17/02/2009

dois manifestos libertários

Os textos abaixo são fragmentos de manifestações de coletivos anarquistas e libertários expondo os motivos de sua recusa em participar do FSM, já em 2001. São um complemento da matéria os ingovernáveis, publicada este mês aqui no DESVELAR, e a íntegra dos textos está em http://www.geocities.com/comunistasdeconselhos/fsm.htm.

FSM 2001
Não iremos ao Forum "Social" Mundial! E não estamos sós!

Companheir@s
Nós não iremos ao autoproclamado Fórum Social Mundial. Em nosso coletivo, há um "consenso" de que tal Forum é a tentativa dos setores da esquerda tradicional, a velha esquerda estatista e burocrática, de apropriar-se da luta contra a "globalização" capitalista numa perspectiva nacional - desenvolvmentista. É a esquerda que quer o capitalismo "humanizado"; que quer "socializar" a mercadoria; que quer governar o Estado. Não é à toa que se realizará em Porto Alegre, escolhida, aliás, como capital permanente do evento: é o laboratório dos governos da esquerda oficial em nosso país, com o PT à frente.

O Forum é uma articulação que vai desde a Conferência dos Bispos Católicos (CNBB), passando pela degradada CUT, os partidos da esquerda institucional, o MST, até organizações empresariais.

A estrutura do Forum é hierárquica, verticalizada, como sói de ser esses eventos da esquerda burocrática. Palestrantes/conferencistas, de um lado, e, de outro, público espectador. Não tem nada a ver com as nossas experiências horizontais, democráticas, autônomas, organizadas desde baixo, como no N30, M1, S26 e assim por diante. Aliás, é preciso que se diga: nenhum dos grupos que estão organizando o FSM participou de nenhum dos dias de ação global contra o capitalismo!!!! Eles não se sentiriam bem: o que eles sabem fazer são os velhos congressos de "representantes" que não representam ninguém, manifestações que mais parecem "showmícios", campanhas eleitorais mais estetizadas do que as dos partidos tradicionais da burguesia...

O que eles querem com esse Fórum?

1. Apropriar-se de uma luta da qual não participam: os dias de ação global conta o capitalismo;

2. Absorver a crítica anticapitalista numa elaboração de um projeto de administração capitalista, cujo centro a ilusão de uma política de "desenvolvimento nacional";

3. Catapultar-se eleitoralmente como alternativa de governo.

Nós não vamos ao Forum Social Mundial. Nem nós, nem a grande maioria (se não a totalidade) dos grupos que vêm participando das lutas em nosso país contra a farsa dos 500 anos, das ações globais, que rejeitaram a burocratização e a partidarização do II Encontro Americano pela Humanidade e contra o Neoliberalismo...
Coletivo Contra-a-corrente, 6 de Dezembro de 2000

FSM 2002 - A re-edição do espaço concedido das cúpulas, da recaptura e do falso diálogo

