26/06/2011

imagens da marcha liberdade em vitória


Tal como em outras quarenta cidades do país, a Marcha da Liberdade em Vitória aconteceu no sábado, dia 18.
Mas somente agora pude postar algumas imagens e comentários. Embora o número de participantes estivesse aquém do esperado, a Marcha foi simplesmente vibrante. Sentíamo-nos gratos e até mesmos redimidos por termos atravessado essas longas duas décadas de perplexidade e desencanto; e até mesmo de desesperança e descrença na possibilidade de pessoas e povos voltarem a ocupar praças e ruas, para reagir a essa massacrante caminhada ocidental rumo ao abismo e  à apatia de um totalitarismo escondido atrás de uma aparência de modernidade e de sofisticação tecnológica.
 

logo no começo já dava pra ver que uma das tônicas da marcha era a fruição e a expressão do corpo e da sexualidade; e bem nos seus inícios a marcha já estava protegida e colorida pelos guarda-chuvas da diversidade, da tolerância e do respeito a opção sexual de cada um e de cada uma - claro, não esquecendo que esse respeito e tolerância deve existir tanto por parte de heteros quanto de homos
acima, a mensagem que mais me chamou a atenção, aquilo que penso estar na raiz dessa rebelião no ocidente, que ora dá os seus primeiros passos: o 'sufoco', o cansaço e a perplexidade de pessoas e povos com esse insano projeto de civilização e com essa massacrante sociedade de controle. urge ao menos uma parada estratégica nessa caminhada do homem sobre a terra, é urgente que tenhamos uma amostra mínima, mas concreta, contundente,  radical, da possibilidade de um outro mundo.
o espanhol hugo, que acompanhou a marcha de vitória, numa mostra de que é viavel o internacionalismo das mobilizações e marchas. veja viva españagreve geral na espanha, saudações a galeano
 claro que os estudantes do movimento contra o aumento estavam presentes, e bastante atuantes como de costume. e o cartaz vem bem a propósito, demonstra que  a bandeira do movimento não se reduz a preço de tarifas ou a passe livre, mas questiona a ausência de uma política pública de transporte na grande vitória. veja matérias sobre o movimento postadas agora em junho 

outra bandeira bastante concreta presente na marcha: a luta contra os retrocessos no código ambiental e na questão ambiental em geral.
do concreto ao utópico e poético, mas nem por isso distante ou ingênuo: não há como não lembrar das primeiras rebeliões no ocidente, lá nos anos setenta, com suas radicais e inesquecíveis palavras: paz e amor.  aliás, a garota abaixo com sua flor amarela ilustra bem esse resgate das bandeiras e 'armas' da contracultura

e o pendulo oscila novamente: da flor e do amor à barbárie. veja a barbárie de aracruz e itabira e aracruz: lutas irmãs
 
 e, por último mas não menos importante,  para provar que nossa geração está presente nessa nova rebelião no ocidente: acima, vanda valadão, professora da ufes e minha companheira de atuação na cjp (comissão de justiça e paz, da arquidiocese de vitória); abaixo, o ator e músico reginaldo secundo, um dos articuladores da marcha, e o poeta transgressor e místico valdo motta, bastante inspirado em seu traje  a caráter, diga-se de passagem - leia poemas de valdo motta publicados por este blog.

22/06/2011

videO: me gustan los estudiantes

por indicação do poeta e dramaturgo wilson coelho, segue essa belíssima canção de mercedes sosa, na voz de violeta parra. vem bem a propósito, nestes tempos de benfazejo e guerreiro retorno dos estudantes e trabalhadores às praças e ruas do espírito santo, do brasil, da europa,  da áfrica e até dos estados unidos, mostrando que a nova geração não foi totalmente capturada por assépticos e plastificados  shoppings, por idiotizantes bate-papos virtuais e redes sociais e pela frenética sedução de bugigangas eletrônicas.

tragédia grega:

no berço da democracia, Parlamento ignora a rua e sanciona arrocho

À meia-noite da terça-feira, em Atenas, cercado por milhares de manifestantes, o Parlamento grego deu um voto de confiança ao governo socialista de Papandreu para tomar as medidas necessárias à implantação de um duro pacote de arrocho eonômico. Embora tenha vencido essa etapa (de forma apertada, 155 X 148) nem por isso Papandreu terá o caminho desimpedido pela frente. O passo seguinte da crise será a ampliação dos protestos de rua. Privatizações, cortes de aposentadorias, aumento de impostos, congelamento de salários, redução de recursos para serviços essenciais e demissões massivas no setor público não constituem um programa palatável a uma sociedade que enfrenta taxa de desemprego de 16%. A lógica do pacote anuncia mais recessão e maiores sacrifícios. Os mercados festejam a decisão. Mas a resistência é previsível e pode começar assim que a notícia se espalhar pelas ruas. (Carta Maior, 22/06/ 2011)

greve geral na espanha

Milhares de manifestantes defendem greve geral na Espanha, extraído de cartamaior.com

Segundo o jornal espanhol Público, o movimento 15M ganhou este domingo a forma de um enorme 19J (19 de Junho), juntando mais de 150 mil pessoas na Praça de Netuno, em Madrid, às portas do Congresso dos Deputados, guardado por um forte cordão policial. Ali, os organizadores leram um manifesto no qual incentivam os cidadãos a participar numa Greve Geral.
Os manifestantes partiram logo pela manhã de seis zonas distintas da capital, juntando-se ao início da tarde na praça Netuno, junto ao Congresso dos Deputados.

Sustentando cartazes e faixas com palavras de ordem como “caminhemos contra a crise e o capital”, “escutem a ira do povo” ou “não sejas violento”, os manifestantes – gente de todas as idades e de vários estratos sociais, jovens, reformados, famílias com crianças – gritavam slogans já identificados com o Movimento 15M, como “chamam-lhe democracia, mas não o é” ou “não, não nos representam”.

"Contra o desemprego. Organiza-te e luta. Vamos marchar juntos contra o desemprego", lia-se num grande cartaz que liderava o caminho da "coluna sudoeste", que partiu de manhã de Leganes, uma comunidade-dormitório a cerca de quinze quilômetros a sul de Madrid. "Nós não somos mercadoria nas mãos de políticos e banqueiros", estava escrito com letras vermelhas num outro cartaz.

Ao microfone, um manifestante gritava: "Vamos preparar uma greve geral. Nós vamos parar o país". "Os bancos e os governos que provocaram esta situação devem estar cientes de que não estamos de acordo com as medidas e os cortes nos orçamentos. Temos a intenção de ser ouvidos e vamos conseguir", afirma o movimento 15M.No final da tarde, teve lugar um piquenique “anti-fadiga” e uma orquestra interpretou a Nona Sinfonia de Beethoven - ver vídeo. Às 20h, foi realizada uma assembleia popular na Porta do Sol.

Já em Barcelona, às 17h encontravam-se milhares de pessoas concentradas na Praça da Catalunha que iniciaram depois uma manifestação até à Praça do Palau. O jornal Público espanhol cita os números avançados pelos organizadores do protesto nesta cidade: 270 mil manifestantes. O único incidente registado relaciona-se com um momento mais tenso durante o qual uns jovens identificaram uns polícias à paisana infiltrados na manifestação.

Na cidade de Valência, a manifestação começou no final da tarde e juntou vários milhares de pessoas. A marcha que se caracterizou também pelo caráter festivo, embora aguerrido nas palavras de ordem anti-crise, seguiu até à Rua Colón e terminou em frente à delegação do Governo regional.

100 pessoas detidas em Paris
A polícia francesa prendeu uma centena de "indignados" quando estes tentavam manifestar-se em frente da Catedral de Notre Dame, em Paris, França, no âmbito da convocatória internacional "Democracia verdadeira já!". Mais tarde, os manifestantes sentaram-se em frente ao monumento para continuar o protesto, que começou ao meio-dia. O Comando da Polícia da capital francesa anunciou que os detidos seriam libertados assim que verificada a sua identidade.

Na sua conta oficial no Twitter @acampadaparis, os indignados de Paris denunciam a repressão policial com fotografias.

acerca das mobilizações dos "indignados"

Fora com os partidos e sindicatos ou com o KKE e o movimento de classe?
por Rizospastis [1]

Na passada sexta-feira, os blogs que estão a guiar o movimento dos cidadãos "indignados" publicou uma declaração dos cidadãos "indignados" na Praça Sintagma, que apelava às forças de esquerda para abandonarem as praças. Assim, os dirigentes " "anónimos" do "movimento das praças", os "alinhados sem partido" "espontâneos", cidadãos " "não politizados", aparentam estar politizados e declaram-se a si mesmos "antiesquerda".

