11/02/2009

A ex-República das Bananas não se curva mais para as Romas do mundo

Em breve haverá o desfecho do julgamento do caso Cesare Battisti, pelo STF
Esse é outro assunto que tem ocupado bastante os meios de comunicação: a decisão do Governo Lula em dar refúgio político a Cesare Battisti, militante da esquerda radical dos anos 70 na Itália, acusado de ter cometido quatro assassinatos. A questão que preocupa os juristas é a de saber se o Poder Executivo, através do Ministro de Justiça, estaria constitucionalmente autorizado a conceder refúgio político no caso de o STF decidir legalmente pela extradição, no julgamento que deverá terminar em breve.
Já a mídia tem abordado mais a questão política e moral, ou seja, tem o governo brasileiro o direito de dar refúgio a um suposto assassino, a um homem já condenado por assassinato pelas leis de seu país? Faz-se referência aos sentimentos dos familiares da vítimas mortas, jornalistas e cientistas políticos lembram a falta de diplomacia ou de consideração para com os italianos, censura-se o nosso governo por ignorar decisões judiciais de outro país. Já os defensores do governo brasileiro apontam vícios no julgamento de Battisti, cerceamento de defesa e uma suposta perseguição política, promovida pelo governo direitista de Silvio Berlusconi.
Sem entrar em tais polêmicas, e independente do desfecho que a questão terá , o que se deve registrar é a inquestionável coragem do governo brasileiro em tomar uma decisão que considerou como correta e necessária, no aspecto político, moral e humanitário. Deve-se registrar a sua dignidade em não aceitar pressões e ameaças de um governo do chamado “primeiro mundo’, mantendo com lucidez e serenidade a posição tomada.
Tudo bem que os mais à direita não aceitem ver gente do povo aprendendo - com todos os erros e acertos a quem tem direito - a administrar um país tão complexo e promissor como o Brasil, e que os mais à esquerda apontem as claras limitações de um governo que poderia avançar mais na mobilização popular e no enfrentamento com as forças do atraso; mas uma coisa não podemos negar: nessa questão de Battisti, e respeitando a dor de terceiros, lava a nossa alma constatar que tanto quanto qualquer outro país do chamado “primeiro mundo”, um país de “terceiro mundo’ também pode ter soberania e autonomia. Basta que ele seja dirigido com coragem e dignidade. Com certeza, um suposto governo Serra, Aécio ou similares não agiria com a mesma soberania, não se preocuparia em fazer o pais ser realmente respeitado.
O governo Lula dessa vez se redimiu de algumas de suas concessões e hesitações, aproximando-se um pouco mais de outros governos da América Latina, que fazem valer a voz de sua soberania e da autonomia de seus povos perante a arrogância de muitos governos e dirigentes europeus e norte-americanos, que ainda imaginam que os povos de África, Ásia e America Latina ficarão eternamente submissos às suas diretrizes, pressões e padrões sociais e culturais.

(http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4080) de Flávio Aguiar, colunista de Carta Maior, enfatiza um pouco mais esse aspecto das recorrentes tentativas de desqualificação do governo brasileiro por parte da imprensa, dessa vez a mídia agindo como se a atitude do Ministro Tarso Genro fosse algo inconsequente ou impensado, fosse um mero capricho de quem detém o poder ou fosse uma decisão baseada numa suposta amizade com o acusado Csare Battisti. A seguir, um trecho: “(...) O que se pode dizer depois de todo esse percurso é que pairam consistentes dúvidas sobre a lisura de tudo. E que num caso desses, o que se pode pregar, do ponto de vista da justiça, é o princípio do “in dubio pro reo”. Mas na imprensa conservadora vale o princípio segundo o qual “in dubio” ou “in certeza”, pau no governo Lula. Nessa ótica, até certo ponto, Battisti é irrelevante. O que importa é desqualificar o ministro (...)

Ainda sobre o caso Battisti, DESVELAR transcreve abaixo um texto bastante esclarecedor, com relação ao aspecto jurídico e político do processo, de autoria de Renato Simões.


BATTISTI E A UNIÃO DAS DIREITAS ÍTALO-BRASILEIRAS

Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal se reunirá para decidir sobre o futuro de Cesare Battisti, cidadão italiano acusado de crimes políticos da luta armada dos chamados "anos de chumbo" em seu país, a quem o governo brasileiro concedeu, em decisão soberana, o status de refugiado político. Com a decisão adotada pelo Ministro Tarso Genro, o caminho do pedido de extradição de Cesare Battisti, preso desde 2007 em Brasília, deverá ter o caminho do arquivo. Deverá? Eis a questão que hoje movimenta animadas figuras expressivas do pensamento de direita dos dois países diretamente envolvidos – Itália e Brasil – e de toda a aldeia global.

A decisão do Supremo será tomada num contexto de franca ofensiva de comunicação dos reacionários dos dois países. A jurisprudência é clara, fixada em decisões anteriores do STF similares ao caso de Battisti, inclusive os que envolvem fugitivos da Justiça Italiana procurados ou condenados por ações armadas nos anos 70, quando a Corte brasileira negou os pedidos de extradição com fundamentos praticamente idênticos aos adotados pelo Ministro Genro em sua decisão atualmente tão contestada. Ela própria considerou constitucional dispositivos previstos na Lei 9.474/97, a mesma base utilizada para o parecer do Procurador Geral de Justiça em defesa do arquivamento do pedido de extradição movido pelo governo italiano contra Battisti, após a decisão soberana do governo brasileiro lhe concedendo o refúgio.

