25/06/2009

um presente : bloom, o filme

Quanto ao filme de Sean Walsh, 'Bloom', há a predominância de uma atmosfera subjetivista, mesclada com uma certa melancolia; e aí perde-se bastante da vivacidade, da inquietude e da sensualidade que, no livro, brota não apenas das pessoas mas das próprias coisas - do mar, do céu, das casas, das ruas, principalmente das ruas. Mas é como se o diretor tivesse se visto no dilema de escolher entre essa vivacidade das ruas, expressa nos diálogos e nas descrições, e a delicadeza das pessoas e das coisas, expressa principalmente nos monólogos.
Enfim, se já é extremamente difícil transpor o universo de qualquer obra literária para a linguagem do cinema, com competência e sensibilidade, seria pedir demais que Sean Walsh desse conta das inúmeras facetas do ‘Ulisses’. Na verdade, o simples fato do diretor ter encarado o desafio já o tornaria merecedor do respeito de escritores e leitores de Joyce.
Mas ele merece mais, também os nossos aplausos, pois cumpriu o desafio com a devida competência, sensibilidade - e com a mais completa ausência de ‘invenções’ presunçosas e cansativas, como muitas vezes acontece nessas tentativas de diálogo literatura/cinema.
Destaque para a cena final, a do famoso monólogo de Molly: houve uma total fusão entre as imagens, luzes e sons da cena filme com o fluxo de consciência da personagem magistralmente descrito no livro (do qual publicamos também um trecho em ‘a odisséia de Joyce’); Sean Walsh soube captar toda a rica mistura de erotismo, desejo, nostalgia, ironia, dúvidas e interrogações que estão na fala da esposa de Bloom, que acorda no meio da noite ao ter o sono interrompido pela chegada de Bloom em casa, após o seu demorado cortejo de mais um dia pelas ruas de Dublin e da existência.
Vale também registrar que os atores que interpretam Bloom e Molly foram muito bem escolhidos, interpretação equilibrada, fluida, mas vivaz e rica em nuances quando assim exigido; além da competência como atriz, com certeza a aparência física da atriz Angeline Ball colabora para que ela transmita ao espectador/leitor aquela mistura de luxúria e simplicidade, aquela sensualidade inocente, livre do peso do ‘pecado’, característica da esposa de Bloom. Leve ressalva talvez para o ator que representa Stephen Dedalus, não propriamente com relação à sua atuação, mas pela escolha do ator: muito jovem, mais para estudante ou adolescente do que para jovem escritor em difícil e impetuoso processo de buscas e descobertas. Talvez o personagem Dedalus devesse ter ‘aparecido’ mais no filme.
De qualquer forma, para quem gosta de Joyce, o filme é um delicado e vivo presente. Se os nossos desejos pudessem se tornar realidade, bem que Walsh poderia fazer um ou mais filmes sobre a mesma obra, abordando outras cenas, experimentando outras atmosferas, enfatizando um pouco mais Stephen ou Molly, ou outro personagem - de preferência com os mesmos atores, principalmente a que representa Molly. Afinal, se há na cultura do Ocidente obras que mereçam continuações e releituras o ‘Ulisses’ com certeza é uma delas. E com certeza Sean Walsh saberia nos dar outro presente.
Nota: Stephen Dedalus, Molly Bloom e Leopold Bloom, interpretados, respectivamente, por Hugh O'Conor, Angeline Ball e Stephen Rea. Leia ainda: as odisséias de joyce
Roberto Soares Coelho

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