No épico e poético, mágico e transcendente "Grande Sertão: veredas", do mineiro João Guimarães Rosa, há a cena em que o protagonista Riobaldo se encontra pela primeira vez, frente a frente, com o lendário mundo dos jagunços do norte dos Gerais, mundo do qual ele até então somente conhecia de histórias e narrativas.
Pela admiração e pelo entusiasmo respeitosos, com os quais ele vive o momento, ele talvez já percebesse como aquele encontro e aquele mundo iriam guiar o seu destino, alimentar a sua existência. É como se ele já soubesse que, lá na frente, haveria um novo encontro entre eles.
A sua lembrança desse primeiro encontro é, então, pautada pela alegria em relembrar e, ao mesmo tempo, por uma certa mágoa, por já não poder sentir mais aquele mesmo entusiasmo revelador e ingênuo, depois de ter vivido toda uma atribulada exitência no meio dos jagunços - inclusive tendo vindo a se tornar chefe de seu bando.
Uma jornada que ele nunca vivenciou completamente sereno, mas sempre atribulado por questões de ordem moral, existencial e metafísica, principalmente na sua recorrente preocupação com a existência do demônio e do mal, no meio do mundo ou dentro das pessoas. E também sempre atribulado pelas dúvidas de seu amor singular, desamparado e proibido por Diadorim, que todos achavam que era um rapaz, e que somente ao final, depois de morta em combate, fica-se sabendo que era uma jovem.
Ainda a registrar, nesse primeiro encontro, a celebração discreta mas amorosa que Riobaldo faz da presença dos cavalos, a carregar equipagens e cavaleiros. No "Grande Sertão..." há uma outra cena com cavalos, cena forte mas triste, de cavalos em meio ao constantes tiroteios dos bandos. Fica para uma outra ocasião. Por ora, um poema também sobre cavalos, publicado aqui. Abaixo, um pouco da magia e da epopéia genialmente forjada pelo escritor e aventureiro dos Gerais.
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"Em que, eles dois a cavalo, eu a pé, viemos até onde estavam esperando os outros, dois passos, no baixo da estrada.(...) "
Pela admiração e pelo entusiasmo respeitosos, com os quais ele vive o momento, ele talvez já percebesse como aquele encontro e aquele mundo iriam guiar o seu destino, alimentar a sua existência. É como se ele já soubesse que, lá na frente, haveria um novo encontro entre eles.
A sua lembrança desse primeiro encontro é, então, pautada pela alegria em relembrar e, ao mesmo tempo, por uma certa mágoa, por já não poder sentir mais aquele mesmo entusiasmo revelador e ingênuo, depois de ter vivido toda uma atribulada exitência no meio dos jagunços - inclusive tendo vindo a se tornar chefe de seu bando.
Uma jornada que ele nunca vivenciou completamente sereno, mas sempre atribulado por questões de ordem moral, existencial e metafísica, principalmente na sua recorrente preocupação com a existência do demônio e do mal, no meio do mundo ou dentro das pessoas. E também sempre atribulado pelas dúvidas de seu amor singular, desamparado e proibido por Diadorim, que todos achavam que era um rapaz, e que somente ao final, depois de morta em combate, fica-se sabendo que era uma jovem.
Ainda a registrar, nesse primeiro encontro, a celebração discreta mas amorosa que Riobaldo faz da presença dos cavalos, a carregar equipagens e cavaleiros. No "Grande Sertão..." há uma outra cena com cavalos, cena forte mas triste, de cavalos em meio ao constantes tiroteios dos bandos. Fica para uma outra ocasião. Por ora, um poema também sobre cavalos, publicado aqui. Abaixo, um pouco da magia e da epopéia genialmente forjada pelo escritor e aventureiro dos Gerais.
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"Em que, eles dois a cavalo, eu a pé, viemos até onde estavam esperando os outros, dois passos, no baixo da estrada.(...) "
"(...) De repente, de certa distância, enchia espaço aquela massa forte, antes de poder ver eu já pressentia. Um estado de cavalos. Os cavaleiros. Nenhum não tinha desapeado. E deviam de ser perto duns cem. Respirei: a gente sorvia o bafejo - o cheiro de crinas e rabos sacudidos, o pelo deles, de suor velho, semeado das poeiras do sertão. Adonde o movimento esbarrado que se sussurra duma tropa assim - feito de uma porção de barulhinhos pequenos, que nem o dum grande rio, do a-flôr. A bem dizer, aquela gente estava toda calada, Mas uma sela range de seu, tine um arreaz, estribo, e estribeira, ou coscós, quando o animal lambe o freio e mastiga. Couro raspa em couro, os cavalos dão de orelha ou batem com o pé. Daqui, dali, um sopro, um meio-arquêjo. E um cavaleiro ou outro tocava manso sua montada, avançando naquele bolo, mudando de lugar, bridava. Eu nãos entia os homens, sabia só dos cavalos. Mas os cavalos mantidos, montados. É diferente. Grandeúdo. E, aos poucos, divulgava os vultos muitos, feito árvores crescidas lado a lado. e os chapéus rebuçados, as pontas dos rifles subindo das costas. Porque eles não falavam - e restavam esperando assim - a gente tinha medo. Ali deviam de estar alguns dos homens mais terríveis sertanejos, em cima dos cavalos teúdos, parados contrapassantes. Soubesse sonhasse eu? (...)"
"(...) A gente se encostava no frio, escutava o orvalho, o mato cheio de cheiroso, estalinho de estrelas, o deduzir dos grilos e a cavalhada a peso. Dava o raiar, entreluz da aurora, quando o céu branquece. Ao o ar indo ficando cinzento, o formar daqueles cavaleiros, escorrido, se divisava. E o senhor me desculpe, de estar retrasando em tantas minudências. Mas até hoje eu represento em meus olhos aquela hora, tudo tão bom; e, o que é, é saudade."
Guimarães Rosa,"Grande sertão: veredas", Ed. Nova Fronteira, 2011, pag. 117-118.
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