05/02/2009

Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo
praticas laboriosamente os gestos universais
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear

Coração orgulhoso, tens pressa de confesssar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a Ilha de Manhattan.

Carlos Drumond de Andrade (da obra 'Sentimento do mundo', 1940)Na fala acima, há setenta anos atrás, a poesia ja apontava o empobrecimento da vida e das pessoas vivendo num modelo de civilização que já começava a dar sinais de esgotamento. Modelo baseado na conquista e na dominação do mundo, das pessoas e do próprio tempo, civilização baseada na velocidade, na pressa de atingir um horizonte nunca completamente alcançável e cada vez mais distante, e que já trazia como consequência direta para a vida o isolamento, a fragmentação, o desconhecimento e a hostilidade entre pessoas.
Na sua fala, o poeta Drummond aponta a impotência de não se conseguir “dinamitar” os erros e distorções dessa civilização equivocada, mesmo para aqueles que percebiam e sofriam o erro no corpo e na alma. Mas não deixou de ser um poema profético, se lembrarmos aqui que a a ‘Ilha de Manhattan’ foi ‘dinamitada’ duas vezes em menos de dez anos: uma pelo assombroso ataque dos terroristas da Al Qaeda, em 2001, e outra, agora, pelos próprios e privilegiados senhores da Capitalismo, que vem "dinamitando” com competência o seu símbolo maior, a Bolsa de Wall Street, sediada exatamente na Ilha de Manhattan.
Que os escombros desse erro venham logo abaixo, para que não tenhamos que presenciar tantas vezes o horror das dinamites de 2001, e de tantas outras dinamites ao redor do mundo - lembramo-nos das mais recentes, bem à frente de nossos olhos, aquelas do Massacre de Gaza.
Estejamos a postos, para pensar e forjar o novo mundo, o outro mundo possível que poderá brotar desses escombros, dessa fera agonizante que já se vai tarde, muito tarde. Que saibamos responder com coragem e invenção ao melancólico alerta bradado nas Minas Gerais através da fala do poeta Drummond.

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