07/10/2011

do egito à américa, um só grito: ocupar, colapsar, transformar

No texto  a besta agonizante começa a escoicear, publicado em janeiro, eu alertava para o equívoco de se julgar indistintamente o povo americano, nos dias de hoje,  como totalmente conformado, alienado e individualista,  lembrando a sua trajetória de posturas libertárias e de enfrenatamentos, enfim lembrava o erro de se confundir o povo americano com as suas elites e os seus apêndices oriundos de uma certa classe média (esses grupos sociais vivem obcecados na sua constrangedora postura de imitadora sem identidade própria, seja lá na América, seja aqui em terras tupiniquins):   

"(...) Mas por mais que a nação americana esteja longe de um histórico de lutas e de tentativas de revoluções socialistas - ao contrário dos países da Europa e de tantos países do chamado terceiro mundo - isso não significa que as elites consigam manter para sempre o povo americano como uma massa amorfa, consumista, barulhenta, despersonalizada, pretensiosa e desconectada das realidades dos diferentes povos do mundo.
Há, sim, um histórico de lutas populares nos Estados Unidos, principalmente no começo do século XX; há,sim, uma tradição libertária em vastos contingentes do povo americano, que culminou inclusive nas lutas antiguerra da década de 60 e nas jamais esquecidas e inigualadas manifestações da geração da contracultura.

Considerar rigorosamente o povo americano incapaz de ultrapassar sua conjuntura, como incapaz de elaborar uma compreensão própria de sua situação hsitórica e, a partir dessa elaboração, avançar dialeticamente no enfrentamento das estruturas de poder e na transformação de sua realidade, uma tal consideração inflexível serve exatamente aos interesses da elite que mantém o povo americano anestesiado e alienado de seu próprio destino. Considerar dessa forma é exatamente fazer o jogo dos mecanismos de controle e dominação.

É preciso aprender a ver o povo americano como tendo a capacidade e a necessidade de, tal como qualquer outro povo, colaborar na tarefa da libertação dos povos, a partir do momento em que promove a sua própria libertação. É preciso aprender a separar a história em potencial do povo americano do execrável e moribunda do império americano, e passar a contar, amis efeetivamente, com o que há nos EUA de movimentos e organizações populares e sociais, para a planetária tarefa de avançar rumo à superação das sociedades de controle e dominação, de desumanização e espoliação.

Enfim, há sempre a possibilidade de que o povo americano, como tantos outros povos, se levante, abra os seus olhos, tome as rédeas de seu destino nas suas mãos - antecipando assim o advento da bonança e expulsando do seu país e do mundo esse pesadelo que se anuncia.(...)"
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E eis que, então, temos a alegria de presenciar, nas últimas semanas, a confirmação dessa capacidade de o povo americano despertar para a sua realidade histórica, de adquirir  sua consciência de classe distinta das elites e de seus apêndices, dando assim a sua importnate contribuição para a Rebelião do Ocidente e para o Pacto dos Povos. A leitura de alguns trechos de um  Manifesto do movimento Ocupa Wall Street, publicados abaixo, mostra o grau dessa consciência e da disposição do Movimento  para o enfrentamento e a organização da luta popular:
1.Que os protestos continuem ativos nas cidades. Que cresçam, se organizem, se conscientizem. Nas cidades em que não há protestos, que eles sejam organizados e quebrem o sistema.
2.Convocamos os trabalhadores não apenas a entrar em greve, mas a tomar coletivamente os seus locais de trabalho e organizá-los democraticamente. Convocamos professores e alunos a agirem juntos e a lecionar democracia, não apenas os professores aos alunos, mas os alunos aos professores. Ocupem as salas de aula e libertem as cabeças juntos.

3.Convocamos os desempregados a se apresentarem como voluntários, a aprenderem, a ensinarem, a usarem as habilidades que tenham para se sustentarem como parte da comunidade popular que se revolta.

4.Convocamos a organização de assembleias populares em cada cidade, cada praça, cada câmara municipal.

5.Convocamos a ocupação e o uso de prédios abandonados, de terras abandonadas, de todas as propriedades ocupadas e abandonadas pelos especuladores, para o povo e para cada grupo que organize o povo.
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Vale também  comparar as candentes palavras do Ocupa Wall Street com a lucidez organizativa e a disposição para o enfrentamento do povo egípcio, seus  ativistas e das entidades que estão a  conduzir o processo de transformação no Egito, que de forma alguma se esgotou com a expulsão  do ditador Mubarak e sua dissimulada substituição por políticos e militares ligados às elites americanas e européias. Leia abaixo:

Comitês populares expressam nova dinâmica social e política no Egito
Eduardo Febbro - Direto do Cairo e de Alexandria

Entre o Cairo e a Alexandria há a distância da história: espaço e tempo, de 2008, 2010, duas datas que desembocaram na Revolução de 2011, na Praça Tahir e, hoje, no enxame de vida, projetos e princípios que, apesar de todos os esforços da junta militar no poder para desviar os ideais da revolução, ela encarnou em dezenas de comitês revolucionários, novos partidos políticos, grupos laicos, comitês populares e movimentos de jovens que passaram do espaço virtual da internet à ação na rua. Mas a história começou na tela de um computador, em 2008, quando um jovem estudante, Ahmad Maher, decidiu lançar o movimento 6 de abril, através do Facebook, em apoio à greve geral dos trabalhadores do algodão, de Mahal el-Kubra, uma das grandes cidades industriais situadas no delta do Nilo. Êxito imediato num país com 17 milhões de pessoas conectadas à internet (20% da população), que seguiram a consigna de Ahmad Maher: “fazer do Egito um país digno e construir as bases de um governo democrático”.