Talvez esta seja a razão porque eles se escondem no anonimato. Até este momento, declaravam que o seu inimigo era a política que trazia pobreza e desemprego, enquanto o seu slogan era o de livrar-se do memorando e dos políticos que o implementam. Este elemento, juntamente com o facto de organizarem mobilizações, expressa uma posição política.

Agora, estão a mostrar mais um aspeto das suas posição e prática políticas, atribuindo a política bárbara que leva o povo e a juventude à indigência a todos os partidos em geral – incluindo o KKE. Claro que não demonstram quem beneficia com esta política; também não mostram os verdadeiros inimigos, que são os monopólios, os capitalistas.

Estão contra o organizado movimento sindical de classe, alegando que os sindicatos devem abandonar as praças. Mas o movimento sindical não é homogéneo. Há alguma relação entre o governo e o sindicalismo amarelo, que ajudou à adoção das bárbaras medidas, e a PAME [2] , que organizou greves e concentrações de massas contra tais medidas, em conjunto com o PASEVE [3] , o PASY [4] , a OGE [5] e o MAS [6] ?

A autodefinição de "alinhados sem partido" que usaram até agora – exaltada pelos grupos mediáticos dos capitalistas, assim como a sua lógica no que respeita à questão da democracia – prova não ser mais do que hipocrisia. Assim como a sua alegada intenção de unir o povo, mesmo na base do vago conteúdo antimemorando do "movimento das praças", já que posições como "esquerda fora", "partidos fora", "sindicatos fora" são divisionistas, pois não são nada democráticas, ou, para sermos mais exatos, são antidemocráticas.

Ao mesmo tempo e enquanto se opõem ao memorando e às horríveis medidas, não dizem uma única palavra contra o governo, a UE e as forças políticas que concordam com esta política. Falam apenas, em geral, sobre os políticos que a aplicam, com argumentos vagos, enquanto igualam o KKE com aquelas forças.

O impedimento da expressão política e ideológica do povo trabalhador, que tem o direito de ter o seu próprio ponto de vista e de o expressar aberta e publicamente em geral e, em particular, no seio do movimento, onde desabrocha a luta política e ideológica, não só é contrária à democracia, especialmente dentro do movimento, mas também a amordaça.

Além disso, todo o movimento – mesmo o espontâneo, mas, ainda mais, o movimento nas praças – tem um objetivo, independentemente de se estar ou não de acordo com ele. Esta ação revela que os dirigentes dos movimentos das praças têm um ponto de vista: ou vens para a praça com as nossas posições político-ideológicas, deixando as tuas fora do movimento, ou não venhas mesmo, afasta-te das praças.

Parece que é uma tática bem elaborada para cavar linhas divisórias entre as forças populares que estão organizadas em sindicatos, os partidos, que não escondem a sua ideologia, a sua política, mesmo a sua identidade partidária e aqueles que vão para as praças, que são também pessoas normais, a maioria das quais acreditou nos partidos burgueses que traíram as suas esperanças de uma vida melhor, estão descontentes com a política burguesa e procuram uma saída.

Depois de tudo isto, a quem serve a lógica de "partidos e sindicatos fora"? Neste ponto, não vamos repetir que os dos blogs estão a preparar um partido com o nome "Democracia já", como disseram na TV. Mas há também uma verdade que eles não querem que fique em evidência, que tentam ocultar, como os meios de comunicação burgueses fazem com frequência – nomeadamente, que nem todos os partidos são iguais, que o chamado movimento antipartido das praças é uma entidade política, que, apesar de se dizer apartidário, é uma entidade política e tem uma posição política contra os outros partidos, independentemente do que diga de si próprio.

Desde a primeira vez que este tipo de mobilizações apareceu, colocamos a questão: quem se esconde por trás dos blogs e da internet? Porque não aparece? O que significa o seu anonimato? Não devia este facto preocupar aqueles que se reúnem nas praças? Pela simples razão de que deviam conhecer que forças os convidam e organizam estas atividades. E porque os blogs não são suficientes – nem tudo começa espontaneamente num blog – mesmo se eles contribuem para as mobilizações, tal como as enormes promoções dos meios de comunicação.

Mas parece que o anonimato auxilia aqueles que estão por trás dos blogs e não só a eles. Afinal, a experiência do movimento popular mostra que há também forças organizadas que aparecem como forças do "movimento" e se opõem – não importa se intencionalmente ou não – ao movimento popular organizado e que, quando em ação, ocultam a cara com capuzes.

Agora emergiu o movimento daqueles que não têm nome. As pessoas que se escondem a si próprias têm um objetivo específico, que também tentam ocultar. Autoapresentam-se como dirigentes a favor do povo mas não apontam o verdadeiro inimigo do povo.

Os que cobrem a cara com capuzes opõem-se aos mecanismos repressivos do estado, às montras das lojas e dos bancos – consideram-nos como os seus inimigos e não os monopólios. A sua atividade fomenta tendências para o movimento perder o seu caráter organizado, impede a participação do povo e não cultiva uma consciência reivindicativa.

Os procedimentos da democracia direta expressam, alegadamente, a participação, de baixo, na atividade antimemorando. Mas que força política imporá a sua vontade para que o memorando seja abandonado? Se eles estão contra os políticos e os partidos políticos. Assim, quem o fará? Outros políticos e, talvez, outras forças organizadas com a linha política que tem vindo a ser expressa nas praças, que não estão contra os monopólios e os capitalistas. Então, estamos a falar de outro sistema burguês, reformado. Será este o seu objetivo?

Claro que o específico ponto de vista de "partidos fora" faz com que algumas pessoas de determinados partidos apareçam como defensoras da linha do seu partido de manhã, lisonjeiem aqueles que expressam uma "posição apartidária", apesar de muitas destas pessoas serem quadros dirigentes de partidos e, à noite, vão para as praças como "gente apartidária". Isto é hipocrisia em escala massiva, se não uma fraude direta. O comum das pessoas e os jovens participam nas praças para expressarem a sua indignação, descontentamento e raiva contra o governo, a UE e a Troika. Mas não compreendem ou não aceitam a linha política de derrube do sistema.

Este povo trabalhador não deve ser enredado na rede que o sistema está a preparar, através dos chamados "apartidários" e espontâneos. O conflito com os monopólios não é asséptico. Necessita de um plano, de uma estratégia, de ideais, contribuições e sacrifícios. Isto significa uma aliança com o KKE e as forças radicais de classe; as novas forças que começam a mobilizar-se, superando a sua inércia e tolerância, devem dar este passo em frente.

"Partidos fora" é uma posição conservadora. Os partidos políticos são organizações que, com a sua linha política e ideológica, expressam interesses específicos. A nossa sociedade está dividida em classes e estratos sociais. Por um lado, a classe burguesa, a classe dominante, com o poder, cuja gestão é feita por alguns dos seus partidos no governo e, por outro lado, a classe operária. Há estratos intermédios que se diferenciam economicamente, assim como socialmente. As camadas intermédias, que estão numa posição económica mais fraca, são, objetivamente, aliadas dos trabalhadores e inimigas dos monopólios. A posição "partidos fora" iguala o KKE com os partidos burgueses e esconde o verdadeiro inimigo do povo: os monopólios, que detêm o poder.

Um trabalhador ilude-se a si próprio se acredita que as mobilizações nas praças são suficientes para o libertar dos velhos e novos problemas que lhe impuseram, sem um movimento que comece e esteja enraizado nas fábricas e indústrias, em todos os locais de trabalho, contra a classe capitalista. Quando o movimento não é forte nas fábricas, quaisquer mobilizações que se façam não têm bases sólidas. O verdadeiro palco da luta de classes é o local de trabalho, a empresa. É aí que os trabalhadores entram numa luta diária e sem quartel contra os grandes empresários – luta que surge das suas particulares relações de classe, as relações de exploração, porque a riqueza e os lucros dos capitalistas são produzidos pelo trabalho dos operários.

Alguns dizem que também se luta nas praças, e isso é de igual modo necessário; mas, em primeiro lugar, luta-se no local onde os inimigos de classe entram em conflito. Aí está o verdadeiro coração da luta política de classe.

Um trabalhador ilude-se a si próprio se acredita que as mobilizações populares devem afastar-se de todos os partidos ou estar contra todos eles. Tal movimento está condenado a ser subjugado à linha política dos capitalistas, a contribuir para a perpetuação da exploração.