O que cria o suspense sobre a manifestação do Supremo é o contexto de luta política que se seguiu, tanto no plano interno quanto no internacional, contra a decisão de Tarso Genro, amparada em unânime e bem articulada grita dos meios de comunicação de massa dos dois países.
Sucessivos governos italianos assimilaram com aparente tranquilidade o asilo informal concedido a Battisti e outros participantes da luta armada na Itália pelo presidente François Mitterrand. Por mais de uma década, eles viveram em paz na França, ali constituíram família e desenvolveram atividades profissionais, sob a condição imposta pelo governo socialista que os acolhia de renúncia formal à luta armada. Battisti assinou tal declaração, casou-se, teve duas filhas, escreveu livros e construiu sua vida na França até que os ventos conservadores que varrem o Velho Continente levaram ao poder a direita francesa e Jacques Chirac lhes cassou o status conferido por Mitterrand. O mesmo não sucedeu desta feita.

Alguns "crimes" cometidos na decisão do Ministro da Justiça no caso Battisti açodaram a direita italiana em sua reação furiosa. Um deles foi a menção à violação aos direitos humanos pelo Estado Italiano, extrapolando as próprias leis de exceção editadas no período: "é público e incontroverso, igualmente, que os mecanismos de funcionamento da exceção operaram, na Itália, também fora das regras da própria excepcionalidade prevista em lei. Tragicamente, também no Estado requerente, no período dos fatos pertinentes para a consideração da condição de refugiado, ocorreram antes momentos da Historia em que o 'poder oculto' aparece nas sombras e nos porões, e então supera e excede a própria exceção legal. Nessas situações, é possível verificar flagrantes ilegitimidades em casos concretos, pois a emergência de um poder escondido 'é tanto mais potente quanto menos se deixa ver'. Isso é professado em nome da preservação do Estado contra os insurgentes, que não é menos ilegítima do que as ações sanguinárias dos insurgentes contra a ordem", afirma Genro em sua decisão (parágrafos 17 e 18).

Berlusconi e a direita italiana não gostaram de ver apenas o seu passado remexido. Ao analisar o pedido de Battisti, e fundamentar sua decisão igualmente na sua condição de perseguido e nos riscos à sua vida e integridade pessoal decorrentes da extradição solicitada pela Itália, o Ministro Genro também aponta elementos de continuidade entre a situação de exceção vivida nos anos 70 e a ofensiva da nova velha direita italiana de retomar os processos contra os militantes da luta armada daquele período. "Concluo entendendo, também, que o contexto em que ocorreram os delitos de homicídio imputados ao recorrente, as condições nas quais se desenrolaram os seus processos, a sua potencial impossibilidade de ampla defesa face à radicalização da situação política na Itália, no mínimo geram uma profunda dúvida sobre se o recorrente teve direito ao devido processo legal. Por consequência, há dúvida razoável sobre os fatos que, segundo o recorrente, fundamentam seu temor de perseguição", encerra Genro sua decisão (parágrafos 43 e 44).

Assim, o presidente espetaculoso da Itália, montado em sua coligação que integra todas as tonalidades do pensamento mais direitista de seu país, incluindo-se aí os neofascistas e racistas da Liga do Norte, e ainda respaldado pelos meios de comunicação de que é proprietário privado e dos meios de comunicação estatais sob seu comando, transformou o caso Battisti num elemento de "união nacional" e de legitimação do Estado Democrático de Direito italiano pretensamente atingido pela decisão do governo brasileiro.

A direita tupiniquim alvoroçada encontrou um mote para fustigar o governo Lula, no contexto de uma crise internacional que elevou ainda mais a popularidade do Presidente e do próprio governo a patamares recordes de mais de 80%. Alinharam-se assim os principais editorialistas dos jornais escritos e as redes de televisão no ataque à soberania brasileira, reproduzindo os argumentos fascistas de autoridades italianas que nos remetem à condição de República de Bananas a desafiar o berço do Direito e da Civilização Cristã Ocidental.

Nesta cruzada, direitas ítalo-brasileiras se juntaram, pressões diplomáticas injustificáveis foram adotadas na Itália e justificadas no Brasil, expressões preconceituosas e discriminatórias ofensivas contra o povo brasileiro foram veiculadas por meios impressos, rádio, TV e internet por uma direita sem bandeiras e sem outras perspectivas para o Brasil que não seja a submissão covarde aos ditames dos governos dos países que compõem o G-8, mesmo que econômica e politicamente decadentes, como é o caso da corte bufa de Berlusconi.
Vejamos como o STF resolverá o 'imbroglio'. Se manterá suas decisões anteriores, baseadas no direito e na Constituição brasileiras, ou se fará média com a mídia e os setores conservadores transnacionais em campanha para fazer de Battisti um instrumento da afirmação de sua prepotência e autoritarismo.

Renato Simões é conselheiro nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)

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