14/03/2012

em viagem... e um pouco de 'dala'

Em viagem desde o dia 09, sexta. Em retiro, acolhido pelas montanhas das Minas Gerais. No caminho do campo. Desde então, somente postagens previamente programadas para publicação: poemas, literatura, vídeos (música, cinema). 
A partir do dia 23 é que estarei em condições de acompanhar e editar temas e fatos locais, nacionais e globais. Mas, já que no meio da montanhas de Minas, um techo de meu "Dala", ainda não publicado:

"(...)Saíam de casa geralmente às cinco da manhã, chegavam à Usina, local frio e enfumaçado, às oito horas e só retomavam a viagem à tardinha. Ele aguardava do lado de fora, no terreno junto à rodovia e nas barracas, dentro da Usina só podiam entrar motoristas e funcionários, adultos enfim.
Quase doze horas espreitando e espreitando-se, jogando-se no (e jogando com o) tempo inútil amontoado à sua volta, ele fazendo por ignorar a profusão de montanhas úmidas e verdes que envolviam-no, envolviam a Usina, com seus fornos e máquinas zunindo inacessíveis (para ele brilhantes e futuristas), com o sem número de caminhões e motoristas que iam e vinham; ele tentando fixar-se em máquinas, caminhões e pessoas de gestos apressados ou mecânicos ou indolentes, do que ter que

saber da solidão das montanhas
e compreender a prisão de Deus

compreender os espaços inabitados entre elas, montanhas e espaços inviolados sucedendo-se uns aos outros em olímpico mutismo, ele, ainda que não soubesse, achando-se extenuado por aquela mistura de humano e de divino que o agarrava de todos os lados. Impaciência, Impaciência.
E, vez por outra, também uma fome cômica, quando ele e seu pai ainda não sabiam de um restaurante nas proximidades da Usina, e ele tinha que se contentar com biscoitos, queijos e sanduíches surgidos melancólicos nas barracas.

De bom grado, então, ao entardecer ele se reacomodava na cabine, o desejo interrompido, mas conservado e talvez acrescido, de ganhar o asfalto como uma ave qualquer ganhava o espaço: percorrer, percorrer, em silêncio percorrer a terra estrada mundo, sabendo que o próximo ponto de descarga, e de espera, ainda estava longe, ainda estava depois da noite que se avizinhava. Na última encosta, de onde ainda se via a Usina, ele se voltava e ainda via a Usina. Apesar da demora, tristeza de despedida, mitigada pela quase certeza de que voltaria. Já escurecendo, ele se deitava no chão da cabine: um pouco de repousono.

Mas o desconforto e o cansaço ansiosos, que haviam se acumulado durante o tempo de espera fora da siderúrgica, voltavam, em menor grau é verdade, após as primeiras dezenas de quilômetros de subidas, descidas e curvas; ele sobressaltava-se, principalmente, com as curvas que pareciam puxar o caminhão agora pesado para fora da estrada, para os despenhadeiros que ladeavam a rodovia nas proximidades de Ouro Preto e Itabirito.

Tudo tornava-se, então, um misto de cansaço, medo e felicidade: a cadência gostosa e com um quê de poderosa do 1113 ocupando a estrada, o ronco acolhedor do motor que também aquecia o chão da cabine, a pergunta “pai, onde vamos jantar?”, formulada após algumas dúvidas sobre dormir ou não dormir, afinal dormir depois de um “vamo ver se a gente agüenta até o Água Limpa” (que ainda estava longe), adivinhando na noite as passagens velozes dos outros caminhões, ora vindo em sentido contrário, ora sendo arduamente ultrapassados pelo 1113, ora corajosamente ultrapassando o caminhão deles, roncando, bufando.

Sua consciência ingênua e sonhadora via algo como um gesto de solidariedade nesses encontros ruidosos sob o negrume frio, sua consciência frágil e perplexa via neles gestos de abandono e mútua indiferença; encontros e desencontros nebulosos, necessários."
(Roberto Soares, em "Dala", cap. 3) 

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