Um trabalhador ilude-se a si próprio se acredita que o sistema político burguês pode funcionar no interesse do povo. O sistema político burguês não pode ser corrigido, tem de ser derrubado. Um trabalhador engana-se a si próprio se promove a reivindicação de nos livrarmos do memorando, sem a acompanhar da reivindicação da saída da UE e do derrube do estado dos monopólios na Grécia.

O povo necessita do movimento que lhe dá uma perspetiva clara. Isto significa uma luta organizada, aliada ao KKE, uma luta através dos movimentos de classe do PAME, PASY, PASEVE, OGE e MAS. Só estas forças se podem opor à estratégia dos monopólios e seus servidores, com a estratégia a favor dos interesses populares. Sem tal estratégia o povo não encontrará uma saída.

1. Rizospastis: jornal do Partido Comunista da Grécia (KKE)
2. PAME: Frente Militante de Todos os Trabalhadores – central sindical de classe da Grécia
3. PASEVE: Movimento Antimonopolista de Trabalhadores Autónomos e Pequenos Comerciantes
4. PASY: Movimento Militante de Todos os Camponeses
5. OGE: Federação das Mulheres Gregas
6. MAS: Frente Militante de Todos os Estudantes

O original encontra-se no Rizospastis, editorial de 05/Junho/2011, a versão em inglês em http://inter.kke.gr/News/news2011/2011-06-07-arthro-syntaksis e a tradução em português em http://www.pelosocialismo.net/

16/06/2011

saudações ao rebelado e sábio galeano


Com certeza que dispensa comentários,  essa  fala do escritor uruguaio Eduardo Galeano. Não poderia deixar de publicá-la aqui, nestes dias de efervescência não só na Gréica, nas praças de Espanha e Portugal,  em São Paulo, como também aqui em Vitória do Espírito Santo.
Essa vibrante  fala de Galeano pede comentários mais demorados e extensos. Mas, por ora, gravemos um de seus momentos mais contundentes: "um mundo novo está na barriga deste mundo de merda". E com certeza aqui em Vitória trabalhadores  e estudantes estão ajudando no difícil parto deste mundo novo. Seguem os endereços de algumas postagens acerca das manifestações aqui em Vitória:
movimento acerta alvo sem saber
a romaria do sonho  e a greve mundial
de choque em choque
relato pessoal acerca da barbárie na ufes
protestos em vitória
visite também  o blog do MCA - Movimento Contra o Aumento:
protesto em vitória
É uma iniciativa diferente, pois é um blog coletivo, aberto, a senha é pública, para qualquer um  acessar o painel e postar sua matéria, vídeo, poema etc, desde que tenha a ver com o movimento, claro

marcha da liberdade em vitória

Dia 18 de Junho, saindo da UFES, a partir das 14 horas 
Trechos da convocação da Marcha:
Você tem poder! Nossa maior arma é a conscientização. Faça um vídeo, divulgue nas suas redes sociais, arme sua intervenção, converse em casa, no almoço do trabalho, no intervalo da escola. Compartilhe suas propostas nas paredes, no seu blog, no seu mural. Reúna-se localmente, convoque seus amigos, erga suas bandeiras, vá às ruas.
Estamos diante de um momento histórico global. Pela primeira vez, temos chance real de conquistar a liberdade. O mundo está despertando. Vamos mostrar que brasileiro sabe protestar. Levante-se do sofá e vá à luta. Vamos juntos construir o mundo que queremos!
********************
Não somos uma organização. Não somos um partido. Não somos virtuais. Somos uma rede. Somos REAIS. Conectados, abertos, interdependentes, transversais, digitais e de carne e osso.
 Não temos cartilhas. Não temos armas, nem ódio. Não respondemos à autoridade. Respondemos aos nossos sonhos, nossas consciências e corações. Temos poucas certezas. E uma crença: de que a liberdade é uma obra em eterna construção. E que a liberdade de expressão é o chão onde todas as outras liberdades serão erguidas: De credo, de assembléia, de amor, de posições políticas, de orientações sexuais, de cognição, de ir e vir... e de resistir.

 E é por isso que foi convocamos qualquer um que tenha uma razão para marchar, que se junte a nós no sábado para a primeira #MarchadaLiberdade.
 Em casa, somos poucos. Juntos, somos todos. E esta cidade é nossa!
Leia a divulgação completa aqui

Rumo à Greve Mundial... E este planeta é nosso!!!

movimento acerta alvo sem saber

E Junho continua com a sua roda viva de manifestações de rua, bloqueios e  movimentos de resistência (vide abaixo o movimento de Itabira, Minas)  e também resistências e manifestações de blogueiros, emails e mensagens cruzando  os céus cibernéticos da parte lúcida e  engajada da internet. Segue abaixo uma vibrante convocação feita pela Nanda Tardin, acerca de nossa manifestação de ontem, no Centro de Convenções de Vitória, onde se realizaria o Fórum Nacional da Reforma Eleitoral.

O evento foi cancelado, em razão do bloqueio do MCA - Movimento Contra o o Aumento, formado em sua esmagadora maioria por estudantes, mas que começa a atrair a participação de sindicalistas, trabalhadores e ativistas políticos em geral.
Na realidade, não estava na pauta do Movimento protestar contra o Fórum, questionar a sua legitimidade, tal como a convocação de Nanda lucidamente questiona. Foi um 'cochilo' do MCA, que poderia ter agregado mais simpatia à sua causa e ter passado uma imagem de maior  amplitude, para esse movimento que já tem demonstrado uma combatividade e uma politização surpreendentes, nesses esteréis tempos de desmobilização dos movimentos sociais organizados. De qualquer forma, os estudantes miraram no que viram, acertaram no que miraram e também acertaram no que não viram.
A seguir, a convocação enviada por Nanda Tardim:

URGENTE TODOS: APOIO AGORA AOS ESTUDANTES
Abaixo, a farsa montada pelo Fórum Nacional de Reforma Eleitoral, bancado pelos ditadores de uma ONG da VALE, ARACRUZ, REDE GAZETA. Sobre o Forum podem ver mais da farsa abaixo:

ESPÍRITO SANTO EM AÇÃO ASSINA TERMO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA PARA REALIZAÇÃO DO FORUM NACIONAL PELA REFORMA DA LEI ELEITORAL (extraído de Tribunal Regional Eleitoral do Espirito Santo - 06 de Abril de 2011 )


"O Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo e o Movimento Espírito Santo em Ação assinam nesta quinta-feira, dia 07 de abril, o convênio de cooperação técnica para realização do Fórum Nacional pela Reformulação da Legislação Eleitoral que acontecerá em Vitória, entre os dias 15 a 17 de junho, para discutir os diversos aspectos que envolvem a mudança da legislação eleitoral no Brasil.
A solenidade de assinatura será realizada no gabinete da presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo e contará com a presença da diretoria do Espírito Santo em Ação, que entendeu que a realização do Fórum Nacional pela Reformulação da Legislação Eleitoral, no Espírito Santo, é um projeto de interesse público para toda a sociedade.
Para o desembargador Pedro Valls Feu Rosa, presidente do TRE-ES, a mudança da lei eleitoral pode ser considerada uma resposta e um desafio para o enfrentamento do desenvolvimento de condições ideais para legitimar a vontade popular. Fonte: Ass. Com/TRE-ES"

Agora eu pergunto: até onde são de fato independentes os movimentos sociais que apoiaram este evento se a ONG ES EM AÇAO é a ONG Empresarial que serviu o governo imperialista de Hartung e que é composta de executivos da Aracruz(Arcelor/Fibria), Rede gazeta de Comunicações, Futura, CST, Vale, Águia Branca?
A quem querem enganar os bem 'intencionados' que se proporiam a debater reforma eleitoral com um TRE que não cassou ainda nem o Donatti (prefeito Conceição da Barra), nem Suely Vidigal, flagrada comprando votos e fazendo uso do dinheiro público, via Prefeitura da Serra de seu marido Vidigal?
"Ou Brilhamos Todos Ou Não Brilha Ninguem".

Blog de visibilidade de debates da sociedade organizada, que discute com políticos a construção do projeto popular UM NOVO ES É POSSIVEL.