O carro atravessa a região de Quadi Natroun em direção a Alexandria. Ali se jogou a segunda etapa, em 2010. Khaled Said, um blogueiro de Alexandria, foi assassinado a pancadas em plena rua por dois policiais. Khaled tinha 28 anos e tinha difundido na internet um vídeo onde se via dois policiais repartindo a droga que haviam acabado de apreender. Khaled Said se tornou o símbolo de quem, ainda hoje, move a sociedade em direção à mudança. Khaled Said foi preso numa lan house, morreu na rua mas ressuscitou na rede, de novo no Facebook. Sua página reuniu meio milhão de pessoas e suscitou dezenas de milhares de adesões sob o mesmo emblema: “Somos todos Khaled Said”. Fomos e ainda somos. Sem o Movimento 6 de Abril e sem o assassinato de Khaled Said a Revolução da Praça Tahir não teria ocorrido. Chegamos até aqui com a força de ambos e não pararemos até que o Egito tenha uma democracia limpa, não violenta, respeitosa da lei, incorruptível e livre do jogo capitalista”, diz Omar Hossein, um membro dos comitês populares que criados no país ao mesmo tempo em que estourava a revolta na Praça Tahir. Algo novo, inédito no Egito, quase único no mundo por seu caráter autogestionário.

Os comitês populares “Lagna Shaabeyya” fazem tudo: controlam a polícia, velam pelos valores da revolução, protestam contra a sujeira, limpam as ruas, pressionam os governantes, denunciam a corrupção, organizam os bairros e tomam para si as todas os serviços em que o estado é inoperante. Auto-organização popular pura, sem mediadores.

Imbaba é um subúrbio do Norte do Cairo, a leste do Nilo, sob o governo de Gizé, onde estão as grandes pirâmides de Keops, Kefren e Mikerinos e a Fenix. O governador de Gizé quase queimou as asas. Ihab Ali, o coordenador do Comitê Popular de Imbaba, lançou uma campanha popular para que as autoridades recolhessem o lixo da localidade em que vivem um milhão e meio de pessoas. Os dejetos estavam na rua porque o orçamento para recolher o lixo ficavam nos bolsos dos funcionários. Ihab Ali mostra o resultado da campanha: “em uma semana o governador limpou o lixo. As pessoas perderam o medo, já não temem reclamar os seus direitos, não se sentem só como antes, mas numa dinâmica de coletividade”.

É a ação social direta, de uma eficácia tão acertada como um estudo de mercado. No total hoje há pouco mais de 30 comitês populares no país que funcionam com o mesmo princípio: a autogestão nos bairros, a resolução dos problemas de limpeza pública, da luz, da água potável, da saúde, da educação, do transporte, da segurança. Os comitês repetem uma mensagem sem fim: “temos de conseguir que as pessoas saibam que têm direitos, que podem dispor deles”, disse Ihab Ali. A demonstração de suas palavras está num cartaz de uma campanha recente: “teus direitos não virão até você, toma-los!”.

Os militantes dos comitês são jovens, amiúde oriundos da esquerda radical, que de cara apoiam nas próximas eleições. São eles que, junto ao Movimento 6 de Abril, orquestraram uma pesquisa nacional para denunciar os candidatos do PND, o Partido Nacional Democrático, do presidente deposto Hosni Mubarak. Muitos dos membros desse partido vestiram uma máscara com a intenção de se apresentarem candidatos nas eleições legislativas de novembro, em outras listas partidárias. “Vigiamos com lupa para que o processo democrático não volte a ter os mesmos protagonistas da ditadura”, explica Tarik Khouli, um dos dirigentes do Movimento 6 de Abril.
Junto aos comitês populares e aos partidos tradicionais de esquerda, como o Hizb ala-Tagammo, ou de centro, como o Hizb Al-Adl, surgiram formações da esquerda socialista e da esquerda anarquista e radical. O Partido Social Democrata se criou com a Revolução da Praça Tahir e em maio passado surgiu o Movimento Socialista Libertário, MSL, cuja ambição consiste em atrair os votos da esquerda oficial e agregar a esquerda anticapitalista. Mas a base da ação são os Comitês Populares. Esses órgãos não fazem política, mas se ocupam com as pessoas, percorrem os bares para explicar às pessoas, num tipo de função pedagógica eloquente, para explica-las que sim, elas têm direitos, que viver não é só calar a boca, que a água, a segurança ou a educação são administradas pelo Estado e que é ao Estado que se deve vigiar. O comitê popular do bairro de Hadayeq el Cuba, a leste do Cairo, dedicou várias semanas a explicar aos cidadãos o que era um muçulmano, o que é o liberalismo, a social democracia ou a economia de mercado. Uma pérola de consciência e laço social.

A transição egípcia tem dois andares: o de cima, onde acontecem as negociações e as alianças entre os partidos, e o das ruas, aqui mesmo nos povoados de Alexandria e do Cairo, em Imbaba, subúrbio desfeito do lixo que o inundava sem que um só partido político se atrevesse a fuçar nas ruas. O governo popular a limpou.

Tradução: Katarina Peixoto
Transcrito de Carta Maior

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