotejo esses imensos instantes
que ardem na tarde
num só num só num só
                                           poemar

e envio a esse teu
celeste deserto nublado:
inimaginável intangível
impossível imperecível
                                           pomar

deserto de pó, de mar
                                          pós-mar

pater?

roberto soares (ilha de guriri, es, inverno de 96)

Nenhum comentário:

Postar um comentário