Divulgue-nos, Juntos Somos Fortes
Somos a base da piramide, 180 milhões de brasileiros
porque sustentar um Topo que nos oprime?
Nanda Tardin, 32 91363332
*******************
Como forma de protesto, a Nanda decidiu não participar do II Encontro de Blogueiros Progressistas, que acontece agora em junho, em São Paulo. Na verdade desde a realização do I Encontro pipocararm, aqui e ali na internet, algumas vozes  críticas e discordantes da forma como vem sendo conduzida essa necessária e válida tentativa de integrar  a blogosfera progressista; parece que as críticas se referem a uma concentração de decisões, falta de democracia e de autonomia, estrelismo etc, enfim, o de sempre.
Este blog não tem como se pronunciar sobre  a questão, já que não pude participar do I nem desse II Encontro. Mas a Nanda ficou de enviar a sua visão e trazer alguns esclarecimentos.  Ficamos aguardando.

itabira e aracruz na mesma luta

Eis que lá em Minas, em Itabira (a bela, pujante, mas também poluída  cidade do poeta Drummond - veja matérias aqui e aqui), 300 famílias de sem-teto correm o risco de sofrer a mesma repressão que ocorreu aqui em Aracruz, ES. Ao fim da matéria seguem contatos e endereços de lideranças, religiosos e entidades envolvidas na resistência ao despejo e a uma possível repressão policial.

Nota à Sociedade
Padre em jejum por tempo indeterminado em Itabira, Minas

Itabira, MG, 13 de junho de 2011

O padre José Geraldo de Melo, vigário episcopal da Região Pastoral I da Diocese de Cel. Fabriciano e Itabira, MG, está acompanhando a luta das 300 famílias da Ocupação Drumond, de Itabira, que, após morar no bairro Drumond por 11 anos, estão ameaçadas de despejo. O último prazo dado pelo juiz foi 31 de agosto de 2011. As famílias dos sem-casa, ameaçadas de despejo, estão acampadas na frente de prefeitura de Itabira há 20 dias e estão dispostas a continuar, por tempo indeterminado, até que o prefeito assuma o compromisso de desapropriar a área ou fazer casas dignas para assentar as 300 famílias.

Considerando a insensibilidade do prefeito João Izael, comovido com o sofrimento do povo – com crianças, idosos e pessoas doentes – dormindo há 20 noites sob um frio estarrecedor nas noites itabiranas, e indignado com a injustiça que é jogar 300 famílias na amargura da rua, o Padre José Geraldo de Melo iniciou um jejum à zero hora do dia 10 de junho (madrugada de sexta-feira), por tempo indeterminado. Amanhã, dia 14/06 será o 5º dia de jejum do padre José Geraldo. Outras pessoas estão aderindo ao jejum também.

Em Carta datada do dia 08/06/2011, o bispo Dom Odilon, reiterou irrestrito apoio à luta justa e legítima dos pobres da Comunidade Drumond. Dom Odilon cobra do prefeito de Itabira e das autoridades públicas sensibilidade humana e compromisso com uma saída justa e digna para o conflito que atinge fortemente as 300 famílias de Drumond.

Assinam esta Nota:
Secretariado Diocesano de Pastoral
Grupo de Apoio de Ipatinga
Associação dos Moradores do Bairro Drumond
Mandato do Deputado Federal Padre João

Brigadas Populares:    http://www.brigadaspopulares.org.br/
Comissão Pastoral da Terra, CPT:   http://www.cptmg.org.br/
Contatos:
Padre José Geraldo de Melo: 031 8727 0021,  Adilson: 031 8656 9616, Joviano Mayer: (31) 8815 4120, Gilvander Moreira, frei carmelita, 031 9296 3040, http://www.gilvander.org.br./ 

Para saber mais ligue para a Secretaria da Paróquia 3834-2808 ou casa do Padre José Geraldo 3834-9756.

Leia mais em leste mais

 padre José Geraldo de Melo; embaixo, manifestantes acvampados próximo à Prefeitura 

15/06/2011

a romaria do sonho e a greve mundial

...quem diria: a Rebelião no Ocidente chega a Vitória do Espírito Santo!
Fluindo junto com a já histórica e inesquecível passeata de 6 de Junho(sexta-feira), não encontrava melhor nome, para aquela multidão a desfilar pela Reta da Penha afora, do que simplesmente de Romaria do Sonho.

Um pouco pelo fato de nossa Marcha lembrar exatamente a Romaria dos Homens (que ocorre todo ano durante a Festa da Penha, aqui no Espírito Santo): quando aquele mar de gente atravessava a Ponte da Passagem, lembrei-me exatamente daquele outro mar de gente atravessando a Segunda Ponte - que divide Vitória e Vila Velha - durante a Festa da Penha.

Mas, também, por ver naquela marcha uma retomada da utopia, um resgate da crença de que nós, os cansados e perprexos seres humanos do século XXI,   somos sim capazes de vislumbrar e propor um mundo menos hostil e menos indiferente, um mundo mais amigo e mais acolhedor para todos nós.

Algo dizia que aquela manifestação transcendia, e muito, simples questões pontuais como melhorias no transporte, como aliás já tinha apontado aqui. Algo me dizia  que daquele dia em diante também as ruas de Vitória seriam nova e frequetemente ocupadas, e não apenas por jovens, mas por todo tipo de pessoa. Ou seja, Vitória passaria a fazer o parte da Rebelião que vem se alastrando pelo planeta afora.
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Muitas têm sido as leituras para todas essa manifestações que, iniciadas na Grécia em 2008, espalharam-se pela Europa, pelos povos árabes, pelos EUA e, com uma rapidez que surpreendeu,  agora pelo Brasil, cujo ponto de partida com certeza podemos situar na Marcha da Liberdade, ocorrida em São Paulo em 28 de maio, como resposta à repressão praticada contra a Marcha pela Discriminalização da Maconha.

E com certeza haverão ainda muitas e muitas leituras desse espetacular fenômeno, que vem surpreendendo a todos, até mesmo àqueles que previram, com admirável acuidade, a Crise que vem se abatendo sobre o agonizante sistema capitalista desde 2008, e que felizmente parece estar apenas nos seus inícios.

Não importa definir qual seria a leitura correta, ou as leituras corretas. O que importa é constatar que, finalmente, está vindo à tona um movimento de âmbito planetário de constestação ao projeto de civilização do Ocidente. Aliás, desde 2008, em várias ocasiões este blog vem apontando para a necessidade de emergir um movimento assim (como se pode ler em alguns dos textos indicados acima) como uma das condições necessárias para a superação da Crise do Ocidente, como desdobramento natural do complexo impasse em que se encontram as sociedades ocidentais.

O que importa é saudar o cansaço dos povos com esse modelo de civilização agressivo, estúpido, obsoleto. E saudar a capacidade de ainda lutar, questionar e enfrentar esse modelo.
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Os críticos desses movimentos afirmam que tudo é muito vago, que não existem propostas concretas. E que também não existem lideranças, entidades, partidos, ideologias, ou mesmo partidos de esquerda claramente definidos, à frente desses movimentos. Com certeza que assim o é, e certamente será assim por um bom tempo ainda.

Pois o que existe ainda é um movimento em gestação, um movimento de  recusa à continuidade desse atual projeto de civilização.

Na realidade, a tendência é de que todos esses movimentos desemboquem numa espécie de greve planetária e anárquica. A princípio, esse movimento de contestação em nível global não terá como apresentar uma alternativa concreta e viável de um novo modelo de organização social, política e econômica para os povos.

Ninguém pode dizer o que virá depois dessa Crise do Ocidente, já instalada entre nós, e dessa Greve Planetária, que se avista no horizonte há já algum tempo. Não sabemos se uma suposta superação do Capitalismo e das Sociedades de Controle se dará por uma sociedade de cunho socialista, cooperativista, comunal ou uma mistura de tudo isso, até mesmo com a presença de um capitalismo sob controle dos povos.

É perda de tempo tentar antever isso e, mais ainda, tentar impor isso. O que vai ditar o novo será o próprio novo, e o que importa de fato é que as ruas estão sendo tomadas de fato pelas pessoas, o que importa é que já há uma clara e lúcida consciência de que é preciso estar  a postos, para quando chegar o colapso desse agressivo e enlouquecido projeto de civilização e dessa plastificada e opressiva Sociedade de Controle.

Para grande parte de militantes e estudiosos de esquerda, esses jovens, adultos, velhos e crianças, que têm tomado as ruas, não têm muita noção do que estão a fazer, não obedecem a um projeto político claro, não têm idéia de que para derrotar um mundo caduco é preciso se organizar e construir alternativas concretas. É verdade que não há essa consistência de projetos e não há esse conhecimento do próprio potencial e da própria desorientação.