Mais uma vez, milhares de todos os continentes acorrerão ao FSM: governos de esquerda, entidades clericais, ONGs, intelectuais, catedráticos, estudantes, grupelhos ideológicos detentores de toda verdade ou de humildes meias-verdades, políticos profissionais, sindicalistas, ou seja, representantes e especialistas de toda espécie; igualmente, gente desavisada e curiosa, muitos turistas e até mesmo indivíduos e coletivos revolucionários, organizados ou desorganizados, alguns honestos e de boas intenções. De fato, o arco-íris perde feio para a infinidade de cores que vai se estabelecer em Porto Alegre, em fins de janeiro e início de fevereiro de 2002. Perde feio exatamente ali onde a diversidade de cores do arco-íris é uma diversidade real, ao passo que o falso arco-íris do FSM é o inútil arremedo da diversidade que o mercado e os estados conseguem produzir quando para isso se esforçam.
Mas até já podemos antever os resultados desse espetáculo: a promessa de lutar contra e em prol de muitas coisas. Lutar contra o domínio do capital especulativo sobre o produtivo, contra o modelo econômico excludente (mas nunca contra o próprio capital e seus estados); reivindicar por mais verbas sociais, pela taxação do capital especulativo, pela participação popular, cooperação e autogestão local, enfim, por medidas concretas de incremento da cidadania plena, num esforço em desenvolver o protagonismo da sociedade civil, ampliar e democratizar ainda mais os programas e as finalidades das instituições globais de crédito financeiro para projetos sociais, esforços há muito sugeridos pelos setores hoje hegemônicos do capital transnacional, através do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e outros instrumentos. Os protagonistas do FSM lutarão por muitas coisas, desde que pelo bem do estado democrático de direito e por um bom desenvolvimento capitalista com distribuição de renda e justiça social - como se isso fosse possível sob o domínio mundializado do mercado e do sistema de estados - sempre sem pôr em xeque o próprio desenvolvimento capitalista.
Num jogo de cartas marcadas, o único protagonista real é quem as dá; @s demais jogador@s são apenas coadjuvantes que, conscientes ou ludibriad@s, colorem e ajudam a corroborar a farsa. É desse modo que o FSM se constitui como um espaço das cúpulas, dos dirigentes e chefes da sociedade civil burguesa, para os quais a condição de assalariad@ é o objetivo essencial a ser atingido, desde que com bom salário e capacidade de consumo. Eis a garantia básica de que haverá sempre eleitores e bases políticas, sindicais, etc para garantir a fortaleza e a legitimidade das instituições democráticas e da representação e o poder que necessariamente elas comportam. O FSM é um paraíso dos especialistas de esquerda, um exemplar exercício das separações entre os que pensam e os que fazem, os que falam e os que assistem e/ou ouvem, os que decidem e os que executam. A passividade que concede fôlego ao sistema é fortalecida no FSM através de suas palestras e pequenos arranjos cosméticos, como as oficinas e os acampamentos que tentam seduzir a juventude e muit@s anticapitalistas. Estes acabam, no final das contas, envolvid@s como massa manobrada ou, no máximo, como vanguarda crítica, pois têm seus discursos e iniciativas autônomas engolidas por uma supremacia oficial que só poderia ser neutralizada e destruída através de espaços que lhes fossem antagônicos desde a raiz e em tudo.
Um espetáculo como o FSM é um momento central do sistema, pois tem o objetivo de forjar um pacto social democrático que ponha rédeas no movimento contestatório mundial, sob as mãos dos fiéis ideólogos e representantes da esquerda do capital. Como alternativa de administração do sistema mercantil-estatal, com relativa influência nos meios sociais de resistência cotidiana, a esquerda do capital procura, desesperada, recuperar para a ordem as lutas e organizações autônomas d@s de baixo para enquadrá-las nesse pacto. Desde Seattle e, principalmente, após as insurreições do Equador, da Bolívia; desde Gênova, e mais recentemente na insurgência d@s proletarizad@s que vivem sob e contra o Estado argentino, a esquerda do capital busca desesperadamente implementar esse projeto de despotencialização e captura da autonomia. Eis a verdadeira intenção do FSM: colocar a rebeldia sob o domínio institucional, intenção esta que ultimamente tem tomado mais fôlego devido ao clima de "guerra e anti-terrorismo", fato que exigiria mais moderação, cautela e sapiência dos "movimentos antiglobalização", segundo os hipócritas ideólogos de plantão.
Não pode haver no FSM lugar para a horizontalidade das relações diretas. Antes, o FSM credencia-se como espaço de cúpula dos agentes do capital corruptores das resistências parciais cotidianas. Enquanto os agentes hegemônicos do FSM estimulam na vida cotidiana as hierarquias próprias do mundo da mercadoria, as resistências autênticas e as lutas sociais perdem cada vez mais a capacidade de se desenvolver como iniciativas autônomas, diretas e solidárias, como uma negação prática do capital capaz de se contrapor aos ataques diretos ou sinuosos que este realiza com a finalidade de impedir uma ação coletiva anti-mercado e anti-Estado.
Da mesma forma que o esforço das demais forças da ordem democrática do capital, o FSM estabelece, através do falso diálogo, sutilmente, a conservação das hierarquias. O falso diálogo se dá antes e além do próprio estabelecimento do FSM, já que a existência de um espetáculo como o Fórum só é possível a partir do espetáculo cotidianamente vivido por muitas organizações e lutas de resistência; basta observarmos como os valores e métodos da ordem estato-mercantil, como a tutela pelas lideranças, o ativismo, o autoritarismo, o verticalismo organizativo, o machismo, a homofobia etc. estão arraigadas em várias destas experiências de "resistência". Não podemos falar de relações diretas, de horizontalidade e de diálogo prático em espaços que não estejam fundados na socialização direta de experiências efetivas de luta contra o capital.
Além dos seus promotores, também irão ao Fórum os autoproclamados revolucionários de várias gradações vanguardistas, dos leninistas e guevaristas aos troskos e maoístas; ali, irão para espernear, denunciar e demarcar, buscando obter ganhos à sua posição, depois de terem devidamente esclarecido, com a ajuda da ideologia revolucionária de suas bíblias, os "iludidos", mas "honestos" e "combativos" transeuntes do FSM. Entretanto, o Fórum precisa ser criticado não essencialmente devido ao reformismo da esquerda brasileira, de ATTAC & Cia., suas hegemonias, suas políticas e seus programas burgueses, mas sobretudo porque, independentemente de quem o coordene ou o conduza, o FSM é um espaço baseado na sociabilidade burguesa, com suas representações, separações e passividade, fundado no falso diálogo e na falsa diversidade e na tolerância próprias do mundo burguês democrático.
Como parte do espetáculo, os grupelhos autoritários candidatos à vanguarda radicalizada são desde sempre também parte do espírito democrático do Fórum e não por acaso tão estatistas quanto os seus promotores, embora em defesa de um suposto "estado revolucionário". Todos fazem parte do espetáculo porque afinal é necessário ao espírito burguês que haja no Fórum, como no parlamento ou nas entidades sindicais, as oposições, as vozes "radicais" dissonantes participando dos momentos "horizontais" - e, de preferência, juvenis - do evento. Afinal, "outro mundo é possível" e tanto mais será "outro" quanto mais colorido for o espetáculo do espaço consentido de Porto Alegre. Que o mesmo - o capital e o estado - seja aquilo que se afirma por baixo desse falsamente outro, é coisa já dita e sabida... (...)
Esta nota é um esforço inicial de contraposição ao FSM, esforço ao qual chamamos que tant@s outr@s compas possam somar-se, assinando e multiplicando a sua divulgação massiva, antes, durante e após o FSM.
Um abraço forte!

Janeiro de 2002, sob os sons e as cores da insurreição d@s proletarizad@s contra o estado argentino.

Coletivo Acrático Proposta (Belo Horizonte), Proletarizad@s contra a corrente (Fortaleza), alguns anticapitalistas do Rio Grande Sul e do Ceará, Moésio Rebouças (São Paulo), Anselmo Malaquias, Tomás Bueno (Pirenópolis) vivendo sob e contra o estado brasileiro.

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