por Roberto Garcia Simões, publicado em A Gazeta, 07/06/2011
Éflagrante a incapacidade do governo Casagrande de se antecipar e firmar uma negociação contínua com estudantes sobre transporte coletivo. A sociedade não pode ser convocada somente em 30 de dezembro para aumentar tarifa. É preciso uma agenda da mobilidade que contemple toda a sociedade: "quem e quanto pagar" por tarifas, passes livres, qualidade do serviço.
Desde abril, circulava nas redes sociais: "Vitória vai literalmente parar" (@ Protesto GV): 2 de junho, 6 horas, Palácio Anchieta. Além de "tentativas" de negociação, o que ocorreu em abril e maio? O governo não tem estrutura e pessoal para o diálogo permanente - e não o de ocasião. É discurso sem sustentação prática. Chegou ao ponto de o protesto ter começado sem a sua presença para ouvir a demanda da hora, acertar reunião e buscar liberar uma pista.
Diferenciando-se da esquerda arcaica, o "ativismo virtual", segundo o prof. Marco A. Nogueira: a) atua de forma mais livre e horizontal; b) não tem lideranças claras; c) partidos não comandam; d) há muita festa e determinação, mais do que disciplina militante. São movimentos em movimento que rompem com paradigmas de entidades estudantis do passado. As negociações são mais complexas.
Nas 6 horas de trânsito bloqueado, com Casagrande em Brasília, e o vice, Givaldo Vieira, fora da capital, relatos no Twitter davam conta de que houve ligações para dirigentes de entidades. Nada aconteceu de efetivo, até a chegada do vice. Paralisia. Agendou-se uma reunião para 13 horas. Ao mesmo tempo, o BME deu um ultimato: desocupar em 5 minutos. Do oito para oitocentos. Resultado: confronto violento na rua, e negociação que não chegou ao Palácio.
Não concordo com a obstrução total da mobilidade, nem com vandalismos. Mas é um dilema, no calor do protesto, encontrar o "ponto do doce": incomodar, ganhar repercussão e força e, simultaneamente, respeitar direitos. Não é trivial calibrar transtornos. Estudantes no protesto, e não só eles, investidos de poder, também expressam, em atos, emoções e "instintos primitivos" que suplantam racionalidades.
Os excessos se amplificam quando viram alvo de bombardeios apimentados. Os policiais deveriam estar mais bem capacitados para os momentos de forte tensão da lei e da ordem. As negociações não podem começar com a "tropa de choque" perfilada. O coronel Odorico dizia: "É ilegal, baixa o pau" (CBN, Sucupira, 20.05). Ao contrário, buscar a mediação é essencial.
São altos os riscos de "guerra" nessa ambiência. É inerente a tensão entre a eficácia do protesto - número de participantes e incômodos gerados - e o Estado de Direito. No centro de Vitória, os manifestantes acumularam poder nas seis horas de paralisação total.
Nesse clima de beligerância, o governo optou pelo confronto. Empurrou os movimentos para a Ufes. No final da tarde, a truculência do BME ampliou-os. Em menos de 24 horas, os manifestantes saltaram de dezenas para milhares. É o resultado mais veloz do "crescer é com a gente". Na noite do dia 3, outro choque. O uso da força em um dia veio a ser o prenúncio de fraqueza no outro: o governo se rendeu aos milhares de manifestantes. A polícia observou-os na Ufes e deixou-os ocupar o entorno da Terceira Ponte. Certo?
Ontem, depois dos extremos, outro protesto com interrupção parcial do tráfego e pauta de negociação. É possível a passagem para uma mobilidade sustentável?
Roberto Garcia Simões é professor da Ufes e especiaIista em políticas públicas.
E-mail: robertog@npd.ufes.br
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