Mas muito dessa ausência de projetos, dessa desorganização política e dessa desorientação se deve exatamente à recusa desses manifestantes em seguir propostas de enfrentamento e de organização política que, na visão desses mesmos manifestantes, falharam, traíram-se ou foram derrotadas pelo capitalismo e pelas sociedades de controle. Ou seja, por detrás da aparente desorientção e ausência de projteos concretos, há uma lucidez institiva, há uma intuição clara dquilo que não se quer, seja pelo lado da direita, seja pelo lado da esquerda.

Cabe, então, à esquerda clássica, tradicional, revolucionária, organizada, ou seja lá o que for, dialogar, observar, manter-se atenta a esse movimento que está nas ruas, nas cidades, praças e não apenas nas redes virtuais e abstratas da internet. 

Com certeza que a construção do mundo novo - que vai sair da "barriga deste mundo de merda", como diz Eduardo Galeano - não dispensa, de forma alguma, nenhuma contribuição; ao contrário, terá que ser fruto do encontro corajoso e lúcido de tantas e tão variadas formas de luta que resistem e se espraiam por este planeta afora, todos caminhando na mesma Romaria do Sonho, mas uma Romaria que busca realizar o Sonho aqui e agora, e não num mundo celeste  e impalpável aos vivos.

Uma Romaria que sabe que efetivar o Sonho não tem nada de impossível ou de quimérico, que sabe que basta a crença, a persistência  e a lucidez  para que a história, a própria vida e este nosso  mundo aconteçam num cenário cada vez mais de sonho e cada vez menos neste cenário de pesadelo, ou neste cenário de "mundo de merda", lembrando mais uma vez Eduardo Galeano, em sua fala cortante e sábia, acima mencionada.
*******************
Penso então que os protestos de Vitória inscrevem-se neste movimento maior. Embora tenham um propósito bem definido, e tenham sido gestados e conduzidos por um movimento mais articulado e mais politizado, não seguem hierarquias e nem fórmulas clássicas de comando e de decisão. Procuram realizar ao máximo a horizontalidade, a efetiva democracia decisória  e a autonomia em relação a movimentos e partidos e lideranças.

Praticam também uma clara recusa de instituições políticas  e econômicas, seja à esquerda seja à direita, tal como nas duas ocasiões, na marcha de sexta-feira, em que os repórteres do jornal A Gazeta foram simples e furiosamente expulsos da assembléia e da marcha.
Pela esquerda, a recusa está no próprio alvo do movimento: o governo do Espírito Santo, que é comandado por um quadro do PSB, tendo como vice nada menos do que alguém do PT.

Enfim, por mais que haja um recuo ou uma desarticulação momentânea, e independente de conquistarem ou não as suas reivindicações imediatas,  a impressão é de que o movimento dos estudantes de Vitória irá se somar à Rebelião no Ocidente, mesmo tendo sido motivados por algo mais concreto que aquelas ainda vagas e difusas manifestações.

Aliás, o movimento de Vitória pode até mesmo ser um dos primeiros a articular propostas concretas, efetivamente transformadoras, com essa rebelião lúdica, essa indignação palpitante e esse cansaço de caratér mais geral que irá se espraiar mundo afora.

Pois não importa o tempo que demore - se meses, anos ou décadas - o fato é que movimentos como o de Vitória, de São Paulo, da Espanha, de Portugal, da Grécia, nos dão a certeza de que, ao lado de partidos e governos efetivamente transformadores,  estaremos todos a postos, nas ruas e praças, para provocarmos e superarmos o Colapso do Capitalismo e das Sociedades de Controle. 

Estas, aliás, já deveriam ser, há muito tempo, as palavras de ordem que realmente importam:  parar o ocidente e provocar o colapso, para superar a o erro e a barbárie.  

a história voltou para as ruas

No início dos anos 90 obteve grande repercussão midiática a tese do "fim da História", elaborada por Francis Fukuyama, economista, professor de Filosofia Política e um dos principais ideólogos dos anos Reagan. Segundo essa tese, a História teria chegado ao fim com a queda do Muro de Berlim e a derrocada da União Soviética. Esses dois acontecimentos marcariam a vitória definitiva da democracia liberal e do modelo de civilização liderado pelos Estados Unidos. Mas a História costuma ridicularizar esse tipo de profecia determinista que pretende ditar os rumos do mundo.
por Marco Aurélio Weissheimer, extraido de carta maior

Fukuyama publicou o artigo intitulado “O fim da história”, em 1989. Três anos depois, reapresentou o tema em um outro texto, “O fim da história e o último homem”. A tese central dos dois textos consistia em fazer uma apologia da superioridade do capitalismo e da democracia liberal ocidental sobre todos os demais sistemas e ideologias concorrentes. A partir dali, a única oposição se manifestaria sob a forma de focos isolados de nacionalismo e do fundamentalismo islâmico que ficariam restritos à periferia do sistema. O mundo entraria, comemorava Fukuyama, em uma nova fase dourada, um novo renascimento, marcado desta vez pelo desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação que dissolveriam as fronteiras do planeta.
Não é a primeira vez que isso acontece. A História costuma ridicularizar esse tipo de profecia determinista que pretende ditar os rumos do mundo. Fukuyama teve seus momentos de glória. Ganhou imenso espaço midiático e fez conferências mundo afora. E eis que, apenas 20 anos depois, suas teorias foram reduzidas a pó. A História não só não acabou como atravessa hoje um período de grande turbulência.

O admirável mundo novo prometido pela globalização financeira resultou em uma das mais graves crises da economia ocidental. Por uma dessas ironias que a História parece gostar de praticar as receitas econômicas amargas de austeridade impostas a países da América Latina, Ásia e África hoje adotadas nos Estados Unidos e na Europa como suposta solução para a crise econômica. Bilhões de dólares foram pelo ralo com os negócios do cassino financeiro global. O Estado, apresentado até então pelos defensores deste sistema, como um gigante a ser diminuído, foi chamado a socorrer grandes bancos e instituições financeiras privadas. Quem pagou o socorro foram os contribuintes que agora são chamados a apertar os cintos para pagar essa conta. A crise econômica que atingiu os EUA e a Europa repercutem, é claro, em todo o mundo.

No plano político, o mundo vive também um período de turbulência, consequência direta dessa crise econômica. Há apenas alguns meses, ninguém se atreveria a prever a eclosão de múltiplas revoltas populares em países do Oriente Médio, da África e, mais recentemente, da Europa. Governos que eram apontados como padrão de estabilidade, como é o caso do Egito, foram obrigados a renunciar em poucas semanas. A guerra da Líbia levou os EUA e seus aliados europeus a se envolverem em mais um conflito armado na região mais instável do planeta. A combinação da instabilidade política com a crise econômica constitui um caldo de cultura explosivo de consequências imprevisíveis. Na Europa, milhares de jovens estão saindo às ruas em diversos países em protesto contra o desemprego, a falta de perspectivas e a falência do sistema político tradicional. Nos últimos meses, as manifestações ruas multiplicaram-se pela Islândia, Grécia, Inglaterra, Espanha e Portugal, entre outros países.

Por outro lado, o terremoto e o tsunami que devastaram o Japão no dia 11 de março acabaram provocando, além de um saldo trágico de milhares de mortos e de grande destruição material, um acidente nuclear de proporções ainda não bem conhecidas, com repercussões globais. A perspectiva de uma tragédia planetária esteve bem presente até bem poucos dias, levando mais uma vez milhares de pessoas às ruas, especialmente no Japão e na Alemanha, país que já decidiu desmontar seu sistema de usinas nucleares.

O resumo da obra, neste início de 2011, é, portanto, o seguinte: crise econômica internacional, elevado índice de desemprego em países apontados até então como modelos de estabilidade, revoltas populares e guerras civis na África e Oriente Médio, grandes protestos populares na Europa, desastres naturais e um acidente nuclear de grandes proporções e consequências imprevisíveis.

Diante desse conjunto de problemas e da crise das representações políticas tradicionais, as ruas voltaram a ser um espaço de manifestação e debate público. Este novo especial da Carta Maior pretende registrar algumas das principais expressões deste renascimento das ruas, um fenômeno salutar para uma democracia que está sendo cada vez mais ameaçada por um sistema econômico predatório, alicerçado fundamentalmente no setor financeiro. A história não só não acabou como está viva e pulsante nas ruas de diversas cidades do mundo.

louvor do bairro dos olivais

Não tive nunca nada a ver com as
guitarras estudantes; eu vivia
num lento bairro da periferia
onde a chuva apagava os passos das

pessoas de regresso a suas casas
fazia compras na mercearia
e algum livro mais forte que então lia
já era para mim como um par d'asas

amigos vinham ver-me que eu servia
de ponche ou Madeira malvasia
para soltar as línguas livremente

um que bramava um outro que dormia
eu abria a janela e só dizia
ao menos estas ruas têm gente

fernando assis pacheco
(a musa irregular, lisboa, ed. asa 1996)

a ponte

Parávamos a meio da Ponte 25 de Abril. Se fôssemos rápidos, a coisa resolvia-se sem muitas chatices. Fazíamos o que tínhamos a fazer, metíamo-nos no carro, dávamos a volta a Alcântara e regressávamos a casa.

