mãe:
que desgraça na vida aconteceu,
que ficaste insensível e gelada?
que todo o teu perfil se endureceu
numa linha severa e desenhada?
como as estátuas, que são gente nossa
cansada de palavras e ternura,
assim tu me pareces no teu leito.
presença cinzelada em pedra dura,
que não tem coração dentro do peito.
chamo aos gritos por ti — não me respondes.
beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
por detrás do terror deste vazio.
mãe:
abre os olhos ao menos, diz que sim!
diz que me vês ainda, que me queres.
que és a eterna mulher entre as mulheres.
que nem a morte te afastou de mim!
miguel torga, em 'diário IV' - portugal
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