O espaço na Praça Catalunha, que até semana passada ainda se encontrava preenchido por tendas, barracas e cartazes de pessoas indignadas com as atuais políticas socioeconômicas de governos europeus, voltou a ser uma área comum, dessas onde a ideia de coletividade presente em sua designação não expressa a realidade. De novo, instaura-se a “paz” neste local público, que volta a ser mais freqüentado por solitários anônimos e viajantes deslumbrados, que por grupos realmente interessados em experimentar formas de convivência.
Fabíola Munhoz, direto de Barcelona - especial para Carta Maior
Quem passa pela Praça Catalunha hoje, quando já se completa a passagem de quase dois meses, desde que o movimento 15-M veio à tona, sente a ausência de algo nesse ponto turístico de Barcelona.
O espaço, que até semana passada ainda se encontrava preenchido por tendas, barracas e cartazes de pessoas indignadas com as atuais políticas socioeconômicas de governos europeus, voltou a ser uma área comum, dessas onde a ideia de coletividade presente em sua designação não expressa a realidade.
A praça, de novo, é mantida limpa e organizada pela Prefeitura para que possa ser apreciada pelos inúmeros turistas que a cidade recebe o ano todo e cuja presença se torna ainda mais perceptível agora com o início do verão.
De novo, instaura-se a “paz” neste local público, que volta a ser mais freqüentado por solitários anônimos e viajantes deslumbrados, que por grupos realmente interessados em experimentar formas de convivência. “Can you take a picture please?”, tive o pensamento interrompido por um casal de estrangeiros, que desejava ser fotografado frente à famosa fonte da praça.
Fiz a imagem, sem me preocupar com o melhor enquadramento, como se o cenário, já tantas vezes fotografado por mim durante a presença da acampada do 15-M, houvesse se convertido em algo banal, tão digno de destaque quanto um poste de iluminação pública. Também sem importância me pareciam os canteiros ao redor da fonte, que tiveram arrancadas as espécies vegetais da horta, até então plantada ali pelos manifestantes, como forma de atrair a opinião pública para o tema da agricultura urbana.
Se antes a população reunida na área discutia assuntos de relevância política, econômica e social como esse, agora não se sabe sobre o que falam esses cidadãos. Talvez comentem os últimos resultados das suas competições de esporte favoritas, o filme que viram no final de semana, ou apenas joguem conversa fora.
E muita palavra é mesmo lançada ao lixo, sem preocupação com o seu significado. Assim como a lógica neoliberal vigente em todo o mundo atualmente conseguiu esvaziar de sentido a democracia, a Guarda Urbana de Barcelona “limpou” a Praça Catalunha no último dia 29, sem encontrar significativa resistência, já que se tratava de cerca de 600 policiais contra não mais de 100 manifestantes, ainda dispostos a permanecer acampados.
A observação de que as coisas já vinham se tornando mais mornas naquele ponto de articulação do movimento, pode estar relacionada com o fato de muitos dos participantes mais ativos do 15-M haverem partido de Barcelona rumo à Madrid, por ocasião da Marcha Popular Indignada, iniciada no dia 25 de junho.
De fato, o acampamento na praça só vinha perdendo força aos olhos da população de Barcelona desde o início dessa jornada, que mobilizou grande infraestrutura e contingente de pessoas com o objetivo de realizar assembléias e recolher reivindicações populares em 29 diferentes lugares da Espanha, entre povoados e cidades.
Quando, no início da semana passada, tentei participar das discussões noturnas, ainda realizadas na Praça Catalunha, deparei-me com punks, hippies, anarquistas e ébrios alucinados, que perdiam mais tempo discordando uns dos outros em detalhes supérfluos do que realmente dialogando e construindo ideias coletivas sobre temas de interesse do movimento.
Inclusive, deixava-se de debater o fato de que algumas pessoas auto-intituladas “representantes de comissões da acampada”, tinham apresentado um comunicado à prefeitura de Barcelona, comprometendo-se a desalojar a praça até o último dia 29, com o pedido de que a administração da cidade cedesse uma estrutura para conversão de parte da praça em ágora, onde pudesse se manter a realização de assembléias e rodas de conversa.
Esse suposto acordo não só soava entranho diante de sua incompatibilidade com o lema do 15-M de que os atuais políticos “não os representam”, como também não havia sido legitimado pelo conjunto de manifestantes em assembleia geral. Isso foi demonstrado quando, no fatídico dia 29, policiais tentaram desfazer o acampamento, instalando na praça estruturas de compensado só suficientes para abarcar poucas dezenas de pessoas.
Na manhã dessa data, os que ainda se encontravam acampados, fizeram um grande cordão humano para impedir a passagem da Guarda Urbana e reafirmar que qualquer acordo feito com o governo municipal não representava um consenso produzido de maneira democrática pelos integrantes do 15-M de Barcelona.
Um comunicado publicado pela Comissão de Comunicação da Acampada Barcelona, no dia 04 de julho, por meio do blog do movimento, afirma que “essas pessoas, que iniciaram negociações unilaterais não os representam, como tampouco os representam os políticos com os quais pretendem negociar”.
O documento diz também que a ágora deve ser um lugar que sirva a todos os cidadãos e cidadãs do país, como ponto de informação e encontro permanente para fazer frente às injustiças políticas sociais e econômicas. Como tal, a decisão de iniciar conversas com instituições ou políticos, de acordo com o 15-M, deveria ser feita de forma democrática, ou seja, com suporte da Assembleia e das comissões da Acampada que se encontram fora da praça Catalunha.
E, tanto continua a expectativa do movimento com relação à continuidade da tomada de decisões por meio de assembleias e discussões descentralizadas, que foi realizado no dia 26 de junho, na Praça Catalunha, um encontro de todas as assembléias de bairro que hoje estão conectadas com o 15-M em Barcelona. Na ocasião, foram apresentadas por representantes de diversas regiões da cidade propostas de organização futura do movimento, bem como ações específicas e gerais.
O próximo encontro de bairros, vilas e povoados participantes do 15-M acontece no dia 10 de julho, domingo, no Parc de la Ciutadella de Barcelona. Para o dia anterior, foi convocada nova manifestação contra o corte de direitos sociais, ainda em discussão pelo Parlamento Catalão, que partirá de frente da luxuosa casa Batlló, um dos projetos mais visitados de Gaudi, rumo ao bairro de Sants.
Essa programação coletiva, assim como o desenvolvimento da Marcha Popular, revelam que o 15-M não termina com a Acampada da Praça Catalunha, embora com o desalojamento, em princípio, tenha-se perdido um ponto físico de centralização e articulação do movimento.
As informações continuam a ser compartilhadas virtualmente e as notícias dos jornais espanhois de hoje, anunciando a qualificação da dívida financeira de Portugal com o nível de bônus “lixo”, que coloca o país no topo do risco em investimentos, aumenta a possibilidade de que os efeitos sociais negativos da crise europeia se acirrem na Espanha.
As bolsas espanholas estão em queda, assim como em outros países da Europa, e persiste a parceria entre os indignados catalães e o povo grego que, apesar da forte repressão policial, continua tomando as ruas para protestar contra as medidas de austeridade econômica sinalizadas pelo governo da Grécia, em troca de resgate para a sua atual situação de falência, por parte do Banco Central Europeu e do FMI.
Tomara que o futuro obscuro que se anuncia continue a ser estímulo para marchas, acampadas, ágoras e assembleias em todo o mundo. Pois, sem a constância de iniciativas como essas, as cidades, uma vez coloridas com a rebeldia popular, voltarão a ser cartões postais cinzentos e resignados.
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