Por vezes, quando eram muitos ou quando tu te comovias particularmente, os minutos alongavam-se terminávamos por ter a companhia do carro da GNR. Perdi a conta ao número de vezes em que tive de explicar ao graduado de serviço ao que vínhamos. Cansava-me de explicar que embora fosses calada e eu te acompanhasse em silêncio, não éramos potenciais suicidas nem nos passava pela cabeça atirarmo-nos da ponte abaixo. Não éramos desses. Com o passar do tempo, acabámos por ficar conhecidos do pessoal do Posto e a vida tornou-se mais fácil.

O ritual era sempre o mesmo. Saías de manhã, bem cedinho. Apanhavas o barco das 05.15 para o Cais do Sodré e fazias a tua peregrinação de sempre pela Ribeira.

As bancas do peixe eram a tua perdição. Passavas horas naquilo. Pé após pé, fazias quilómetros dentro do Mercado. Alinhados nas pedras, cobertos de gelo, os peixes fitavam-te, olhos nos olhos. Descobrias entre todos eles os mais infelizes, os mais desalinhados, os mais desconsolados. E, invariavelmente, comprava-los todos.
Carregada com os peixes mais tristes do dia, retornavas a casa. Na manhã que te sobrava e durante toda a tarde, celebravas as exéquias devidas: vestias-te de negro, oravas, meditavas e choravas. Depois, quando o turno da Setenave terminava e eu regressava a casa, comias em silêncio a malga da sopa e o pão escuro e duro que nela demolhavas. Depois esperávamos até que a tabela das marés que tinhas sempre contigo te indicasse a hora certa para a viagem - confesso-te que, de todos os rituais que tu tinhas, essa espera era o momento que mais me custava a passar. Dizias que não querias que eles fossem dar a Vila Franca ou que apodrecessem no Mouchão de Alhandra. Que com a maré vazante eles descansariam em paz eterna, no oceano profundo. Que do mar vieram e ao mar retornariam, algas às algas, areia à areia. E eu acreditava.
De mãos nos bolsos, imóvel sobre o tabuleiro, indiferente aos carros que travavam e apitavam, ficava a ver o teu choro triste quando te despedias deles e os lançavas um a um da ponte abaixo. Pescadas, corvinas, cações, salmonetes, toda a espécie de peixe de todo o mar de Portugal era objecto da tua compaixão diária, do teu luto desenfreado.

Sabes bem que nunca te quis mal, amor. Sabes bem que me era muito difícil poder pagar todos os peixes que compravas, que a vida foi sempre madrasta para nós, que tudo se tornou cada vez mais difícil depois da fábrica ter fechado as portas.

Quero que saibas que penso muito, muito em ti. E que choro muito, mas mesmo muito, sempre que aqui na prisão nos servem pescada cozida ou carapaus com molho à espanhola. Nesses dias, nada como. Passo fome. E grito. Grito como tu gritaste quando naquele dia te empurrei em direcção à paz eterna no mar profundo.

09/06/2011

a frágil palavra liberdade

politico
ocupando a rua
fazendo carreata
pedindo votos
é “festa da democracia”

povo
ocupando a rua
fazendo passeata
pedindo direitos
é “baderna desordeira”

com quantas mentiras
se constrói uma
“liberdade de imprensa”?

com quantos depósitos
se constrói uma
“liberdade de empresa”?

fraga ferri - vitória, es

convite à liberdade - rebelião no ocidente 12

Em Vitória a Marcha da Liberdade está sendo convocada para o próximo dia  18/06, de 14h às 18h, com concentração no Estacionamento da UFES. Espalhe a rebelião:
www.marchadaliberdade.org/
twitter: #marchadaliberdade,  #worldrevolution


Prisões, tiros, bombas, estilhaços, assassinatos. Por todo o país, protestos legítimos estão sendo reprimidos com ataques violentos da força policial. Querem nos calar.
Avenida Paulista, 21 de maio de 2011: Marcha da Maconha. A história se repete. A tropa de choque, sob os olhos do governo e da mídia, avança sem piedade sobre manifestantes armados apenas com palavras e faixas. As imagens do massacre à liberdade de expressão, registradas por câmeras, corpos e corações, ecoaram na rede e nas ruas com um impacto de mil bombas de efeito moral, causando indignação e despertando as pessoas de um estado anestésico. O que governo algum poderia desejar estava acontecendo: o povo começou a se organizar. Desta vez, não baixaríamos a cabeça.

Sete dias depois, defensores das mais diversas causas, vítimas das mais diferentes injustiças, estavam de volta ao mesmo local para dar uma resposta à opressão. As ruas de São Paulo foram tomadas por 5 mil pessoas de todas as cores, crenças e bandeiras. Na Internet, uma multidão espalhava a mensagem como vírus pelas redes sociais. Naquele dia, o Brasil marchou unido por um mesmo ideal. Nascia ali a Marcha da Liberdade.
Não somos uma organização. Não somos um partido. Não somos virtuais. Somos REAIS. Uma rede feita por gente de carne e osso. Organizados de forma horizontal, autônoma, livre.
Temos poucas certezas. Muitos questionamentos. E uma crença: de que a Liberdade é uma obra em eterna construção. Acreditamos que a liberdade de expressão seja a base de todas as outras: de credo, de assembléia, de posições políticas, de orientação sexual, de ir e vir. De resistir. Nossa liberdade é contra a ordem enquanto a ordem for contra a liberdade.

Convocamos:
Todos aqueles que não se intimidam, e que insistem em não se calar diante da violência. Contamos com as pernas e braços dos que se movimentam, com as vozes dos que não consentem. Ligas, correntes, grupos de teatro, dança, coletivos, povos da floresta, grafiteiros, empresários, operários, hackers, feministas, maltrapilhos e afins. Associações de bairros, ONGs, partidos, anarcos, blocos, bandos e bandas. Todos os que condenam a impunidade, que não suportam a violência policial repressiva, o conservadorismo e o autoritarismo do judiciário e do Estado. Que reprime trabalhadores e intimida professores. Que definha o serviço público em benefício de interesses privados.

Ciclistas, lutem pelo fim do racismo. Negros, tragam uma bandeira de arco-íris.
Gays, gritem pelas florestas. Ambientalistas, cantem. Artistas de rua, falem em nome dos animais. Vegetarianos, façam um churrasco diferenciado!
Nossas reivindicações não têm hierarquia. Todas as pautas se completam na perspectiva da luta por uma sociedade igualitária, por uma vida digna, de amor e respeito mútuos. Somos todos pedestres, motoristas, cadeirantes, catadores, estudantes, trabalhadores. Somos todos idosos, índios, travestis. Somos todos nordestinos, bolivianos, brasileiros, vira-latas.
E somos livres.

Você tem poder! Nossa maior arma é a conscientização. Faça um vídeo, divulgue nas suas redes sociais, arme sua intervenção, converse em casa, no almoço do trabalho, no intervalo da escola. Compartilhe suas propostas nas paredes, no seu blog, no seu mural. Reúna-se localmente, convoque seus amigos, erga suas bandeiras, vá às ruas.
Estamos diante de um momento histórico global. Pela primeira vez, temos chance real de conquistar a liberdade. O mundo está despertando. Vamos mostrar que brasileiro sabe protestar. Levante-se do sofá e vá à luta. Vamos juntos construir o mundo que queremos!
Princípios do movimento:
- Liberdade de organização e expressão;
- Contra a repressão e a violência policial em qualquer âmbito da sociedade;
- Contra o conservadorismo que pauta o judiciário e o Estado.
Reivindicação geral:
- Regulamentação que proíba o uso de armamentos pela polícia em manifestações
sociais.

Espalhe a rebelião. #marchadaliberdade #worldrevolution
http://www.marchadaliberdade.org/

 
Kênia Lyra, keks.kenialyra@gmail.com 27 9993 5321

08/06/2011

o peru sumiu da mídia:

começou o terceiro turno

A mídia ofuscou completamente a vitória de Ollanta Humala, no Peru, um acontecimento político cuja importancia simbolica extrapola a fronteira regional. Embora apertada, a vitória da centro-esquerda peruana abre uma falha na regressão conservadora em marcha no mundo, sobretudo na Europa, reafirmada com a vitória da direita em Portugal, mas ensaiada também na América Latina, com a ascensão do neo-pinochetismo de Sebastián Pinera, no Chile. Derrotado nas urnas o conservadorismo tentará esmagar Omala no terceiro turno, através do cerco midiático e da asfixia financeira. Aplicarão contra seu governo o mesmo know-how, ou algo pior, tentado contra Lula no Brasil, Kirchner na Argentina e, mais recentemente, com os golpes contra Evo, na Bolívia. Ontem, a Bolsa de Lima caiu 12%. No Brasil, a mídia reduziu a cobertura das eleições a um "desalento dos mercados" e sombreou o resultado proporcionalmente à consolidação da vantagem de Humala. É só o começo. A integração latinoamericana, que se fortaleceu com a manifestação democrático do povo peruano, deve agora providenciar os meios para sustentar o novo governo neste início que se configura como uma das transições mais delicadas da política regional. (Carta Maior; 3º feira, 07/06/ 2011)

de choque em choque

por Roberto Garcia Simões, publicado em  A Gazeta, 07/06/2011

Éflagrante a incapacidade do governo Casagrande de se antecipar e firmar uma negociação contínua com estudantes sobre transporte coletivo. A sociedade não pode ser convocada somente em 30 de dezembro para aumentar tarifa. É preciso uma agenda da mobilidade que contemple toda a sociedade: "quem e quanto pagar" por tarifas, passes livres, qualidade do serviço.

Desde abril, circulava nas redes sociais: "Vitória vai literalmente parar" (@ Protesto GV): 2 de junho, 6 horas, Palácio Anchieta. Além de "tentativas" de negociação, o que ocorreu em abril e maio? O governo não tem estrutura e pessoal para o diálogo permanente - e não o de ocasião. É discurso sem sustentação prática. Chegou ao ponto de o protesto ter começado sem a sua presença para ouvir a demanda da hora, acertar reunião e buscar liberar uma pista.

Diferenciando-se da esquerda arcaica, o "ativismo virtual", segundo o prof. Marco A. Nogueira: a) atua de forma mais livre e horizontal; b) não tem lideranças claras; c) partidos não comandam; d) há muita festa e determinação, mais do que disciplina militante. São movimentos em movimento que rompem com paradigmas de entidades estudantis do passado. As negociações são mais complexas.

Nas 6 horas de trânsito bloqueado, com Casagrande em Brasília, e o vice, Givaldo Vieira, fora da capital, relatos no Twitter davam conta de que houve ligações para dirigentes de entidades. Nada aconteceu de efetivo, até a chegada do vice. Paralisia. Agendou-se uma reunião para 13 horas. Ao mesmo tempo, o BME deu um ultimato: desocupar em 5 minutos. Do oito para oitocentos. Resultado: confronto violento na rua, e negociação que não chegou ao Palácio.

Não concordo com a obstrução total da mobilidade, nem com vandalismos. Mas é um dilema, no calor do protesto, encontrar o "ponto do doce": incomodar, ganhar repercussão e força e, simultaneamente, respeitar direitos. Não é trivial calibrar transtornos. Estudantes no protesto, e não só eles, investidos de poder, também expressam, em atos, emoções e "instintos primitivos" que suplantam racionalidades.

Os excessos se amplificam quando viram alvo de bombardeios apimentados. Os policiais deveriam estar mais bem capacitados para os momentos de forte tensão da lei e da ordem. As negociações não podem começar com a "tropa de choque" perfilada. O coronel Odorico dizia: "É ilegal, baixa o pau" (CBN, Sucupira, 20.05). Ao contrário, buscar a mediação é essencial.

São altos os riscos de "guerra" nessa ambiência. É inerente a tensão entre a eficácia do protesto - número de participantes e incômodos gerados - e o Estado de Direito. No centro de Vitória, os manifestantes acumularam poder nas seis horas de paralisação total.

Nesse clima de beligerância, o governo optou pelo confronto. Empurrou os movimentos para a Ufes. No final da tarde, a truculência do BME ampliou-os. Em menos de 24 horas, os manifestantes saltaram de dezenas para milhares. É o resultado mais veloz do "crescer é com a gente". Na noite do dia 3, outro choque. O uso da força em um dia veio a ser o prenúncio de fraqueza no outro: o governo se rendeu aos milhares de manifestantes. A polícia observou-os na Ufes e deixou-os ocupar o entorno da Terceira Ponte. Certo?

Ontem, depois dos extremos, outro protesto com interrupção parcial do tráfego e pauta de negociação. É possível a passagem para uma mobilidade sustentável?

Roberto Garcia Simões é professor da Ufes e especiaIista em políticas públicas.

estranhas criaturas

Venham ver sob que luzes surgem os poemas, em que leitos navegam as palavras desabridas.
Venham ver a força desta corrente na rebentação da névoa.
Se entre as duas margens conseguirem avistar o que se esconde na neblina, então vejam como tudo baila sem que um único músculo se mova.

henrique fialho
estranhas criaturas, deriva, Porto, 2010

05/06/2011

sobre os acontecimentos em espanha - rebelião no ocidente 11

(veja também: viva españa!)
por Miguel Urbano Rodrigues, extraido de diario.info

Os acontecimentos da Espanha, pelo seu significado, estão a polarizar a atenção da Europa e de milhões de pessoas noutros continentes. Em Washington, Berlim, Paris e Londres, o acampamento da Puerta del Sol, inicialmente encarado como iniciativa folclórica de jovens pequeno burgueses frustrados, gera agora preocupação.

Quando o chamado Movimento M-15 se alastrou em dezenas de cidades do país e nas capitais europeias, e centenas de pessoas se manifestaram frente às embaixadas espanholas, a indiferença evoluiu para um sentimento de temor.
Porquê?

O protesto espanhol insere-se na crise global de civilização que a humanidade enfrenta, cujas raízes arrancam da crise estrutural de um sistema de opressão: o capitalismo.

Seria um erro concluir que os jovens que criaram o Movimento «Democracia Real Ya » são revolucionários e o seu objectivo é a destruição do regime. O M-15 atraiu gente muito diferente. Alguns nem sequer rejeitam a obsoleta e corrupta monarquia bourbonica. Mas rapidamente a contestação popular excedeu as previsões. O Movimento, após a repressão do primeiro dia, foi olhado quase com benevolência pelo PP e pelo PSOE, os dois grandes partidos da burguesia. Mas, ao assumir proporções torrenciais, o protesto adquiriu os contornos de uma condenação do regime, na qual as massas emergiam como sujeito histórico.

Na Puerta del Sol começaram a ouvir-se brados inesperados: «No al FMI »; «No a la farsa electoral»; «PSOE y PP, la misma gente!»; «No a las guerras de los EEUU!». Soou até a palavra «Revolução!»
Daí o medo.
Praça Catalunha, Barcelona, 27 de maio
Os jovens de Madrid sabem o que não querem, mas a grande maioria não tem uma ideia minimamente clara sobre o que fazer e como actuar. As reivindicações aprovadas a 20 de Maio, na Assembleia do acampamento, são moderadas, algumas ingénuas. Espontaneísta, o M-15 não acampa no centro de Madrid em função de uma estratégia de Poder.

Quando aquilo principiou o que unia a multidão heterogénea de jovens pouco mais era que a recusa da caricatura de democracia. Terá sido uma surpresa para o pequeno núcleo inicial a adesão maciça de adultos, de desempregados, de reformados. Foi ainda numa atmosfera de confusão que surgiram as primeiras lideranças embrionárias, os porta-vozes do acampamento.

Jovens entrevistados por mídias internacionais manifestaram espanto ao tomar conhecimento da repercussão internacional da iniciativa e das concentrações de solidariedade em cidades espanholas e européias.

DE TUNIS A MADRID
O protesto dos «indignados» de Espanha foi obviamente inspirado pelo modelo da Tunísia e do Egipto. Na época da comunicação instantânea, as redes sociais permitiram que em tempo rapidíssimo os apelos à concentração popular na Puerta del Sol fossem atendidos por milhares de jovens. A praça madrilena foi a Tahrir egípcia.
Tal como ocorrera no Norte de África, a exigência de «democracia» funcionou como motor da mobilização popular.

Mas, enquanto nas rebeliões contra Ben Ali e Hosni Mubarak as massas reivindicavam liberdades, eleições livres, um parlamento tradicional, destruição de aparelhos repressivos, o fim de ditaduras ferozes e a sua substituição por regimes representativos similares aos da União Europeia, em Espanha a «democracia real ya» reclamada pelos «indignados» partia dialecticamente da recusa do figurino pelo qual se batiam os africanos.

O que para os árabes era ambição e sonho aparece hoje a muitos dos acampados da Puerta del Sol como caricatura da democracia, rosto de um regime cuja prática nega os valores e princípios que invoca, que concentra a riqueza numa ínfima minoria e promove o desemprego, amplia a desigualdade social.

Enquanto a burguesia tunisina e egípcia se solidarizava com os rebeldes que se manifestavam contra Ali e Mubarak e o imperialismo rompia com os seus aliados da véspera, a burguesia espanhola, os partidos tradicionais e os poderosos da União Europeia condenavam os «indignados» peninsulares, identificando neles arruaceiros de um novo tipo.

Merece reflexão a dualidade antagónica da posição assumida pelo imperialismo americano. Na Casa Branca, o presidente Obama compreendeu que as reivindicações dos rebeldes da Tunísia e do Egipto não colidiam com a sua estratégia para a Região e, agindo com rapidez e eficácia, estimulou e aplaudiu nesses países a instalação de Governos de transição ditos democráticos, sob a tutela de personalidades militares e civis que, com poucas excepções, tinham servido as ditaduras eliminadas. Na Líbia bombardeia Tripoli; no Golfo pede à Arábia Saudita que afogue em sangue rebeliões incomodas como a do Bahrein, sede da V Esquadra da US Navy.

O imperialismo encara, naturalmente com desconfiança e apreensão, o alastramento do protesto inorgânico dos jovens «indignados». Obama e o Pentágono interrogam-se sobre as consequências imprevisíveis de um movimento que condena com dureza o envolvimento da Espanha nas guerras asiáticas dos EUA.

ADESÕES INTERNACIONAIS

A direita arrasou o PSOE nas eleições municipais de domingo. Os acampados da Puerta del Sol reagiram com indiferença aparente aos resultados. «Eles não nos representam», declararam porta vozes do M-15, sublinhando que na engrenagem do poder, o PSOE e o PP, embora com discursos, histórias , percursos e bases sociais diferentes, praticam no governo politicas neoliberais muito semelhantes, e politicas externas caracterizadas pela submissão às exigências dos EUA e de Bruxelas.

Significativamente, o espaço e o tempo que os media espanhóis dedicaram durante a última semana aos «indignados» diminuíram drasticamente desde sábado. O tema quase desapareceu das primeiras páginas dos grandes jornais e do programa dos canais de televisão. A vitória do PP e o avanço das Autonomias monopolizaram a atenção de políticos, analistas e jornalistas do sistema.

Oposta é a atitude assumida pela maioria dos intelectuais progressistas. Na Espanha e também na América Latina, personalidades de prestigio, em artigos e entrevistas publicados em revistas Web de informação alternativa, como Resumen Latino Americano e Rebelión e outras, expressam a sua solidariedade com os jovens do M-15 e reflectem sobre o significado e as consequências da contestação.
Cito alguns exemplos expressivos.

O filósofo e escritor marxista Santiago Alba Rico, num artigo intitulado «La Qasba en Madrid» sublinhou que a Espanha «não é uma democracia». E acrescenta, realista: «Não haverá uma revolução em Espanha. Mas uma surpresa, um milagre, uma tormenta, uma consciência nas trevas, um gesto de dignidade na apatia, um acto de coragem na anuência, uma afirmação anti-publicitaria de juventude, um grito colectivo de democracia na Europa, não é já um pouco uma revolução?»

Carlos Taibo, professor da Universidade Autónoma de Madrid, esteve na Puerta del Sol levando solidariedade, e dirigindo-se aos acampados disse ao saudá-los: «Os que aqui estamos somos, obviamente, pessoas muito diferentes. Temos na cabeça projectos e ideais diferentes. Mas conseguimos, apesar disso, chegar a acordo quanto a um punhado de ideias básicas». E, parafraseando Santiago Alba Rico, afirmou: «Aquilo a que em Espanha chamam democracia, não o é!».

O escritor italiano Carlo Frabetti escreveu: «Desde o protesto dos Goya de 2003 que não se conseguira um aproveitamento tão eficaz de contestação interna do sistema e a sua expressão cultural do espectáculo».

Atilio Borón, um sociólogo marxista argentino de prestígio internacional, dedica aos jovens acampados um artigo entusiástico intitulado «Os indignados e a Comuna de Paris». Lembra que aquilo que a democracia de Moncloa propõe para enfrentar a «crise é o despotismo do mercado, irreconciliável com qualquer projecto democrático». E, cedendo a um impulso romântico, conclui o artigo com estas palavras: «Se persistirem (os indignados) na sua luta poderão derrotar a prepotência do capital e, eventualmente, iniciar uma nova etapa na história não só da Espanha, mas da Europa».

Angeles Maestro, a destacada dirigente de «Corriente Roja», da Espanha, mais realista, salienta que os acampamentos em dezenas de cidades espanholas «têm um conteúdo anticapitalista» e neles ondula «uma multidão de bandeiras republicanas». Enfatiza o descrédito da montagem eleitoral e afirma que «As mobilizações maciças que se iniciaram em numerosas cidades do estado espanhol a 15 de Maio e que tiveram continuidade em acampamentos, assembleias e convocatórias para novas manifestações, expressam o alto nível de indignação e raiva de uma juventude que não tem qualquer esperança de chegar a ter os direitos básicos que a Constituição pomposamente proclama: direito ao trabalho, à habitação, à educação e saúde publica de qualidade, a uma pensão digna, etc.».

Quanto ao futuro do Movimento, adverte como revolucionaria experiente: «Nos processos sociais não há atalhos. Se é um facto que a fagulha da espontaneidade está sempre presente e serve para desencadear as mobilizaçoes, somente o avanço da organização é a medida da acumulação de forças, e sem acumulação de forças as lutas leva-as o vento.»

AMANHÃ INCERTO

Esperanza Aguirre, a reeleita alcaide de Madrid, não esconde a sua hostilidade aos acampados. Se dela dependesse, declarou, ordenaria à Policia que expulsasse da Puerta del Sol os acampados. A repressão inicial foi esclarecedora da sua posição. Mas carece de poderes para recorrer à força.

Qual o desfecho do protesto dos «indignados»?
Por ora é imprevisivel.
Vai persistir, transformando-se em desafio ao Poder?

Uma Assembleia, improvisada e tumultuosa como as anteriores, decidiu manter o acampamento até ao próximo domingo. Durante a semana os activistas irão aos bairros. Depois se verá.

Em Barcelona e noutras cidades, as concentrações de protesto também não se dissolveram, mas os próprios organizadores admitem que o número de participantes diminua nos próximos dias.

Repito: os jovens «indignados» sentem dificuldade em definir um rumo para a luta que iniciaram. A maioria talvez não tenha consciência da complexidade do desafio lançado ao Poder.

Volto a citar Angeles Maestro: «O processo de confluência múltipla em torno a um programa comum somente poderá abrir caminho se criar raízes nas lutas operárias e populares. Por outras palavras, se a construção do referente politico beber a seiva na luta de classes e demonstrar a sua utilidade para abordar um longo processo de acumulação de forças».

A consciência demonstrada pelos «indignados» de Madrid, de que a «democracia representativa» é uma ficção no Estado Espanhol, deve porém ser saudada como acontecimento importante no âmbito das lutas de massa europeias e não ignorada, subestimada ou mesmo criticada com sobranceria em atitudes irresponsáveis por alguns dirigentes de partidos de esquerda da União Europeia.

Não compartilho a euforia prematura de Atilio Boron, mas julgo oportuno reafirmar que a Espanha não é excepção na Europa. Não há democracia autêntica sem participação decisiva do povo. Na União Europeia um sistema mediático perverso e desinformador esconde a realidade. Os regimes existentes nos 27 diferenciam-se muito. Mas existe um denominador comum: a ausência de uma democracia autêntica. Neste início do século XXI, no contexto de uma gravíssima crise mundial de civilização, o capitalismo, em fase senil, cola o rótulo da democracia representativa a ditaduras da burguesia de fachada democrática.

Vila Nova de Gaia, 23 de Maio de 2011.